quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

2009 à americana

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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

José - Carlos Drummond de Andrade (...mas eu leio "João" - jm)

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Manuel Bandeira 2

O último poema

Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Manuel Bandeira

Arte de amar


Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.


Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.


Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

"Paulicéia Desvairada" - o início do modernismo brasileiro

Ode ao burguês


Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o èxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"–Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
–Um colar... –Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burgês!...
 
De Paulicéia desvairada (1922)

Gatos


«Si je préfère les chats aux chiens, c’est parce qu’il n’y a pas de chat policier.» 
Jean Cocteau, 
©Hervè Gloaguen/RAPHO

Claude Lévi-Strauss, le penseur du siècle

Lorsqu’un tel arbre tombe, on se soucie peu de la broussaille qui pousse. Claude Lévi- Strauss était notre dernier grand penseur. Parce qu’il a révolutionné les sciences sociales mais, plus encore, parce qu’il a su nous offrir un autre regard sur les êtres et sur les choses en purgeant notre sens commun des catégories vieillies, en soulignant, notamment, combien les mécanismes de la raison sont aussi complexes dans la «pensée sauvage» que dans le laboratoire des savants et qu’il n’y a pas un homme cultivé et un homme naturel, un homme civilisé et un homme primitif. Tout simplement, parce qu’on ne voit plus le monde de la même manière avant et après Lévi-Strauss.

Le jeudi 27 juin 1974, Roger Caillois répondit au discours de Claude Lévi-Strauss, nouvel académicien, par une longue phrase malicieuse: «Monsieur, lorsque vous remontiez les fleuves impassibles pour vous interner dans la moiteur de ces tropiques dont vous avez dit la tristesse, vous ne vous attendiez pas, du moins je le présume, à siéger un jour parmi nous en ce costume non moins chargé d’ornements que de peintures et de tatouages les corps des Indiens que vous vous appliquiez à connaître et de qui vous avez eu l’humilité de déclarer recevoir des leçons – l’humilité ou peut-être la secrète satisfaction d’en donner une, par ce biais, à vos auditeurs.»

Jamais une méditation sur le savoir n’avait été servie par une écriture aussi limpide et aussi sensible. La distance qu’il mettait entre l’objet de ses études et lui-même lui fut souvent reprochée. Distant ? Non. Lévi-Strauss était un penseur qui avait l’orgueil modeste, notion que j’emprunte à Antonio Machado.

Que nous dit aussi Lévi-Strauss ? Il nous murmure à l’oreille ceci: si la pensée actuelle nourrit l’impression d’irréalité, si elle est impuissante à nous aider à comprendre les difficultés quand elles surgissent brusquement, c’est parce qu’elle a perdu de vue la différence qui existe entre les remous convulsifs d’une surface houleuse et le courant puissant, jamais interrompu, d’une vie chatoyante qui ne cesse de rouler en profondeur. Toute doctrine séparée de ce que nous faisons, de ce que nous voyons, de ce que nous étudions, menace d’être menteuse. Lévi-Strauss, auquel Le Magazine Littéraire avait consacré son dossier de mai 2008, que nous reprenons en partie dans ce numéro hommage, aimait citer un grand précurseur, le président de Brosses, haï de Voltaire, qui mettait en pratique en permanence cette maxime : « C’est dans l’homme même qu’il faut étudier l’homme : il ne s’agit pas d’imaginer ce qu’il aurait pu ou dû faire, mais de regarder ce qu’il fait. »

Tout homme moderne souffre d’un trop-plein de doctrines. Nous vivons dans un monde qui se gave de systèmes, d’idées, de théories, mais les symptômes de l’indigestion deviennent, de jour en jour, plus nets, plus visibles. Lévi-Strauss à peine disparu, des critiques ont surgi. Quoi ? Il aurait refusé de participer aux vains combats qui ont irrigué notre siècle ? Quelle outrecuidance ! Or c’est justement là que Lévi-Strauss donne toute sa mesure. Dans le refus des assignations à résidence. Sa temporalité était autre. Il n’a pas considéré ses contemporains comme des obstacles à vaincre. Il ne s’est pas agité dans des micro-querelles germanopratines. Il ne s’est pas servi d’autrui comme d’une perche pour sauter plus haut. « Il faut se prêter à autrui et ne se donner qu’à soi-même », nous dit Montaigne. Si grande que soit notre lampe, ne donnons jamais l’huile qui l’alimente mais la flamme qui le couronne.

Joseph Macé-Scaron, in Magazine Littéraire

Nelson Rodrigues - Fome de Beijos (A Vida Como Ela É)

Balthus: The Man Behind the Curtain




Balthus made his name with a painting that was seen by virtually no one. Offered his first solo show by the Galerie Pierre in 1934, he chose to exhibit six pictures, four of which were extraordinarily sexual even by Parisian standards. Yet the most discussed canvas was hidden in the back room, behind a curtain.

At the time, Balthus was just 26 years old, self-taught and impoverished. His painting style would evolve considerably over the remaining five and a half decades before his death in 2001, and his fortune would soar along with his reputation. Major museums would acquire his pictures of prepubescent girls in various stages of undress, often accompanied by leering cats, and he would be honored with lifetime retrospectives at the Centre Pompidou and the Metropolitan Museum of Art. Over that period, he would come to be considered as beguilingly mysterious as that early shrouded canvas, a man cloaked in rumor on account of his vaunted secrecy. "Balthus is a painter about whom nothing is known," he famously telegraphed the curator of his 1968 Tate retrospective. Caginess was his modus operandi.

In truth, Balthus—born Balthazar Klossowski—was a painter about whom plenty was known. He was known, for instance, to be a Polish count, a relative of Lord Byron, the illegitimate son of Rainer Maria Rilke and a Romanov. He was born in 1907, 1908 and 1911. That is to say, most of the information gleaned from interviews with the conspicuously elusive artist and reported in the press was patently false. His biographical confabulation has been the subject of nearly as much writing as his actual life, and his petty fraud has been attributed to playfulness by some, psychosis by others. Probably it was a mix. What is far more significant, though, is how this evasive character has, like the curtain covering the painting in the back room of the Galerie Pierre, contributed as much as any pigment to the profound impact of his art.

Balthus’ most improbable claim was that he had no sexual interest in his prepubescent female subjects. He repeatedly said he could not fathom why anyone would consider his imagery erotic. Questioned about paintings such as Girl With a Cat (1937) and Therese Dreaming (1938)—each showing a child with her skirt hiked up—Balthus habitually responded by claiming that was how little girls naturally sat, and accusing his audience of perversity: "The problem is the viewer’s longings and interests, not mine." Even more incredibly, he expressed shock at spectators’ response to The Room (1952–54), a spectacularly strange painting of a young girl sprawled out on a settee, legs spread, head thrown back, naked except for her shoes and socks, flesh illuminated by the daylight cast through a window dramatically undraped by a glowering dwarf. Interrogated by his biographer, Nicholas Fox Weber, Balthus dismissed speculation that the girl was "dead or unconscious, victimized or sexually satiated," asserting that she was "just a nude" and that if the painting expressed anything, it was a general awakening.

Responses to Balthus’ position have, predictably, ranged from outrage to resignation, yet all have ignored the purpose his protestations served. The artist was as calculating with his own image as with the imagery on his canvases. To understand his apparent disingenuousness, we must consider why he chose to paint children in the first place. He gave many reasons, including the fact that little girls dress interestingly, but the most revealing explanation is one reported by the art historian Gilles Neret. "The future is incarnate in adolescence," Balthus said. "The body of a woman is already complete. The mystery has disappeared." This seems consistent with his painted depictions, in which the figures seem to exist in the sexual equivalent of a quantum superposition, subject to complex urges still unfathomable to them. They offer themselves to the adult viewer without understanding quite what they’re giving because it can be apprehended only retrospectively: Purity is never manifest until it has been lost. By capturing this transitional moment, Balthus comes closer than any other artist to invoking tenuous innocence, and his fervent denial of the girls’ eroticism in spite of their blatant sexuality makes us look at them in a state of uncertainty equivalent to their own. Mystified, we enter into their mystery.

This helps explain why he often referred to these girls as angels or icons and claimed to be a religious painter. "A painting is the same thing as a prayer," he wrote in his posthumously published memoirs, "an innocence that is finally grasped, a moment torn from the disaster of passing time." The religion he claimed was Catholicism, though his mother was Jewish, and he had more mistresses than a Renaissance pope. And while his pictures often did have origins in traditional Christian iconography and were painted using techniques that would have been familiar to the Old Masters, they bore little resemblance to anything one might encounter in a church. In this essentially secular faith, the mystery of mysteries is encountered in the maturing body.

Perhaps the most extreme example was the painting behind the curtain at the Galerie Pierre, called The Guitar Lesson (1934). As many art historians have pointed out, the design almost exactly mimics the "Villeneuves-les-Avignons Pietà" (circa 1470) in the Louvre, where the young Balthus taught himself to paint by copying the work of Poussin and Piero della Francesca. But in place of the sacrificed Christ is a prepubescent girl, dress pulled up, back arched over the knee of a grown woman who pulls her hair with one hand while the other hand strums her sex as if it were a stringed instrument.

This early masterpiece’s themes of innocence and sacrifice are inevitably religious; however, the religion is not Catholicism any more than Balthus’ mother was a countess. Balthus’ religion, like his biography, was his own invention, pieced together from the world around him. What could be more Catholic than a curtain to separate the mysterium tremendum from the unworthy? What could be more pornographic?

And at some level, Balthus probably believed his own fiction. His elusive mutability provided him with a means of saving himself from the disaster of passing time. "The best way not to fall into second childhood is never to leave childhood to begin with," he wrote in his memoirs. There’s a good reason why Balthus could empathize with the adolescents in his paintings. For his entire life, he remained one himself.

By: Jonathon Keats
09/01/2008

O Pintor Inclassificável (...e auto-proclamado "Rei dos Gatos")


Balthus, autoproclamé «Roi des chats», s’est laissé attraper comme une souris par le félin (Cartier-Bresson © H. Cartier-Bresson)

FODA-SE (Millor Fernandes)

O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de FODA-SE que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito de FODA-SE!?  O “foda-se” aumenta minha auto-estima e me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas, me liberta. Não quer sair comigo? Então FODA-SE!  Vai querer decidir esta merda sozinho mesmo? Então FODA-SE! O direito ao FODA-SE deveria estar assegurado na Constituição Federal.

Os palavrões não nascem por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua línguaComo o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

PRA CARALHO” por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de quantidade do quePRA CARALHO”?, tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o Universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende? No gênero do “Pra Caralho", mas no caso, expressando a mais absoluta negação, esta o famosoNEM FODENDO”.

O “Não, nãonão!” e tampouco o nada eficaz e sem nenhuma credibilidadeNão, absolutamente não!” substituem o “NEM FODENDO” é  irretorquível, e liquida o assunto. Te liberta, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro para ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo o definitivo  “Filhinho, presta atenção,  “NEM FODENDO' .

O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.

Por sua vez, o “PORRA NENHUMA” atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possam viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um “É PHD  PORRA NENHUMA”, ou ele redigiu aquele relatório sozinho PORRA NENHUMA!. O “PORRA NENHUMA” como vocês podem ver nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os clássicos “Aspone, Chepone, Repone”, e mais recentemente o “Prepone”, presidente de PORRA NENHUMA.

outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um “PUTA-QUE-PARIU”, falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba... Diante de uma  notícia irritante qualquer um “PUTA-QUE-O-PARIU!”, dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso “VAI TOMAR NO CU!”? E sua maravilhosa e reforçada derivação “VAI TOMAR NO OLHO DO SEU CU” ? Você imaginou o bem  que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta : Chega ! “VAI TOMAR NO OLHO DO SEU CU”.  Pronto, você retomou as rédeas de sua vida e sua auto-estima. Desabotoe a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios. Arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando-o parar: O que você fala?
FODEU DE VEZ!

Liberdade, igualdade, fraternidade e  FODA-SE.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Malditas Festas

   Porra, até isto acabar !
   Festas muito particulares (como de costume): juntam-se os fantasmas e os medos, fica a memória exposta aos elementos e não dá para disfarçar as fragilidades. Até o quotidiano parece que se organiza neste sentido: abre-se uma gaveta e deparamo-nos com uma carta, uma fotografia, uma bofetada... Neste campo (nesta guerra) não há trincheira, nem buraco ou camuflagem; sei-o sempre, mas nem por isso deixo de me surpreender. E é isto a minha estação dos milagres...!
   Vou pôr "Personal Jesus" - não a versão original dos Depeche Mode, mas a do Johnny Cash (infinitamente melhor), e já agora com o video do Marilyn Manson - e esperar, uma vez mais, pelo «forgiver».
   Vou atravessar a ponte e, do lado de lá do rio rir-me, rir-me até gostar de mim.
   Vou apanhar um porre militante.
   E , depois, hei-de estar de volta, resistente "comme d'habitude".

Uma Terça-Feira com os meus Mortos

Ausências (But I Know We'll Meet Again Some Sunny Day)

Escrita vs Autor - o nascimento do leitor tem de pagar-se com a morte do Autor (para AT)

A MORTE DO AUTOR
Roland Barthes

Na sua novela Sarrasine, Balzac, falando de um castrado disfarçado de mulher, escreve esta frase: «Era a mulher, com os seus medos súbitos, os seus caprichos sem razão, as suas perturbações instintivas, as suas audácias sem causa, as sua bravatas e a sua deliciosa delicadeza de sentimentos. - Quem fala assim? Será o herói da novela, interessado em ignorar o castrado que se esconde sob a mulher? Será o individuo Balzac, provido pela sua experiência pessoal de uma filosofia da mulher? Será o autor Balzac, professando idéias «literárias» sobre a feminilidade? Será a sabedoria universal? A psicologia romântica? Será para sempre impossível sabê-lo, pela boa razão de que a escrita é destruição de toda a voz, de toda a origem. A escrita é esse neutro, esse compósito, esse obliquo para onde foge o nosso sujeito, o preto-e-branco aonde vem perder-se toda a identidade, a começar precisamente pela do corpo que escreve.
*
Sem dúvida que foi sempre assim: desde o momento em que um fato é contado, para fins intransitivos, e não para agir diretamente sobre o real, quer dizer, finalmente fora de qualquer função que não seja o próprio exercício do símbolo, produz-se este desfasamento, a voz perde a sua origem, o autor entra na sua própria morte, a escrita começa. Todavia, o sentimento deste fenômeno tem sido variável; nas sociedades etnográficas não há nunca uma pessoa encarregada da narrativa, mas um mediador, châmane ou recitador, de que podemos em rigor admirar a prestação» (quer dizer, o domínio do código narrativo), mas nunca o «gênio». O autor é uma personagem moderna, produzida sem dúvida pela nossa sociedade, na medida em que, ao terminar a idade Média, com o empirismo inglês, o racionalismo francês e a fé pessoal da Reforma, ela descobriu o prestigio pessoal do indivíduo, ou como se diz mais nobremente, da «pessoa humana». É pois lógico que, em matéria de literatura, tenha sido o positivismo, resumo e desfecho da ideologia capitalista, a conceder a maior importância á «pessoa» do autor. O autor reina ainda nos manuais de história literária, nas biografias de escritores, nas entrevistas das revistas, e na própria consciência dos literatos, preocupados em juntar, graças ao seu diário intimo, a sua pessoa e a sua obra; a imagem da literatura que podemos encontrar na cultura corrente é tiranicamente centrada no autor, na sua pessoa, na sua história, nos seus gostos, nas suas paixões; a crítica consiste ainda, a maior parte das vezes, em dizer que a obra de Baudelaire é o falhanço do homem Baudelaire, que a de Van Gogh é a sua loucura, a de Tchaikowski o seu vício: a explicação da obra é sempre procurada do lado de quem a produziu, como se, através da alegoria mais ou menos transparente da ficção, fosse sempre afinal a voz de uma só e mesma pessoa, o autor, que nos entregasse a sua «confidencia».
*
Apesar de o império do Autor ser ainda muito poderoso (a nova crítica não fez muitas vezes senão consolidá-lo), é evidente que certos escritores já há muito tempo que tentaram abalá-lo. Em França, Mallarmé, sem dúvida o primeiro, viu e previu em toda a sua amplitude a necessidade de pôr a própria. linguagem no lugar daquele. que até então se supunha ser o seu proprietário; para ele, como para nós,. é a linguagem que fala, não é o autor; escrever é, através de uma impessoalidade prévia - impossível .de alguma vez ser confundida com a objetividade castradora do romancista realista -, atingir aquele ponto em que só a linguagem atua, «performa»,. e não «eu»: toda a poética de Mallarmé consiste em suprimir .0 autor em proveito da escrita (o que é, como veremos, restituir o seu lugar ao leitor). Valéry, muito envolvido numa psicologia do Eu, edulcorou muito a teoria mallarmeana, mas, reportando-se por gosto do classicismo às lições da retórica, não cessou de pôr em dúvida e em irrisão o Autor, acentuou a natureza lingüística e como que «arriscada» da sua atividade, e reivindicou sempre, ao longo dos seus livres em prosa, em favor da condição essencialmente verbal da literatura, perante a qual qualquer recurso à interioridade do escritor lhe parecia pura superstição. O próprio Proust, a despeito do caráter aparentemente psicológico daquilo a que chamam as suas análises, atribuiu-se visivelmente a tarefa de confundir inexoravelmente, por uma subtilização extrema, a relação entre o escritor e as suas personagens: ao fazer do narrador, não aquele que viu ou sentiu, nem sequer aquele que escreve, mas aquele que vai escrever (o jovem do romance - mas, afinal, que idade tem ele, e quem é ele? quer escrever, mas não pode, e o romance termina quando finalmente a escrita se torna possível), Proust deu à escrita moderna a sua epopéia: por uma inversão radical, em lugar de pôr a sua vida no seu romance, como se diz freqüentemente, fez da sua própria vida uma obra, da qual o seu livro foi como que o modelo, de modo que nos fosse bem evidente que não é Charlus que emita Montesquiou, mas que Montesquiou, na sua realidade anedótica, histórica, não é senão um fragmento secundário, derivado, de Charlus. O Surrealismo enfim, para ficarmos por esta pré-história da modernidade, não podia atribuir à linguagem um lugar soberano, na medida em que a linguagem é sistema, uma subversão direta dos códigos aliás ilusória, porque um código não se pode destruir, apenas podemos «jogá-lo» -; mas, ao recomendar sem cessar a ilusão brusca dos sentidos esperados (era o famoso «safanão» surrealista), ao confiar à mão a preocupação de escrever tão depressa quanto possível o que a própria cabeça ignora (era a escrita automática), ao aceitar o principio e a experiência de uma escrita a vários, o Surrealismo contribuiu para dessacralizar a imagem do Autor. Enfim, de fora da própria literatura (a bem dizer, estas distinções tornam-se obsoletas), a lingüística acaba de fornecer à destruição do Autor um instrumento analítico precioso, ao mostrar' que a enunciação é inteiramente um processo vazio que funciona na perfeição sem precisar de ser preenchido pela pessoa dos' 'interlocutores'; linguisticamente," o autor nunca é nada mais para além daquele que escreve,' tal' como eu não é senão aquele que diz eu: a linguagem conhece um «sujeito», não uma «pessoa», e esse sujeito, vazio fora da própria enunciação que o define, basta para fazer «suportar» a linguagem, quer dizer, para a esgotar.
*
O afastamento do Autor (com Brecht, poderíamos falar aqui de um verdadeiro «distanciamento»,' diminuindo o Autor como uma figurinha lá ao fundo da cena literária) não é apenas um fato histórico ou um ato de escrita: ele transforma de ponta a ponta o texto moderno (ou o que é a mesma coisa - o texto é a partir de agora feito e lido de tal sorte que nele, a todos os seus níveis, o autor se ausenta). O tempo, em primeiro lugar, já não é o mesmo. O Autor, quando se acredita nele, é sempre concebido como o passado do seu próprio livro: o livro e o autor colocam-se a si próprios numa mesma linha, distribuída como um antes e um depois: supõe-se que o Autor alimenta o livro, quer dizer que existe antes dele, pensa, sofre, vive com ele; tem com ele a mesma relação de antecedência que um pai mantém com o seu filho. Exatamente ao contrário, o scriptor moderno nasce ao mesmo tempo que o seu texto; não está de modo algum provido de um ser que precederia ou excederia a sua escrita, não é de modo algum o sujeito de que o seu livro seria o predicado; não existe outro tempo para além do da enunciação, e todo o texto é escrito eternamente aqui e agora. É que (ou segue-se que) escrever já não pode designar uma operação de registro, de verificação, de «pintura» (como diziam os Clássicos), mas sim aquilo a que os lingüistas, na, seqüência da filosofia oxfordiana, chamam um performativo, forma verbal rara (exclusivamente dada na primeira pessoa e no presente), na qual a enunciação não tem outro conteúdo (outro enunciado) para além do ato pelo qual é proferida: algo como o Eu declaro dos reis ou o Eu canto dos poetas muito antigos; o scriptor moderno, tendo enterrado o Autor, já não pode portanto acreditar, segundo a visão patética dos seus predecessores, que a sua mão é demasiado lenta para o seu pensamento ou a sua paixão, e que em conseqüência, fazendo uma lei da necessidade, deve acentuar esse atraso e «trabalhar» indefinidamente a sua forma; para ele, ao contrário, a sua mão, desligada de toda a voz, levada por um puro gesto de inscrição (e não de expressão), traça um campo sem origem - ou que, pelo menos, não tem outra origem para lá da própria linguagem, isto é, exatamente aquilo que repõe incessantemente em causa toda a origem.
*
Sabemos agora que um texto não é feito de uma linha de palavras, libertando um sentido único, de certo modo teológico (que seria a «mensagem» do Autor-Deus), mas um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escritas variadas, nenhuma das quais é original: o texto é um tecido de citações, saldas dos mil focos da cultura. Parecido com Bouvard e Pécuchet, esses eternos copistas, ao mesmo tempo sublimes e cômicos, e cujo profundo ridículo designa precisamente a verdade da escrita, o escritor não pode deixar de imitar um gesto sempre anterior, nunca original; o seu único poder é o de misturar as escritas, de as contrariar umas às outras, de modo a nunca se apoiar numa delas; se quisesse exprimir-se, pelo menos deveria saber que a «coisa» interior que tem a pretensão de «traduzir» não passa de um dicionário totalmente composto, cujas palavras só podem explicar-se através de outras palavras, e isso indefinidamente: aventura que adveio exemplarmente ao jovem Thomas de Quincey, tio bom em grego que, para traduzir para esta língua morta idéias e imagens absolutamente modernas, diz-nos Baudelaire, «tinha criado para si um dicionário sempre pronto, muito mais complexo e extenso do que aquele que resulta da vulgar paciência dos temas puramente literários» (Os Paraísos Artificiais); sucedendo ao Autor, o scriptor não tem já em si paixões, humores, sentimentos, impressões, mas sim esse imenso dicionário onde vai buscar uma escrita que não pode conhecer nenhuma paragem: a vida nunca faz mais do que imitar o livro, e esse livro não é ele próprio senão um tecido de signos, imitação perdida, infinitamente recuada.
*
Uma vez o autor afastado, a pretensão de «decifrar» um texto torna-se totalmente inútil. Dar um Autor a um texto é impor a esse texto um mecanismo de segurança, é dotá-lo de um significado último, é fechar a escrita. Esta concepção convém perfeitamente à critica, que pretende então atribuir-se a tarefa importante de descobrir o Autor (ou as suas hipóstases: a sociedade, a história, a psique, a liberdade) sob a obra: encontrado o Autor, o texto é «explicado», o critico venceu; não há pois nada de espantoso no fato de, historicamente, o reino do Autor ter sido também o do Critico, nem no de a critica (ainda que nova) ser hoje abalada ao mesmo tempo que o Autor. Na escrita moderna, com efeito, tudo está por deslindar, mas nada está por decifrar; a estrutura pode ser seguida, «apanhada» (como se diz de uma malha de meia que cai) em todas as suas fases e em todos os seus níveis, mas não há fundo; o espaço da escrita percorre-se, não se perfura; a escrita faz incessantemente sentido, mas é sempre para o evaporar; procede a uma isenção sistemática do sentido, por isso mesmo, a literatura (mais valia dizer, a partir de agora, a escrita), ao recusar consignar ao texto (e ao mundo como texto) um «segredo», quer dizer, um sentido último, liberta uma atividade a que poderíamos chamar contra - ideológica, propriamente revolucionária, pois recusar parar o sentido é afinal recusar Deus e as suas hipóstases, a razão, a ciência, a lei.
*
Regressemos à frase de Balzac. Ninguém (isto é, nenhuma «pessoa») a disse: a sua origem, a sua voz não é o verdadeiro lugar da escrita, é a leitura. Um exemplo, bastante preciso, pode fazê-lo a compreender: investigações recentes (J.-P.Vernant) trouxeram à luz a natureza constitutivamente ambígua da tragédia grega; o texto é nela tecido com palavras de duplo sentido, que cada personagem compreende unilateralmente (este perpétuo mal-entendido é precisamente o «trágico»); há contudo alguém que entende cada palavra na sua duplicidade, e entende, além disso, se assim podemos dizer, a própria surdez das personagens que falam diante dele: esse alguém é precisamente o leitor (ou, aqui, o ouvinte). Assim se revela o ser total da escrita: um texto é feito de escritas múltiplas, saídas de várias culturas e que entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação; mas há um lugar em que essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, como se tem dito até aqui, é o leitor: o leitor é o espaço exato em que se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que uma escrita é feita; a unidade de um texto não está na sua origem, mas no seu destino, mas este destino já não pode ser pessoal: o leitor é um homem sem história, sem biografia, sem psicologia; é apenas esse alguém que tem reunidos num mesmo campo todos os traços que constituem o escrito. É por isso que é irrisório ouvir condenar a nova escrita em nome de um humanismo que se faz hipocritamente passar por campeio dos direitos do leitor. O leitor, a critica clássica nunca dele se ocupou; 'para ela, não há na literatura qualquer outro homem para além daquele que escreve. Começamos hoje a deixar de nos iludir com essa espécie de antifrases pelas quais a boa sociedade recrimina soberbamente em favor daquilo que precisamente põe de parte, ignora, sufoca ou destrói; sabemos que, para devolver à escrita o seu devir, é preciso inverter o seu mito: o nascimento do leitor tem de pagar-se com a morte do Autor.
1968,
• "A Morte do Autor" está publicado em Português na coletânea de textos de Roland Barthes intitulada O Rumor da Língua, Lisboa, Edições 70, 1987.
• O original é Le Bruisement de la Langue, Paris, E. Seuil, 1984.
• Em inglês o texto pode ser encontrado em: Roland Barthes. "The Death of the Author." Image, Music, Text. Ed. and trans. Stephen Heath. New York: Hill, 1977.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Nelson Rodrigues (para quando edições por cá?)




Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico.

Para AT (uma amizade com tanto de inesperado como de especial)

meus amigos
quando me dão a mão
sempre deixam
outra coisa

presença
olhar
lembrançacalor

meus amigos
quando me dão
deixam na minha
a sua mão

     Paulo Leminski ( in "Não Fosse Isso e Era Menos, Não Fosse Tanto e Era Quase")

Fica Prometido

quando eu tiver setenta anos então
vai acabar esta adolescência

vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência

vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito

vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades

de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito

então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência

      Paulo Leminski  (in "Caprichos e Relaxos")

...

das coisas
que eu fiz a metro
todos saberão
quantos quilómetros
são

aquelas
em centímetros
sentimentos mínimos
ímpetos infinitos
não?

sábado, 19 de dezembro de 2009

Chére Monsieur, j'attend votre visite

Democracia Onírica


Sonhem sempre. Precisamos da beleza única dos sonhos para iluminar o nossos dias!

Pêssegos na Esquadra

Me Neither

Assim seja, Poeta

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
  Muda-se o ser, muda-se a confiança;
  Todo o mundo é composto de mudança.
  Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidade,
  Diferentes em tudo da esperança;
  Do mal ficam as mágoas na lembrança,
  E do bem, se algum ouve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto.
  Que já coberto foi de neve fria,
  E em mim converte em choro e doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
  Outra mudança faz de mor espanto,
  Que não se muda já como soía.

     Camões (in "Sonetos")

Zombarias muito sérias

A chaga que, Senhora, me fizeste,
  Não foi para curar-se em um só dia;
  Porque crescendo vai, com tal porfia,
  Que bem descobre o intento que tivestes.

De causar tanta dor não vos doestes?
  Mas a doer-vos, dor me não seria,
  Pois já com esperança me veria
  Do que vós, que em mim visse, não quisestes.

Os olhos com que todo me roubastes
  Foram causa do mal que vou passando;
  E vós estais fingindo que o não causastes.

Mas eu me vingarei. E sabeis quando?
  Quando vos vir queixar porque deixastes
  Ir-se a minha alma neles abrasando.

     Camões (in "Sonetos")

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Desabafos

   Estou plantado aqui, com o olhar no Sul, com o coração no Norte... Estou sem estar, por não querer estar. Nem aqui, nem em mim. Tudo me parece rasteiro, pequeno, sem ar. Não consigo abrir uma janela, nem encontrar uma porta. Será que um viajante é um ser em fuga? Nestes momentos de prostração inquieta, fazem-me falta a estrada, o vento, os encontros.



   Pedra entalada entre pedras arrumadas. Estamos todos muito calados!

sábado, 12 de dezembro de 2009

C(ansei)S(er)S(exy) - Alcohol



Roberto Matta


quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Gatunês