quinta-feira, 13 de novembro de 2014

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   Breve, breve, até porque se há momentos na vida em que o desperdício, ou a generosidade com que entregamos (o) tempo à morte é mais do que um direito, é (quase) um imperativo. Bem sei que, desde o século XVIII (e, por cá nunca) o conceito de "homem de qualidade" (mulher incluida, na história breve em que cabe a minha, brevíssima) passou de moda. Hoje, além de esquecido, mais do que desconhecido, é completamente imcompreendido e incompreensível. Sinal dos tempos, da decadência e da corrupção da carne, evidência do nosso desamparo.

  Bibliotecas de fingir, comida rápida em templo, não de jejum mas de repulsa, o coração de plástico, no jardim de plástico, na casa de plástico e eis-nos a um passo de uma vida de fingir e de fugir. Construir ficções com tinta, leva ao desaparecimento lento nos corpos de corações pulsantes, de sangue e  dor, mas, também e sobretudo, do riso e do amor. Pior, só a banalização alarve, o caricaturar das delicadas prácticas de pensar, sentir e dizer exercidos como quem devora, não por necessidade ou fome-fome mesmo, mas por uma espécie de apetite, voraz e canibal, herdado e já incorporado. Como evitar a repugnância 6perante a imagem das fuças debruçadas sobre a malga, o olhar guloso e feroz, a mandíbula forte e o dente afiado a precederem o proverbial arroto (quando não mesmo o vómito descomposto e fétido) dessas almas delicadas e sensíveis?

   Valha-nos a ironia do Velho, ou do que de divino sobrevive em nós que, frágeis sim, ridículos talvez, nos permite, ainda, erguer os olhos para um céu azul- azul, onde os pássaros nadam livres e livres nos possuem indiferentes ao pouco uso que damos ao que de precioso e raro por vezes nos habita ou convida ao abandono e à paz nessa imensa pátria onde a fraternidade é amiga e aliada sem que isso implique a necessidade de vestir a farda e sermos o que dizemos terem-nos mandado "ser". Talvez ainda possamos estender a mão e alcançar aquele ou aquela que regressa, ou sempre ali esteve e o maravilhamento dessa irónica (re)descoberta nos faça ignorar homens e mulherzinhas. Dizem os galegos: «há homens, homenzinhos, macacos e macaquinhos».

   E ponto e pronto. Há vergonha e pena, que pena!