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quarta-feira, 13 de maio de 2015
Qualquer coisa é a casa da poesia
MOÇA NA SUA CAMA
Papai tosse, dando aviso de si,
vem examinar as tramelas, uma a uma.
A cumeeira da casa é de peroba-do-campo,
posso dormir sossegada. Mamãe vem me cobrir,
tomo a bênção e fujo atrás dos homens,
me contendo por usura, fazendo render o bom.
Se me tocar, desencadeio as chusmas,
os peixezinhos cardumes.
Os topázios me ardem onde mamãe sabe,
por isso ela me diz com ciúmes:
dorme logo, que é tarde.
Sim, mamãe, já vou:
passear na praça sem ninguém me ralhar.
Adeus, que me cuido, vou campear nos becos,
moa de moços no bar, violão e olhos
difíceis de sair de mim.
Quando esta nossa cidade ressonar em neblina,
os moços marianos vão me esperar na matriz.
O céu é aqui, mamãe.
Que bom não ser livro inspirado
o catecismo da doutrina cristã,
posso adiar meus escrúpulos
e cavalgar no torpor
dos monsenhores podados.
Posso sofrer amanhã
a linda nódoa de vinho
das flores murchas no chão.
As fábricas têm os seus pátios,
os muros têm seu atrás.
No quartel são gentis comigo.
Não quero chá, minha mãe,
quero a mão do frei Crisóstomo
me ungindo com óleo santo.
Da vida quero a paixão.
E quero escravos, sou lassa.
Com amor de zanga e momo
quero minha cama de catre,
o santo anjo do Senhor,
meu zeloso guardador.
Mas descansa, que ele é eunuco, mamãe.
DIA
As galinhas com susto abrem o bico
e param daquele jeito imóvel
— ia dizer imoral —,
as barbelas e as cristas envermelhadas,
só as artérias palpitando no pescoço.
Uma mulher espantada com sexo:
mas gostando muito.
Adélia Prado, in "O Coração Disparado"
segunda-feira, 19 de janeiro de 2015
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
Larkin. O luxo em Verdana
Wants
Beyond all this, the wish to be alone:
However the sky grows dark with invitation-cards
However we follow the printed directions of sex
However the family is photographed under the flagstaff –
Beyond all this, the wish to be alone.
Beneath it all, desire of oblivion runs:
Despite the artful tensions of the calendar,
The life insurance, the tabled fertility rites,
The costly aversion of the eyes from death –
Beneath it all, desire of oblivion runs.
terça-feira, 4 de novembro de 2014
César Vallejo. Pois... como não havia de ser? (...e façam o favor de serem felizes, ou contentes, se conseguirem)
HOY ME GUSTA LA VIDA MUCHO MENOS...
Hoy me gusta la vida mucho menos,
pero siempre me gusta vivir: ya lo decía.
Casi toqué la parte de mi todo y me contuve
con un tiro en la lengua detrás de mi palabra.
Hoy me palpo el mentón en retirada
y en estos momentáneos pantalones yo me digo:
¡Tanta vida y jamás!
¡Tantos años y siempre mis semanas!...
Mis padres enterrados con su piedra
y su triste estirón que no ha acabado;
de cuerpo entero hermanos, mis hermanos,
y, en fin, mi ser parado y en chaleco.
Me gusta la vida enormemente
pero, desde luego,
con mi muerte querida y mi café
y viendo los castaños frondosos de París
y diciendo:
Es un ojo éste, aquél; una frente ésta, aquélla... y repitiendo:
¡Tanta vida y jamás me falla la tonada!
¡Tantos años y siempre, siempre, siempre!
Dije chaleco, dije
todo, parte, ansia, dije casi, por no llorar.
Que es verdad que sufrí en aquel hospital que queda al lado
y está bien y está mal haber mirado
de abajo para arriba mi organismo.
Me gustará vivir siempre, así fuese de barriga,
porque, como iba diciendo y lo repito,
¡tanta vida y jamás! ¡Y tantos años,
y siempre, mucho siempre, siempre siempre!
terça-feira, 1 de julho de 2014
Inevitáveis Fraquezas... (os brevíssimos momentos em que se tentam acertar contas)
No País dos Sacanas
Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.
Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?
Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.
Não, não, não subscrevo
Lamento de um pai de família
Como pode um homem carregado de filhos e sem fortuna alguma
ser poeta neste tempo de filhos só da puta ou só de putas
sem filhos? Neste espernear de canalhas, como pode ser?
Antes ser gigolô para machos e ou fêmeas, ser pederasta
profissional que optou pelo riso enternecido dos virtuosos
que se revêem nele e o decepcionado dos polícias que com ele
não fazem chantage porque não vale a pena. Antes ser denunciante
de amigos e inimigos, para ganhar a estima dos poderosos ou
dos partidos políticos que nos chamarão seus gênios. Antes
ser corneador de maridos mansos com as mulheres deles fáceis.
Antes reunir conferências de São Vicente de Paula, para roçar
o cu da virtude pelas distracções das sacristias escuras e
ter o prazer de acudir com camisolinhas aos pobres entre os quais
às vezes aparece um ou uma que dá gosto ver assim tão pobre por
se lhe verem os pêlos pelos rasgões da camisa ou algo de mais
impressionante para o subconsciente que sempre está nos olhos
que docemente se comovem com a miséria. Antes ir para as guerras
da civilização cristã ou da outra, matar os inimigos da conta corrente
e das fábricas de celofânicas bombas. Antes ser militar.
Ou marafona de circo. Ou santo, Ou demônio doméstico
torcendo as orelhas dos filhos à falta de torcê-los aos filhos
da puta. Ou gato. Ou cão. Ou piolho. Antes correr os riscos do
DDT, das carroças que os municípios têm para os cães suspeitos
de raivosos como todos os cães que se vê não lamberem as partes
das donas ou mesmo dos donos. Antes tudo isso que assistir a tudo,
sofrer de tudo e tudo, e ainda por cima ter de aturar o amor
paterno e os sorrisos displicentes dos homens de juízo
que deram pílulas às esposas, ou as mandaram à parteira secreta e
elas quiseram ir. Antes morrer.
Mas que adianta morrer? Quem nos garante que a morte
não existe só para os filhos da puta? Quem me garante que
não fico lá, assistindo a tudo, e sem sequer poder chamar-lhes
filhos da puta, com o devido respeito a essas senhoras que precisamente
se distinguem das outras por não terem filhos, nem desses nem dos outros?
Mas mesmo isto não consola nada. A quantidade, a variedade,
gastaram a força dos insultos. E não se pode passar a vida,
esta miséria que me dão e querem dar a meus filhos, a chamar nomes
feios a sujeitos mais feios do que os nomes. Como pode um homem
sequer estar vivo no meio disto, sem que o matem?
E o pior é que matam, sim, e sem saberem primeiro a quem,
para não se inquietarem com o problema de terem morto por engano
um irmão, desfalcando assim a família humana de algum ornamento
que a tornava menos humana e mais puta.
15/06/1964.
(40 Anos de Servidão)
Como pode um homem carregado de filhos e sem fortuna alguma
ser poeta neste tempo de filhos só da puta ou só de putas
sem filhos? Neste espernear de canalhas, como pode ser?
Antes ser gigolô para machos e ou fêmeas, ser pederasta
profissional que optou pelo riso enternecido dos virtuosos
que se revêem nele e o decepcionado dos polícias que com ele
não fazem chantage porque não vale a pena. Antes ser denunciante
de amigos e inimigos, para ganhar a estima dos poderosos ou
dos partidos políticos que nos chamarão seus gênios. Antes
ser corneador de maridos mansos com as mulheres deles fáceis.
Antes reunir conferências de São Vicente de Paula, para roçar
o cu da virtude pelas distracções das sacristias escuras e
ter o prazer de acudir com camisolinhas aos pobres entre os quais
às vezes aparece um ou uma que dá gosto ver assim tão pobre por
se lhe verem os pêlos pelos rasgões da camisa ou algo de mais
impressionante para o subconsciente que sempre está nos olhos
que docemente se comovem com a miséria. Antes ir para as guerras
da civilização cristã ou da outra, matar os inimigos da conta corrente
e das fábricas de celofânicas bombas. Antes ser militar.
Ou marafona de circo. Ou santo, Ou demônio doméstico
torcendo as orelhas dos filhos à falta de torcê-los aos filhos
da puta. Ou gato. Ou cão. Ou piolho. Antes correr os riscos do
DDT, das carroças que os municípios têm para os cães suspeitos
de raivosos como todos os cães que se vê não lamberem as partes
das donas ou mesmo dos donos. Antes tudo isso que assistir a tudo,
sofrer de tudo e tudo, e ainda por cima ter de aturar o amor
paterno e os sorrisos displicentes dos homens de juízo
que deram pílulas às esposas, ou as mandaram à parteira secreta e
elas quiseram ir. Antes morrer.
Mas que adianta morrer? Quem nos garante que a morte
não existe só para os filhos da puta? Quem me garante que
não fico lá, assistindo a tudo, e sem sequer poder chamar-lhes
filhos da puta, com o devido respeito a essas senhoras que precisamente
se distinguem das outras por não terem filhos, nem desses nem dos outros?
Mas mesmo isto não consola nada. A quantidade, a variedade,
gastaram a força dos insultos. E não se pode passar a vida,
esta miséria que me dão e querem dar a meus filhos, a chamar nomes
feios a sujeitos mais feios do que os nomes. Como pode um homem
sequer estar vivo no meio disto, sem que o matem?
E o pior é que matam, sim, e sem saberem primeiro a quem,
para não se inquietarem com o problema de terem morto por engano
um irmão, desfalcando assim a família humana de algum ornamento
que a tornava menos humana e mais puta.
15/06/1964.
(40 Anos de Servidão)
sábado, 14 de junho de 2014
quinta-feira, 5 de junho de 2014
Konstantin Simonov, no Maio atrasado do fim de uma guerra maior
Espera por mim
Espera por mim, que eu voltarei,
Mas tens de esperar muito
Espera quando a chuva amarela
Trouxer a tristeza,
Espera quando a neve vier,
Espera quando fizer calor,
Espera quando os outros não esperarem,
Esquecidos do passado.
Espera, quando das terras distantes
Não chegarem cartas,
Espera, quando até aqueles
Espera por mim, que eu voltarei,
Mas tens de esperar muito
Espera quando a chuva amarela
Trouxer a tristeza,
Espera quando a neve vier,
Espera quando fizer calor,
Espera quando os outros não esperarem,
Esquecidos do passado.
Espera, quando das terras distantes
Não chegarem cartas,
Espera, quando até aqueles
Que juntos esperam se cansarem.
Espera por mim, que eu voltarei,
Não perdoes àqueles
Que encontram palavras para dizer
Que é tempo de esquecer.
E se crêem, filho e mãe,
Que já não vivo,
Se os meus amigos, cansados de esperar,
Se sentarem à lareira
E beberem vinho amargo
Para me recordarem…
Espera. E com eles
Não te apresses a beber.
Espera por mim, que eu voltarei
A despeito da morte.
Quem não me esperou,
Que diga: ‘Teve sorte!’
Não compreendem os que não esperavam
Como no meio do fogo
A tua espera
Me salvou.
Como sobrevivi, saberemos
Apenas tu e eu, -
Foi porque me soubeste esperar
Como ninguém mais.
Espera por mim, que eu voltarei,
Não perdoes àqueles
Que encontram palavras para dizer
Que é tempo de esquecer.
E se crêem, filho e mãe,
Que já não vivo,
Se os meus amigos, cansados de esperar,
Se sentarem à lareira
E beberem vinho amargo
Para me recordarem…
Espera. E com eles
Não te apresses a beber.
Espera por mim, que eu voltarei
A despeito da morte.
Quem não me esperou,
Que diga: ‘Teve sorte!’
Não compreendem os que não esperavam
Como no meio do fogo
A tua espera
Me salvou.
Como sobrevivi, saberemos
Apenas tu e eu, -
Foi porque me soubeste esperar
Como ninguém mais.
Tradução de Manuel de Seabra/ JM .
segunda-feira, 7 de abril de 2014
César Vallejo
LOS ANILLOS FATIGADOS
Hay ganas de volver, de amar, de no ausentarse
y hay ganas de morir, combatido por dos
aguas encontradas que jamás han de istmarse.
Hay ganas de un gran beso que amortaje a la Vida,
que acaba en el Africa de una agonía ardiente,
suicida!
Hay ganas de … no tener ganas. Señor;
a ti yo te señalo con el dedo deicida ;
hay ganas de no haber tenido corazón.
La primavera vuelve, vuelve y se irá. Y Dios,
curvado en tiempo, se repite, y pasa, pasa
a cuestas con la espina dorsal del Universo.
Cuando las sienes tocan su lúgubre tambor,
cuando me duele el sueño grabado en un puñal,
¡ hay ganas de quedarse plantado en este verso!
EL MOMENTO MAS GRAVE DE LA VIDA
Un hombre dijo:
—El momento mas grave de mi vida estuvo en la batalla del
Marne, cuando fui herido en el pecho.
Otro hombre dijo:
—El momento más grave de mi vida, ocurrió en un maremo-
to de Yokohama, del cual salvé milagrosamente, refugiado bajo
el alero de una tienda de lacas.
Y otro hombre dijo:
—El momento más grave de mi vida acontece cuando duer-
mo de día.
Y otro dijo:
—El momento más grave de mi vida ha estado en mi mayor
soledad.
Y otro dijo:
—El momento más grave de mi vida fue mi prisión en una
cárcel del Perú.
Y otro dijo:
—El momento más grave de mi vida es el haber sorprendido
de perfil a mi padre.
Y el último hombre dijo:
— El momento más grave de mi vida no ha llegado todavía.
quinta-feira, 3 de abril de 2014
Filipa Leal
A prova de que os poemas não são conteúdos. Alguém que escreve o contrário do que penso e sinto e, ainda assim, magicamente me prende e à (ou ao) qual me rendo. Não me altera as convicções sentidas, nem me adultera o olhar. Um poema assim é "alguém" a quem nos podemos entregar.
O PESO DOS LIVROS
Pensava que os livros não têm peso. Quero dizer, flutuam no entendimento.
Na memória. Ou melhor: equilibram-se porque não são gente.
Não têm noites, não têm insónias. Não têm sono lá dentro.
Pensava que os livros são menos complexos do que nós. Mesmo quando
não temos linha, quando não temos palavra. Mesmo quando
não conseguimos respirar. Quando pensei nisso,
tive uma vaga noção de título.
E um hálito branco a querer ser página.
Filipa Leal, in "O Problema de ser Norte", (2008)
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