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segunda-feira, 11 de maio de 2015

Fantasmas empoeirados


 Pó, poeira, matéria em suspensão, apesar do seu considerável peso. Como em qualquer história tantas vezes contada, nomeia-se o todo, porque, não sendo tolo, deixa de haver espaço para individualismos, para personalidades, para identidades. Cada um no seu lugar, cada qual no seu papel, todos com as suas razões. Com estatutos diferentes, com credibilidades, e até, se calhar, com interesses próprios.

 Que fique só registado ser a poeira um conjunto indistinto de grãos. Desses, e só desses poderia, se para tal tivesse voz e audiência, falar. De pequenos, minúsculos, grãos feitos de medos e privações, de sacrifícios e solidões. Evocá-los agora é apostar num efeito nulo, insistir num infeliz acerto de razões.

 Como qualquer escrita (discursiva) tem, por trás, uma infinidade de véus, nenhum deles completamente transparente e todos eles implicando, mesmo contra a sua vontade, uma tentativa de justificação. Por não habitar em mim algo, ainda que remotamente aparentado à esperança, alinho caractéres musicais: nem tão vítima, nem só carrasco.

sábado, 2 de maio de 2015

Dois de Maio do tal dois mil e quinze









































Um propósito uma intenção seca - algo que talvez não devesse aqui estar



E ainda ou mesmo assim. Urgência, imposição, algo em que não quero gastar palavras nem respirações. Ah, e sobretudo explicações que a ninguém devo!

Sem mistérios nem empenhos. Talvez
uma espécie de vingança futura. No perdão nem tudo cabe
para mais quando lhe retiramos o esquecimento.
Há-de ser comestível, selvagem, sacana e cego.
Seu combustível (pelo que passou já) indizível
em palavras de gente, o que ainda se descobre
nessa pilha de silêncios urdidos, de roubos leves
de fatalidades. Enfim, de tudo aquilo que nos faz passar por família
a caber numa sala, num pedaço de terra e só não numa língua
porque, de infâmia em infâmia, perdemos o direito
aos seus consolos e ao possível perdão que só ela nos poderia dar.

Somos fracos demais para suportar a dor, para carregar a culpa.
Tanto, que por mim, morreu já a esperança ou crença de ainda podermos ser
fruto ou pedra, com um pouco de calor um animal até.

Certezas assim, que como uma onda bruta e fria, não esgota
a força do embate nesse choque e sobra-se em gotas invisíveis
e em espumas flutuantes. Sem protestos ergue-se nos ares e aproveita
ventos, sopros e arrepios para anunciar a sua milenar memória.


terça-feira, 17 de março de 2015

O Mito e a Identidade (1961)




Etienne Decroux présente: L'usine, 1961
Collectie Theater Instituut Nederland



   Porque é que «isto» me parece tão familiar? E premonitório do que encontrarei, ou de como me encontrarei, «lá fora». O mais perto que consigo aproximar-me de uma resposta é a intuição de ser destino ou natureza do exilado e, sobretudo, do expatriado, deixar-se incorporar de estranheza e a obrigar-se a uma destruição purificadora de modo a preservar ou criar uma identidade. Contrariamente ao que tantas vezes pensamos ou gostamos de dizer (do que sentimos, nada sei) há uma espécie de consolação no facto de existirem infinitamente mais interrogações do que respostas.

domingo, 8 de março de 2015

Fosseis fósseis






O cigarro, o café, o sol a lembrar-me o que (ainda) vale a pena. Tenho pena (e que disso não passe), que as minhas inclinações, afectos, tempo e pena vão sendo absorvidos por objectos, bichos e outras presenças cada vez mais assumidamente não humanas, como se a minha pertença fosse outra como outra a família escolhida e eu satisfeito com isso.

Em suma hálitos e sons, tornaram-se sem conta, menos ainda intenção, ramos autónomos promovidos a tronco. Árvores, florestas, coisas (não fora a recentíssima confirmação científica de uma certeza, minha e antiquíssima (de sempre, na verdade) seiva e sangue que, agora quase me fazem voltar a acreditar), um imobilismo sussurrado, uma respiração salvadora.

Seja como fôr, continuo a amar-vos e a querer ver-vos mortos ou calados. Fósseis e vá não te queixes... é certo que os dias, o que com eles fizemos, como os ultrapassamos, os nossos trabalhos de Hérculos de trazer por casa, são contas de cama, intimidades burguesas, cujo único vestígio de grandeza está confinado a constar num inquérito de curiosidades cujo exercício de resposta nos obrigará a encarar o espelho, a resignadamente nos desinteressarmos de nós e internarmo-mos ou mergulharmo-nos na floresta, se preciso fôr para desaparecrmos. A palavra, essa, ficará por vossa conta.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Suplicantes, mas enternecedores. Desesperados. Aqueles a quem o vazio habita.



     Não me esqueças



     ... mas combate a memória que nos matou.


     Valeríamos com certeza, isso ... talvez mais talvez menos, em todo o caso, diferente. Cuidemos pois desse património como não cuidámos de nós. Que esse cuidar assente em quimeras ao ser sonhado mas também nos rigores da ciência acumulada e transmitida ao longo de gerações. Nesse filial sentimento, todo ele (e logo ele, como se tudo isto - medos e angústias com que acordamos e nos negasse o sono honesto, fruto do cansaço,  tão apenas isso) apenas uma brincadeira forçada, a justificar  «futuro». Porque não basta ser dono e senhor dum passado, duma vida infinita e inventada (como mais e menos toda a memória é), impõe-nos  a normalidade, possuirmos ânsia de futuro, expectante ambição. Sem nos engasgarmos entre o que foi e um tranquilizante «há-de ser», corremos o risco de, livres de heranças e expectativas, nos tentar a ideia de ser quem ou o que quisermos, ou pior ainda: nada... não nos interessar. Imagina (por mim árvore, melros e pardais...  embora por razões opostas me incline para o incógnito e um par de mistérios).
   Como sempre, de maus sentimentos nascem os mais belos sonhos. Talvez para compensar a pobreza geneológica invejo-lhe a rafeira liberdade de poder ser, acreditar e vivê-la: assim, ou assado, como quiser ou puder, souber ou ousar!

     Dentro da morte que nos calhou, podemos, finalmente, sair de dentro do calhau com se dum ovo se tratasse. Em despedidas assim é humano indagar dos arrependimentos. É a pena a que não nos poderemos furtar, danados. Ainda não será desta que nos deitaremos no silêncio. Mantém-me em pé a esperança (vês?) que talvez venhamos a ser justos, plenos merecedores de alguma paz e todo o olvido.

   Até lá, até ao sempre possível de imaginar, perdoa-me (se puderes) ou perdoa-me (se não fores capaz).



segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Segunda a Sexta... depois Sábado e Di(a)manche. E eu, mesmo água e sabão do azul, ou macaco, tornei-me mancha: Inimigo jurado da'sperança, se faz o favor.


                                                          


Pina Bausch - " Wolfisms "



                                                                                                                                     
                                                                                                                                   ( Para a Patrícia L. )


Diamante

Dantes dentes, ninhos deles
bocas selvagens quando riam,
Companheiras de lágrimas que logo
logo secavam e esqueciam.

O seu sal era em tudo semelhante  ao sabor do sexo
ao suor que colava os nossos corpos e
por nós falava. Deitados no Tempo, mergulhados
nessa força que são os dias curtos.

Nunca mais dei uso às mãos assim: olá, adeus.

Fui-me tornando uma alma baça, ou pequena
ou só medrosa... li demais, alfabrutizado,
a viver vidas emprestadas, a servir almoços,
pequenos mimos.

Agora a luz, ao cegar-me, não me deixa
nem esquecer, muito menos recomeçar a ser.
Evoco o diamante na sua excessiva ou desmesurada
concentração matérica. Vá lá, diria eu, se não tivesse
a boca tão cheia de pedras, o peito tão negro
e o mar tão longe. Tolo, sorri...
Gostas de bichos, e os animais conhecem-te o osso
e ainda assim buscam afectos e afagos.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Como foi...


   Obrigado. Raiva e choro. Pensamento escondido. Anónimo. Perdido.
   Esquecido o  rumo. Náufrago. Emoção plena quando olho o teu corpo adormecido e riscas de sol morno te libertam de mim e eu espero, indiferente ao desfecho. Anseio uma distração enevoada para a nossa fuga alada. Quero filho teu antes de morrer e a lágrima sem emoção que me escorre, face abaixo, é o meu segredo, o nosso fim.
   Isto de quereres, começa-se com tudo e acaba-se com nada. Uma corrida fugida que estafa e cansa. Movo os lábios no silêncio daquele quarto e, enquanto vejo os mínusculos e brilhantes grãos de poeira nos feixes de luz, sei que o que digo é uma versão única de oração. Visto-me em silêncio, apenas o sacoplástico ameaça denunciar-me, mas longe como estás apenas afastas os cabelos húmidos da testa.
   Espera-me o frio ventoso duma cidade onde me perderia se me dirigisse a casa.

Fotografia de  Fred Herzog

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Hoje (só) silêncio maltês


   ... os professores que se recusam a dar notas, só passam os calados porque, por eles já estão ensinados. Com eles, felinos e ladinos, nã há volta a dar... Imagina-se um gato a pensar: "Amanhã é que vai ser"? Eu não.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015



Obra de 1937, batizada de Madona com Menino Jesus, foi encontrada debaixo de 15 camadas de tinta numa parede da casa, hoje museu, onde o maior pintor brasileiro morou, a 350 kms de São Paulo.


     "Um olho azul, descobri um olho azul", gritou um dos restauradores que ajudava nas obras da casa onde viveu Cândido Portinari, considerado o maior pintor brasileiro da história, na cidade de Brodowski, 350 quilómetros a nortede São Paulo. Cristiane Patrici, gerente-geral do museu, situado na própria casa de Portinari, correu aos prantos para avisar Angélica Fabbri, a diretora executiva, e comemoraram todos juntos em êxtase: o olho azul era da figura de um Menino Jesus, ao colo da mãe, e revelou-se a última das obras do artista. "Deve ser uma sensação parecida com a do garimpeiro que descobre ouro", descreve Angélica.


   Nos últimos dias de 2014, um laudo divulgado por pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do Rio de Janeiro confirmou, após complexos estudos, o que se esperava desde aquele dia: a obra, um fresco entretanto batizado de Madona com Menino Jesus, pode ser catalogada como um dos cinco mil trabalhos do pintor. Estava debaixo de 15 camadas de tinta na parede do que seria, à época, a varanda da sua casa. Segundo os especialistas, Portinari não trabalhou sozinho. O artista tinha o hábito de convidar amigos pintores e criar frescos pelas paredes de casa em coautoria, como parece ser o caso de Menino Jesus com Madona.
     DN, 28.01.2015

     Sem dúvida, percorrido este longo e poeirento caminho hei-de voltar a fazer  parte de mim, fundido na carne, correndo as veias imperiais da gente bem vestida. Enfim, (con)fundido.      Uma, várias gritarias abafadas.. Ancorado e oculto nas nuvens da infância definitiva e agónica, livre de calendários e datações várias, longe, longe e esquecido, hei-de escapar a mapas, e deixar-me-á ficar só e nú (à espera de nada nem coisa alguma), com este renovado e fortalecido fascínio que sempre de mim se apodera quando esbarro, colido, tropeço, me sacio e esfomeeio simultaneamente em bizarras ementas, se assim poderei chamar a momentos, circunstâncias, olhares cruzados, desejos recíprocos e crescentes entre a minha carne e o mundo. 
     Chamar a isto circunstâncias? Reconhecer magias? Afagar corpos. Desejar gestos e afectos. Procurar, certo de encontrar, uma paz duradoura. Uma paz final. Acariciar cicatrizes, ternurar patifarias de longas sombras e péssimas intenções, desistir do medo e ouvir o inaudível chapinhar do sangue gorduroso manchando soalho.
     No fundo que os olhos se busquem e o olhar nasça. O resto é Literatura onde até, talvez, caiba, aninhada, a ternura e, perante este tosco esboço, onde o que falta de mestria, sobre uma comovente vontade tão humana, a dor se apiede e, no fim as coisas se componham.


quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

"Every autobiography . . . is also an autothanatography" (Nancy K. Miller)



   Todas as autobiografias são, também, autotanatografias.





     Passos de chumbo em pés de lã. Perdições são visões, minúsculas mortes, salvações. No fundo, resta o consolo que nada disto tem importância. E essa «insignificância» isenta-nos de responsabilidades.
     Intriga-me, sempre me intrigou, o desejo de alguém sonhar, gerir e practicar uma vida no sentido de "ficar na história" Tanto e tão a sério  a ponto de, aparentemente, não hesitar em matar e morrer por isso. Incompreensões... minhas e tanatológicas, sem dúvida. Se de provas necesitasse, bastaria ler-me, para me repugnarem objecções bem-intencionadas mas fúteis e totalmente inofensivas com que sempre assisti à passagem dos vagões de carga humana e destino longínquo, (será a Ásia assim tão fora de vista ? Estará o mundo onde supostamente vivemos todos tão cheio de Ásias?). Uma mudez adequada a uma oportuna surdez. Homens de aparência banal  sujaram as mãos, mantiveram-nos afastados da pólvora e da cordite, permitiram-nos preocupar-nos com a sopa rala e a compaixão tardia. Nas linhas tortas, nascem os mais improváveis salvadores, senão da humanidade, pelo menos da sobrevivente. Sonos tranquilos, futuros e projectos. Primo Levi suicidou-se, sexagenário, verdadeiro «dano colateral»
     C'est pas jolie. Chuvas e geadas, inexistências geladas, Rajadas de vento que nos trespassam, impelindo-nos a comodidades sob a forma de esquecimentos e distrações mascaradas. A pronto ou a crédito, porque gastamos dinheiro como vivemos a vida: em suaves ou aceitáveis prestações.        Falta-nos vinho, risos francos e solares, mas arrastamos a carne destratando a alma.
     Em dias assim repito e regresso  à nada original questão, repetida por tantas gerações... em versão breve: o que fazemos aqui. Na versão longa, falta papel e paciência e sobra-me vergonha e fé!



Paul Gauguin: D'ou venons nous? Que sommes nous? Ou allons nous?


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Discurso Directo



   Entendemo-nos bem. Ao olhar os teus olhos esqueço o baton. Amo o que dizes ser a imperfeição dos teus dentes brancos e irregulares, tão afirmantes de personalidade. Afectos e estéticas querem-se (ou, pelo menos, quero-os eu, o meu corpo e o coração emocionado) longe de perfeições estereotipadas, assépticas, impessoais, ordinárias ou vulgares. Também por isso o meu olhar te cheira e saboreia. A sorte (não por acaso rimante com "morte") não me abandonou em tempestades, nem me esqueceu num qualquer porto, de um oceano ao acaso. Dizes-me o que me basta, o que procuro.
   És a cidade que habito, sem que a ela me habitue. O teu corpo recebe-me, nele entro como se voltasse a casa. Um dia chorarei a teu lado, e saberei, por fim, que valeu a pena, viver.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Atenuante Amnésia



Nicoletta Tomas Caravia "Un lugar" Tecnica mista / 


Talvez o desespero seja uma tontura, um desmaio, um sonho sonhado ao invés. Sonhe-se o rio, sussurre-se a lua a quem o amanhã é dedicado

De Prima Feria para Dies Domenica


Auto-Retrato de Flora Bors
   

   Em 7 de março de 321, Constantino Primeiro, o Grande, decreta que o domingo seria observado como dia repouso civil obrigatório:
   "Que no venerável dia do sol os magistrados e as pessoas residentes nas cidades descansem, e que todas as oficinas, estejam fechadas, No campo ainda assim que as pessoas ocupadas na agricultura possam livremente continuar seus afazeres pois pode acontecer que qualquer outro dia não seja apto para a plantação de vinhas ou de sementes..."
   Em 325 d.C. as orientações decididas no Primeiro Concílio de Niceia, estabelecem universalmente o primeiro dia da semana como dia sagrado, o nome do primeiro dia da semana foi modificado de Prima Feria para Dies Domenica. Decisão mantida pela maioria das denominações cristãs até a atualidade.

   Aqui, (onde?), atolado, esquecido, desorientado ou perdido num imenso e canibal Domingo, em sesperado, gatafunho. Acabará? E, se sim, o que lhe sucederá?
   Mais uma vez o tropeção no (agora, por estes dias) incontornável vocábulo: «Resistir». Pouca ou nenhuma vontade de tentar contornar a evidência desta doença silenciosa, determinada e fatal no seu propósito assassino, mascarando o que sinto, (sentindo-me, ou seja, sabendo-me já contaminado), com truques literaturentos, estilísticas barrocas, ou bacocas. Irmãos: ao fedor que a hipocrisia e a cobardia sempre libertam, restam-me o espanto, a cegueira, o abandono e a rendição. Desaconselhável companhia, bem sei...
   ... e ainda vamos na Prima Feria!


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

McCarthysmo/ Macartismo



   Poster (verdadeiro) dos anos 50 usado pelo senador Joseph McCarthy em pleno período de caça às bruxas.
   Perturbante. Triste. Um destes dias derrubaram a respectiva jaula. Nem sei se pela calada da noite... suspeito que nem foi necessário semelhante exercício de discreto respeito. Como não mereceu notazinha em pasquim, sobressalto em alma sensível nem, çlaro, tremor nos amnésicos em que nos tornámos. Descanse em paz, Senador. Como intitulou o escritor « A Oeste Nada de Novo».

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Bombardíssimo




   Quem leu o post "Rua Miguel Bombarda, o Porto Arte Contemporânea, etc" de 7 de Novembro aqui fica a prova provada de que as paredes da toca (ou será mesmo, "gruta" ?) ficaram mais aconchegantes.
   No processo aprendi, pelo menos, coisas duas... Primeiro, que há instituições que aliam a eficácia e competência à sensibilidade desinteressada. Por isso, publicamente, aqui deixo agradecidas e admiradas gratidões à "Porto Lazer" e à sua funcionária que, neste caso, deu a cara e o nome, perante este humilde requerente, e que dá pelo nome de Carina Novo. A outra lição foi a de que aquilo que eu, cheio de amadorismo, chamei de "poster" afinal se chama "Mupi".
   Por estas e por outras, lá vamos não desanimando completamente e sobrevivemos ao convívio com tanto "colega de espécie" (parece que se chama humana) que não dispensa (se é que não se alimenta mesmo) da sua maldadezinha muito mesquinha e muito mal-cheirosa.
   Muito, e muitos, obrigado.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Bichos somos todos, higienes à parte


   Aqui fica este gato tatuado (literalmente) como promessa e lembrança de um texto a explicar a inexactidão e o facilitismo em que incorro ao dizer que «gosto de gatos» quando, na verdade o que sinto é que gostava que as pessoas fossem (mais) como eles. O que no trato humano e no seu convencionalismo aceite são características antagónicas que apenas serviriam para descrever um paradoxo vivente e como boutade de um afirmante a forçar uma estafada originalidade, ou seja, o bravio da selvagem memória, o quase dictatorial egoísmo, combinado com um irresistível anarquismo com que o bicho subverte a relação de posse e, a terminar(?), um espanto de charme, elegância e afecto dengoso, não é para todos.

   Eu, que cresci numa autêntica Arca de Noé onde, curiosamente, não havia gatos embora até um improvável e simpático casal de ouriço cacheiros marcasse presença e me desse presentes de Natal, o cão, pelo número, variedade de espécie e da ilimitada liberdade de que gozava, era rei incontestado. Por tudo isso (e pelo que veio depois) costumo pensar que «evoluí do cão para o gato». Um Darwin imaginado, imaginante e monteiroso, entender-me-ia perfeitamente.

   Na brincadeira e na dança digital ficou dito o que pensei dizer num outro dia... numa outra cama.


Horitomo "Tattooed Cat"

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Continuar





   Breve, breve, até porque se há momentos na vida em que o desperdício, ou a generosidade com que entregamos (o) tempo à morte é mais do que um direito, é (quase) um imperativo. Bem sei que, desde o século XVIII (e, por cá nunca) o conceito de "homem de qualidade" (mulher incluida, na história breve em que cabe a minha, brevíssima) passou de moda. Hoje, além de esquecido, mais do que desconhecido, é completamente imcompreendido e incompreensível. Sinal dos tempos, da decadência e da corrupção da carne, evidência do nosso desamparo.

  Bibliotecas de fingir, comida rápida em templo, não de jejum mas de repulsa, o coração de plástico, no jardim de plástico, na casa de plástico e eis-nos a um passo de uma vida de fingir e de fugir. Construir ficções com tinta, leva ao desaparecimento lento nos corpos de corações pulsantes, de sangue e  dor, mas, também e sobretudo, do riso e do amor. Pior, só a banalização alarve, o caricaturar das delicadas prácticas de pensar, sentir e dizer exercidos como quem devora, não por necessidade ou fome-fome mesmo, mas por uma espécie de apetite, voraz e canibal, herdado e já incorporado. Como evitar a repugnância 6perante a imagem das fuças debruçadas sobre a malga, o olhar guloso e feroz, a mandíbula forte e o dente afiado a precederem o proverbial arroto (quando não mesmo o vómito descomposto e fétido) dessas almas delicadas e sensíveis?

   Valha-nos a ironia do Velho, ou do que de divino sobrevive em nós que, frágeis sim, ridículos talvez, nos permite, ainda, erguer os olhos para um céu azul- azul, onde os pássaros nadam livres e livres nos possuem indiferentes ao pouco uso que damos ao que de precioso e raro por vezes nos habita ou convida ao abandono e à paz nessa imensa pátria onde a fraternidade é amiga e aliada sem que isso implique a necessidade de vestir a farda e sermos o que dizemos terem-nos mandado "ser". Talvez ainda possamos estender a mão e alcançar aquele ou aquela que regressa, ou sempre ali esteve e o maravilhamento dessa irónica (re)descoberta nos faça ignorar homens e mulherzinhas. Dizem os galegos: «há homens, homenzinhos, macacos e macaquinhos».

   E ponto e pronto. Há vergonha e pena, que pena!

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Rua Miguel Bombarda, o Porto, a Arte Contemporânea e todos (sejam muitos e muito variados) restos





   Que o tempo ajude. Que a estética (a de tinta, de pendurar na parede ou não, a de «carne e osso» e a de olhar límpido) inunde o ar, encha a rua de sorrisos. Pensei que teria razões pessoais para não ir, afinal não tenho. Até por isso, este ano acolho o BOMBARDA de braços abertos e espírito passeante.

   Confesso (e prometo a mim próprio) mover terra e céu para sacar um cartaz para a parede da minha toca. Se não descobrir autorias, preparem-se os patrocinadores para as investidas deste chato, que, quando se lhe mete uma na tola, é o diabo de charmes e seduções, de investidas inoportunas, de insistências tais que, suspeito, no limite do desespero acaba por levar a melhor estes cravanços afectivos.

domingo, 19 de outubro de 2014

O olhar e o nada




     O pudor na linguagem facilitado por muitas madrugadas, por ainda mais «quases». Ainda não sabíamos (nem sequer sonhávamos) que o futuro é a matéria do sonho. Inocentes, antecipávamos despedidas... A verdade era obscenamente banal * : cada fronteira a prova (e o aviso que teimámos em não ouvir) de que o futuro nada tinha que ver com tempo, menos ainda com o mundo.
     Há sempre quem vá. Há sempre quem quer que o o outro fique. Disso se alimenta a morte; quando a silhueta miúda se afasta subindo uma calçada (e sabemos ida sem despedida), quando somos apanhados pelo passado e, imóveis (de pedra e frio), vemos o outro internar-se no nevoeiro, entre as árvores, pisando as folhas mortas.
     Tristeza? Só se adjectiva o que se sente (a verdade) por uma delicadeza comunicacional.
     A beleza deste domingo não me chega solar, amena, pacífica. Apanhou-me numa esquina sob a forma de dois sorrisos (horizontais, horizontais...)

     *  -  E eu, provável e crescentemente, anacrónico, sinto, a varrer ruas, a poluir discursos, a comandar comportamentos que o «banal» e o «obsceno» não só existem, como convivem.


sábado, 18 de outubro de 2014

Sexo e tempestades



   Ainda a lidar com o complexo (se completo) cerimonial a que a morte obriga os vivos, tenho andado a adiar os planos (pois é: já não sei quem põe e não me lembro de quem dispõe...). Tudo certo, solene, consumado.

   Anunciam-se imprevisibilidades sem as quais não se navegam oceanos perigosos (e estive quase, quase a escrever "fatais"), onde à superfície as correntes são uma espécie de aviso. Náufragos, ao faltar-lhes sepultura, incorporam-se logo, logo no universo.


Christophe Charbonnel, "Persée V", (bronze)

Javier Marín (assim me visita Medusa)