quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Angus & Julia Stone









I lay myself upon the floor
We're not all dying, babe
Well, maybe I don't need this after all
It was a place for me
And all the books upon your shelf
Tell stories of who you are
But there's more to the picture son
He says you'll play it on your broken guitar
He says you play it on your broken guitar

Don't take my word for it
Don't take my word for it
Don't take my word for it
I do
I do
I do

I wake up in the morning so I can watch you dress for work
But there's more to the picture here
Than what we see or what we've heard
What we've seen or what we learn

Don't take my word for it
Don't take my word for it
Don't take my word for it
I do
I do
I do

Don't take my word for it
Don't take my word for it
Don't take my word for it
I do
I do
I do

domingo, 28 de dezembro de 2014

Sair a protestar. Ou, pelo menos, recordar.


   França, 1933. Após 2 anos em que a Soc. Citroën obtém um lucro de 186 milhões, a  administração da empresa decide uma diminuição salarial dos operários na ordem dos 18-20 %. Começa uma greve (que, aliás, alastrará. Da Renault até às empregadas de Mlle Channel ). Prévert escreve para o Grupo Outubro este "Citroën», aqui ouvido na sua própria voz.




Citroën
À la porte des maisons closes,
C’est une petite lueur qui luit…
Quelque chose de faiblard, de discret,
Une petite lanterne, un quinquet.
Mais sur Paris endormi, une grande lueur s’étale :
Une grande lueur grimpe sur la tour,
Une lumière toute crue.
C’est la lanterne du bordel capitaliste,
Avec le nom du tôlier qui brille dans la nuit.
Citroën ! Citroën !
C’est le nom d’un petit homme,
Un petit homme avec des chiffres dans la tête,
Un petit homme avec un drôle de regard derrière son lorgnon,
Un petit homme qui ne connaît qu’une seule chanson,
Toujours la même.
Bénéfices nets…
Une chanson avec des chiffres qui tournent en rond,
300 voitures, 600 voitures par jour.
Trottinettes, caravanes, expéditions, auto-chenilles, camions…
Bénéfices nets…
Millions, millions, millions, millions,
Citroën, Citroën,
Même en rêve, on entend son nom.
500, 600, 700 voitures
800 autos camions, 800 tanks par jour,
200 corbillards par jour,
200 corbillards,
Et que ça roule
Il sourit, il continue sa chanson,
Il n’entend pas la voix des hommes qui fabriquent,
Il n’entend pas la voix des ouvriers,
Il s’en fout des ouvriers.
Un ouvrier c’est comme un vieux pneu,
Quand y’en a un qui crève,
On l’entend même pas crever.
Citroën n’écoute pas, Citroën n’entend pas.
Il est dur de la feuille pour ce qui est des ouvriers.
Pourtant au casino, il entend bien la voix du croupier.
Un million Monsieur Citroën, un million.
S’il gagne c’est tant mieux, c’est gagné.
Mais s’il perd c’est pas lui qui perd,
C’est ses ouvriers.
C’est toujours ceux qui fabriquent
Qui en fin de compte sont fabriqués.
Et le voilà qui se promène à Deauville,
Le voilà à Cannes qui sort du Casino
Le voilà à Nice qui fait le beau
Sur la promenade des Anglais avec un petit veston clair,
Beau temps aujourd’hui ! Le voilà qui se promène qui prend l’air,
A Paris aussi il prend l’air,
Il prend l’air des ouvriers, il leur prend l’air, le temps, la vie
Et quand il y en a un qui crache ses poumons dans l’atelier,
Ses poumons abîmés par le sable et les acides,
Il lui refuse une bouteille de lait.
Qu’est-ce que ça peut  lui foutre, une bouteille de lait ?
Il n’est pas laitier…Il est Citroën.
Il a son nom sur la tour, il a des colonels sous ses ordres.
Des colonels gratte-papier, garde-chiourme, espions.
Des journalistes mangent dans sa main.
Le préfet de police rampe sur son paillasson.
Citron … Citron …Bénéfices nets… Millions… Millions…
Oh  si le chiffre d’affaires vient à baisser,
Pour que malgré tout, les bénéfices ne diminuent pas,
Il suffit d’augmenter la cadence et de baisser les salaires
Baisser les salaires
Mais ceux qu’on a trop longtemps tondus en caniches,
Ceux-là gardent encore une mâchoire de loup

Pour faire la grève…Pour mordre, pour se défendre, pour attaquer,
La grève…
Vive la grève !
Jacques Prévert

sábado, 27 de dezembro de 2014

ANU(L)IDADES





   Esteve de tudo... Tenha estado quase tudo. Não acredito que algum dia, um ou todos ou mesmo o mesmo, venhamos a unanimizar sobre a forma de avaliar as experiências. E ainda assim dou por mim impaciente por entrar num ano novo. Talvez seja é pressa de sair deste, e daí a pequena reflexão inicial. Todavia numa espécie de prudência tripa&sangue, alheada de espelhos e literaturas, arredo-me do costumeiro "Ano novo, vida nova" por um (tendo em conta a in e evocada prudência) seminal (de sémen mesmo, ou esporradal, se só assim entenderem) "Homem novo em novo ano".
   Rai's partam a vida... esta, outra que calhasse, talvez todas. Resta-nos sorrir, abraçá-la e intolerarmos incansavelmente, não com tudo, mas com todos os que aos "raios" apenas amesquinham. Por daqui sair tão sujo, há-de ser a minha passagem d'ano debaixo de água quente e numa abundância de excessos: de sabão, de tesão. De olhos bem fechados e mãos tacteantes' enroscado  nos braços e colado à pele morna e húmida da confiança. Impoluto, pois claro! Ou amnésico, o que, neste caso, vai dar ao mesmo.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Bom Natal, Paco (Navidad, navidad...)



As Complexidades do Coração Humano...

 
... ou serão as inconstâncias?


Bien sûr!


sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Factos e Opiniões




   Variam consoante as pessoas e, até, conforme as circunstâncias: todos gostamos de ter razão. E mais quando o tempo vem provar que tínhamos ou tivemos razão "antes do tempo". Por ser fenómeno tão universal e, inevitavelmente, vítima da pouca memória dos "outros" não insisto, divago nem peroro sobre o fenómeno.
   Com este disco nas mãos, a sua música a percorrer-me, leio um trecho crítico que fala do que não falei: «(...)Il est entièrement composé à l'aide de synthétiseurs et d'une boîte à rythmes. ( pour ceux qui seraient allergiques aux synthés façon eighties, sachez qu'il ne s'agit nullement de ça ici: mélodiques et peu envahissants, ils s'effacent devant la belle voix grave du maitre )». Ou seja: (...) « É (o disco) inteiramente composto com a ajuda de sintetizadores e duma caixa de ritmos. (Para aqueles que são alérgicos aos sintetizadores à "maneira" dos anos oitenta, saibam que não se trata de nada disso aqui: melódicos e pouco invasores (discretos), apagam-se (ou passam para segundo plano) perante a maravilhosa e grave voz do mestre)».
   Nada a acrescentar. Basta-me ser-me dada razão, por alguém que me entende ou, sem me ouvir, entende perfeitamente o que já me cansei de dizer.

Prendas de Natal


































   Infelizmente esgotadíssima. Convenceu-me mais a prosa publicitária do que a mera ilustração. Por isso Veneza devia emigrar rumo ao norte (talvez Estocolmo). Desvarios meus.
   O modelo D344 intrigou-me. Outro sinal de que a publicidade deveria, incontestavelmente ser considerada arte (ou Arte), facto que ainda hoje é miseravelmente contestado. Valham-nos certos publicitários clarividentes, embora humilérrimos, que se intitulam "poetas amadores".
   Voltando ao artigo em questão: "cartuchos de pólvora seca" a 45 cent. a meia centena (e ainda por cima não enviáveis por via postal) faz-me pensar: e porque não verdadeiros, ou seja carregados, de forma a acabar com o cliente e com esta prosa miserável?
   Feliz Natal.

World Press Photo (1955/ 2011)


Lucian Perkins (1995)


   A bus on the road leading to Grozny during fighting between Chechen independence fighters and Russian troops. The civil war which erupted when President Yeltsin sent troops to the rebellious province in December 1994 was still dragging on months later. When the Chechen fighters fled Grozny, the capital, where the war had claimed a horrendous human and material toll, Russian troops pursued them into the countryside to the south and east.

   As fotos vencedoras da "World Press Photo", desde o início da competição, 1955, até 2011:

http://www.buzzfeed.com/mjs538/every-world-press-photo-winner-from-1955-2011?sub=1407709_118982&s=mobile#118982


terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Balada Irlandesa



IF I WAS A BLACKBIRD

If i was a blackbird I'd whistle and sing
and I'd follow the ship that my true love sails in,
and on the top rigging I'd there built my nest,
and I'd pillow my head on his lilly whith breast.

He promised me to take me to Bonnybrook fair
to buy me red ribbons to bind up my hair.
And when he'd return from the ocean so wide
he'd take me and make me his own loving bride.

His parents they slight me and will not agree
that I and my sailor boy married should be.
But when he comes home I will greet him with joy
and I'll take to my bosom my dear sailor boy.


SE EU FOSSE UM MELRO

Se eu fosse um melro assobiaria e cantaria,
seguindo o navio em que o meu amor navega;
construiria o meu ninho no alto dos cordames
e no seu peito branco como um lírio repousaria a minha.                                                                                              [cabeça.

Ele prometeu-me levar-me à feira de Bonnybrook
para comprar fitas vermelhas e prendê-las nos meus.                                                                                             [cabelos.
E quando regressasse do vasto oceano
haveria de me abraçar e fazer de mim a sua terna esposa.

Os seus pais desprezam-me e não estarão de acordo
que eu e o meu marinheiro nos casemos.
Mas quando ele regressar a casa vou acolhê-lo com alegria
e apertar contra o meu peito o meu marinheiro amado.

[trad. de António Sabler. Fraquinha, como se poderá ler e (não) sentir]

Pratt e Praça


Santiago Caruso - "Gabinete de Curiosidades"

   Os avançantes cinquentas de Pratt. No sublimatório  Maltese apenas (e muito remotamente) se reconhecerá algo de semelhante em "As Helvéticas". Digo eu, provavelmente rasando, ou arriscando, o disparate.


   "(...)E perdi-me numa infinidade de intrigas *, enquanto a velhice - eu preferiria a palavra "velhotice" - se abeirava suavemente. Sentia uma certa preguiça do corpo, conservando uma imaginação muito jovem, um cérebro muito perspicaz. Então, fui pouco a pouco deixando-me envolver por um mundo de recordações, um mundo onírico, um mundo feérico. E esse mundo, que os intelectuais empenhados dessa época me censuraram como sendo irreal, tornou-se para mim cada vez mais concreto: eis em que consiste o meu materialismo histórico. Durante esse período, progressivamente, fui-me separando do que se chama a realidade e a minha vida tornou-se a da imaginação, da fantasia, do fantástico."

   * - parece-me "liberdade" de tradução.

Hugo Pratt, in "O Desejo de Ser Inútil - memórias e reflexões", pág. 161 (Relógio d'Água,  2005)


terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Já suspeitava: resta o mistério da associação verbal (tal&qual)

 
Alice Ferrow

   CRISE

   O substantivo  crise vem «latim crĭsis, is, "momento de decisão, de mudança súbita, crise (usado especialmente acepção medicina)", do grego krísis,eōs, "ação ou faculdade de distinguir, decisão", por extensão, "momento decisivo, difícil", derivação do verbo grego krínō, "separar, decidir, julgar";  já no latim ocorre a acepção "momento decisivo na doença"; a palavra ganha curso em economia a partir do séc. XIX; francês crise (1429), inglês crisis (1543), alemão Krise (séc. XVI), italiano crisi séc. XVI-XVII, espanhol crisis (1705), português crise (séc. XVIII)».

   A palavra crise é, em história da medicina, «segundo antigas concepções, o 7.º, 14.º, 21.º ou 28.º dia que, na evolução de uma doença, constituía o momento decisivo, para a cura ou para a morte»; em medicina, trata-se de «o momento que define a evolução de uma doença para a cura ou para a morte» ou de «dor paroxística, com distúrbio funcional em um órgão». Em economia, é «fase de transição entre um surto de prosperidade e outro de depressão, ou vice-versa».

(Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss)



CATARSE

s.f. 1 na religião, medicina e filosofia da Antiguidade grega,
libertação, expulsão ou purgação daquilo que é estranho à essência ou à natureza de um ser e que, por esta razão, o corrompe
1.2 Rubrica: religião.
conjunto de cerimônias de purificação a que eram submetidos os candidatos à iniciação religiosa, esp. nos mistérios de Elêusis
1.4.1 Derivação: por extensão de sentido. Rubrica: estética, teatro.
purificação do espírito do espectador através da purgação de suas paixões, esp. dos sentimentos de terror ou de piedade vivenciados na contemplação do espetáculo trágico
3 Rubrica: psicanálise.
operação de trazer à consciência estados afetivos e lembranças recalcadas no inconsciente, liberando o paciente de sintomas e neuroses associadas a este bloqueio
4 Rubrica: psicologia.
liberação de emoções ou tensões reprimidas, comparável a uma ab-reação
5 Rubrica: psicologia.
efeito liberador produzido pela encenação de certas ações esp. as que fazem apelo ao medo e à raiva, utilizado pelas terapias que se baseiam no método catártico


Fonte: Dicionário Houaiss


   Sobreviveremos, mas diferentes. Omito a opinião, o pressentimento, tudo o que sendo tão pessoal se torna de tal forma subjectivo que evito racionalizar, verbalizar e submeter a qualquer tipo de análise (pessoal, quanto mais a pares...). Não consigo evitar classificar os tempos que correm como "de resistência", fugindo (assustado) ao "sobrevivência". Por razões e vivências muito minhas, que por recato ou pudor, calo. Mas, para perceber o que evoco, leia-se qualquer descrição de, por exemplo, um naufrágio. Não faltam narrativas bastante reais (presenciais de preferência) que, para o efeito, são bastante mais elucidativas do que a estupenda e fantástica (literalmente) "colecção de relações e notícias de naufragios, e successos infelizes, acontecidos aos navegadores portuguezes", reunidos por Bernardo Gomes de Brito. Por isso aqui deixo o óleo de Mª H. V. da Silva.



Maria Helena Vieira da Silva História Trágico-Marítima ou Naufrage, 1944

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Qualquer coisa do género





1. Queres sobreviver ao frio?
2. Queres vencer a fome?
3. Tens vontade de comer?
4. Queres beber?
Despacha-te e adere às Brigadas de Choque !

Cartaz Agitprop de Maïakovski

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Primavera inalcansável


   Em dias assim a viagem não é geográfica, mas uma espécie de passeio, feliz ou infelizmente (decidam vocês) com bilhete de ida e volta. Eu, tão contente que ando com a vida e a companhia, ainda assim consigo arranjar desejos de pecar numa espécie de impaciência irritada (o Sá de Miranda é que a sabia, toda e bem). Feitios ferrosos e desleixos enferrujados. Aliás, informa-me o farmacêutico que estamos em plena falta generalizada de vitamina D. Graças a Deus, e por uma vez, nada de metafísicas nem sentimentalidades amorosas.
   Assim se constroem as vidas e as normalidades: uma gota por dia ou a frascalhada toda e duma vez pela goela abaixo. Conhecendo-me já sei como há-de ser.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

... e se destitulasse ?



Louise Richardson "Linen and Wool"

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Larkin. O luxo em Verdana




Wants
  
Beyond all this, the wish to be alone:
However the sky grows dark with invitation-cards
However we follow the printed directions of sex
However the family is photographed under the flagstaff –
Beyond all this, the wish to be alone.

Beneath it all, desire of oblivion runs:
Despite the artful tensions of the calendar,
The life insurance, the tabled fertility rites,
The costly aversion of the eyes from death –
Beneath it all, desire of oblivion runs.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Bombardíssimo




   Quem leu o post "Rua Miguel Bombarda, o Porto Arte Contemporânea, etc" de 7 de Novembro aqui fica a prova provada de que as paredes da toca (ou será mesmo, "gruta" ?) ficaram mais aconchegantes.
   No processo aprendi, pelo menos, coisas duas... Primeiro, que há instituições que aliam a eficácia e competência à sensibilidade desinteressada. Por isso, publicamente, aqui deixo agradecidas e admiradas gratidões à "Porto Lazer" e à sua funcionária que, neste caso, deu a cara e o nome, perante este humilde requerente, e que dá pelo nome de Carina Novo. A outra lição foi a de que aquilo que eu, cheio de amadorismo, chamei de "poster" afinal se chama "Mupi".
   Por estas e por outras, lá vamos não desanimando completamente e sobrevivemos ao convívio com tanto "colega de espécie" (parece que se chama humana) que não dispensa (se é que não se alimenta mesmo) da sua maldadezinha muito mesquinha e muito mal-cheirosa.
   Muito, e muitos, obrigado.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Bichos somos todos, higienes à parte


   Aqui fica este gato tatuado (literalmente) como promessa e lembrança de um texto a explicar a inexactidão e o facilitismo em que incorro ao dizer que «gosto de gatos» quando, na verdade o que sinto é que gostava que as pessoas fossem (mais) como eles. O que no trato humano e no seu convencionalismo aceite são características antagónicas que apenas serviriam para descrever um paradoxo vivente e como boutade de um afirmante a forçar uma estafada originalidade, ou seja, o bravio da selvagem memória, o quase dictatorial egoísmo, combinado com um irresistível anarquismo com que o bicho subverte a relação de posse e, a terminar(?), um espanto de charme, elegância e afecto dengoso, não é para todos.

   Eu, que cresci numa autêntica Arca de Noé onde, curiosamente, não havia gatos embora até um improvável e simpático casal de ouriço cacheiros marcasse presença e me desse presentes de Natal, o cão, pelo número, variedade de espécie e da ilimitada liberdade de que gozava, era rei incontestado. Por tudo isso (e pelo que veio depois) costumo pensar que «evoluí do cão para o gato». Um Darwin imaginado, imaginante e monteiroso, entender-me-ia perfeitamente.

   Na brincadeira e na dança digital ficou dito o que pensei dizer num outro dia... numa outra cama.


Horitomo "Tattooed Cat"

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Continuar





   Breve, breve, até porque se há momentos na vida em que o desperdício, ou a generosidade com que entregamos (o) tempo à morte é mais do que um direito, é (quase) um imperativo. Bem sei que, desde o século XVIII (e, por cá nunca) o conceito de "homem de qualidade" (mulher incluida, na história breve em que cabe a minha, brevíssima) passou de moda. Hoje, além de esquecido, mais do que desconhecido, é completamente imcompreendido e incompreensível. Sinal dos tempos, da decadência e da corrupção da carne, evidência do nosso desamparo.

  Bibliotecas de fingir, comida rápida em templo, não de jejum mas de repulsa, o coração de plástico, no jardim de plástico, na casa de plástico e eis-nos a um passo de uma vida de fingir e de fugir. Construir ficções com tinta, leva ao desaparecimento lento nos corpos de corações pulsantes, de sangue e  dor, mas, também e sobretudo, do riso e do amor. Pior, só a banalização alarve, o caricaturar das delicadas prácticas de pensar, sentir e dizer exercidos como quem devora, não por necessidade ou fome-fome mesmo, mas por uma espécie de apetite, voraz e canibal, herdado e já incorporado. Como evitar a repugnância 6perante a imagem das fuças debruçadas sobre a malga, o olhar guloso e feroz, a mandíbula forte e o dente afiado a precederem o proverbial arroto (quando não mesmo o vómito descomposto e fétido) dessas almas delicadas e sensíveis?

   Valha-nos a ironia do Velho, ou do que de divino sobrevive em nós que, frágeis sim, ridículos talvez, nos permite, ainda, erguer os olhos para um céu azul- azul, onde os pássaros nadam livres e livres nos possuem indiferentes ao pouco uso que damos ao que de precioso e raro por vezes nos habita ou convida ao abandono e à paz nessa imensa pátria onde a fraternidade é amiga e aliada sem que isso implique a necessidade de vestir a farda e sermos o que dizemos terem-nos mandado "ser". Talvez ainda possamos estender a mão e alcançar aquele ou aquela que regressa, ou sempre ali esteve e o maravilhamento dessa irónica (re)descoberta nos faça ignorar homens e mulherzinhas. Dizem os galegos: «há homens, homenzinhos, macacos e macaquinhos».

   E ponto e pronto. Há vergonha e pena, que pena!

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Ser para sempre; mas não ter sido (Jorge Luis Borges)




Los Enigmas 

Yo que soy el que ahora está cantando
Seré mañana el misterioso, el muerto,
El morador de un mágico y desierto
Orbe sin antes ni después ni cuándo.
Así afirma la mística. Me creo
Indigno del Infierno o de la Gloria,
Pero nada predigo. Nuestra historia
Cambia como las formas de Proteo.
¿Qué errante laberinto, qué blancura
Ciega de resplandor será mi suerte,
Cuando me entregue el fin de esta aventura
La curiosa experiencia de la muerte?
Quiero beber su cristalino Olvido,
Ser para siempre; pero no haber sido.

Jorge Luis Borges





terça-feira, 11 de novembro de 2014

P'ro que havia de me dar. Soyez le bienvenu. Monsieur Brassens





Je veux dédier ce poème
A toutes les femmes qu'on aime
Pendant quelques instants secrets
A celles qu'on connait à peine
Qu'un destin différent entraîne
Et qu'on ne retrouve jamais

A celle qu'on voit apparaître
Une seconde à sa fenêtre
Et qui, preste, s'évanouit
Mais dont la svelte silhouette
Est si gracieuse et fluette
Qu'on en demeure épanoui

A la compagne de voyage
Dont les yeux, charmant paysage
Font paraître court le chemin
Qu'on est seul, peut-être, à comprendre
Et qu'on laisse pourtant descendre
Sans avoir effleuré sa main

A la fine et souple valseuse
Qui vous sembla triste et nerveuse
Par une nuit de carnaval
Qui voulu rester inconnue
Et qui n'est jamais revenue
Tournoyer dans un autre bal


A celles qui sont déjà prises
Et qui, vivant des heures grises
Près d'un être trop différent
Vous ont, inutile folie,
Laissé voir la mélancolie
D'un avenir désespérant

Chères images aperçues
Espérances d'un jour déçues
Vous serez dans l'oubli demain
Pour peu que le bonheur survienne
Il est rare qu'on se souvienne
Des épisodes du chemin

Mais si l'on a manqué sa vie
On songe avec un peu d'envie
A tous ces bonheurs entrevus
Aux baisers qu'on n'osa pas prendre
Aux coeurs qui doivent vous attendre
Aux yeux qu'on n'a jamais revus

Alors, aux soirs de lassitude
Tout en peuplant sa solitude
Des fantômes du souvenir
On pleure les lêvres absentes
De toutes ces belles passantes
Que l'on n'a pas su retenir

domingo, 9 de novembro de 2014

A Memória, segundo o grande Joost Swarte


"The Memory", 1993. Indian ink on paper. 40 x 42 cm

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Rua Miguel Bombarda, o Porto, a Arte Contemporânea e todos (sejam muitos e muito variados) restos





   Que o tempo ajude. Que a estética (a de tinta, de pendurar na parede ou não, a de «carne e osso» e a de olhar límpido) inunde o ar, encha a rua de sorrisos. Pensei que teria razões pessoais para não ir, afinal não tenho. Até por isso, este ano acolho o BOMBARDA de braços abertos e espírito passeante.

   Confesso (e prometo a mim próprio) mover terra e céu para sacar um cartaz para a parede da minha toca. Se não descobrir autorias, preparem-se os patrocinadores para as investidas deste chato, que, quando se lhe mete uma na tola, é o diabo de charmes e seduções, de investidas inoportunas, de insistências tais que, suspeito, no limite do desespero acaba por levar a melhor estes cravanços afectivos.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

César Vallejo. Pois... como não havia de ser? (...e façam o favor de serem felizes, ou contentes, se conseguirem)






HOY ME GUSTA LA VIDA MUCHO MENOS...


Hoy me gusta la vida mucho menos,
pero siempre me gusta vivir: ya lo decía.
Casi toqué la parte de mi todo y me contuve
con un tiro en la lengua detrás de mi palabra.
Hoy me palpo el mentón en retirada
y en estos momentáneos pantalones yo me digo:
¡Tanta vida y jamás!
¡Tantos años y siempre mis semanas!...
Mis padres enterrados con su piedra
y su triste estirón que no ha acabado;
de cuerpo entero hermanos, mis hermanos,
y, en fin, mi ser parado y en chaleco.
Me gusta la vida enormemente
pero, desde luego,
con mi muerte querida y mi café
y viendo los castaños frondosos de París
y diciendo:
Es un ojo éste, aquél; una frente ésta, aquélla... y repitiendo:
¡Tanta vida y jamás me falla la tonada!
¡Tantos años y siempre, siempre, siempre!
Dije chaleco, dije
todo, parte, ansia, dije casi, por no llorar.
Que es verdad que sufrí en aquel hospital que queda al lado
y está bien y está mal haber mirado
de abajo para arriba mi organismo.
Me gustará vivir siempre, así fuese de barriga,
porque, como iba diciendo y lo repito,
¡tanta vida y jamás! ¡Y tantos años,
y siempre, mucho siempre, siempre siempre!

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Pontes queimadas, impossíveis retiradas





    Uma semana fora, um andar mais perto do céu, feridas cicatrizadas. Um optimismo ofensivo (sei ou calculo). Não querer pensar... só sabe pensar quem sabe e quer chegar a alguém ou a algum lado. Eu, mais modestamente, queria mesmo era partir. Os desencontros, sempre os desencontros... o paradoxo que nos mantém na estrada. Estrada, não caminho. O Campos é que sabia de estradas de curvas, ou talvez fosse ao contrário. Vai dar ao mesmo. Ou não?

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Acabaram as férias e os velórios ( M - Ú - S - I -C A ! )








Jumping up and down the floor,
My head is an animal.
And once there was an animal,
It had a son that mowed the lawn.
The son was an ok guy,
They had a pet dragonfly.
The dragonfly it ran away,
But it came back with a story to say.

Her dirty paws and furry coat,
She ran down the forest slope.
The forest of talking trees,
They used to sing about the birds and the bees.
The bees had declared a war,
The sky wasn't big enough for them all.
The birds, they got help from below,
From dirty paws and the creatures of snow.

And for a while things were cold,
They were scared down in their holes.
The forest that once was green
Was colored black by those killing machines.
But she and her furry friends
Took down the queen bee and her men.
And that's how the story goes,
The story of the beast with those four dirty paws.

domingo, 19 de outubro de 2014

O olhar e o nada




     O pudor na linguagem facilitado por muitas madrugadas, por ainda mais «quases». Ainda não sabíamos (nem sequer sonhávamos) que o futuro é a matéria do sonho. Inocentes, antecipávamos despedidas... A verdade era obscenamente banal * : cada fronteira a prova (e o aviso que teimámos em não ouvir) de que o futuro nada tinha que ver com tempo, menos ainda com o mundo.
     Há sempre quem vá. Há sempre quem quer que o o outro fique. Disso se alimenta a morte; quando a silhueta miúda se afasta subindo uma calçada (e sabemos ida sem despedida), quando somos apanhados pelo passado e, imóveis (de pedra e frio), vemos o outro internar-se no nevoeiro, entre as árvores, pisando as folhas mortas.
     Tristeza? Só se adjectiva o que se sente (a verdade) por uma delicadeza comunicacional.
     A beleza deste domingo não me chega solar, amena, pacífica. Apanhou-me numa esquina sob a forma de dois sorrisos (horizontais, horizontais...)

     *  -  E eu, provável e crescentemente, anacrónico, sinto, a varrer ruas, a poluir discursos, a comandar comportamentos que o «banal» e o «obsceno» não só existem, como convivem.


sábado, 18 de outubro de 2014

Sexo e tempestades



   Ainda a lidar com o complexo (se completo) cerimonial a que a morte obriga os vivos, tenho andado a adiar os planos (pois é: já não sei quem põe e não me lembro de quem dispõe...). Tudo certo, solene, consumado.

   Anunciam-se imprevisibilidades sem as quais não se navegam oceanos perigosos (e estive quase, quase a escrever "fatais"), onde à superfície as correntes são uma espécie de aviso. Náufragos, ao faltar-lhes sepultura, incorporam-se logo, logo no universo.


Christophe Charbonnel, "Persée V", (bronze)

Javier Marín (assim me visita Medusa)



Pecar à linha



Claro que compensa.
Com pinça, sem pressa nem pudor.

Com o verniz do alibi, indiferente à dor.

Calemo-nos. Ou, calados, esperemos.


sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Merecidos esquecimentos (pergunta se o pecado compensa...)





To a cat
Mirrors are not more wrapt in silences
nor the arriving dawn more secretive;
you, in the moonlight, are that panther figure
which we can only spy at from a distance.
By the mysterious functioning of some
divine decree, we seek you out in vain;
remoter than the Ganges or the sunset,
yours is the solitude, yours is the secret.
Your back allows the tentative caress
my hand extends. And you have condescended
since that forever, now oblivion,
to take love from a flattering human hand.
You live in other time, lord of your realm —
a world as closed and separate as dream.
Jorge Luis Borges (translated by Alastair Reid, 1977)

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Finalmente... O circo chegou à cidade


   E assim, maravilhados e crédulos: Senhoras e Senhores, Criançada... o Elefante de Tróia


Lavoisier longe de casa




   Dizia com um ar desconsolado «Não gosto de mentir...». Ao que se seguia uma pausa (sempre, assim parecia, de duração cronometrada): «...sobretudo, detesto quem me faz mentir». Foi o ser humano mais solitário que conheci.


terça-feira, 14 de outubro de 2014

O Homem Novo



Gatti a découvert la Chine en 1955. Il en a rapporté des articles, un livre. Mais surtout le souvenir de deux rencontres. Mei Lan Fang, le prodigieux comédien de l’opéra de Pékin, dont il apprendra qu’un bâton peut devenir cheval, puis aussitôt rivière, qu’il suffit de soulever un pied pour faire exister un seuil (et ses mises en scène futures sauront mettre en œuvre la leçon). *  Il y rencontre aussi Mao Tsé-toung — un poète à qui il demandera ce qu’est « l’homme nouveau » et qui, pour toute réponse, lui tendra un carnet aux pages blanches, en disant : « Signez ! » Manière de dire que « l’homme nouveau » sera ce que chacun voudra bien faire de lui-même.

*  (...) Também conhece Mao Tse Tung - um poeta a quem perguntará o que é o «homem novo» e que como única e suficiente resposta, lhe estende um caderno em branco, dizendo-lhe: «Assine!» Forma de dizer que o «Homem Novo» será o que cada um fizer de si próprio.