Todas as autobiografias são, também, autotanatografias.
Passos de chumbo em pés de lã. Perdições são visões, minúsculas mortes, salvações. No fundo, resta o consolo que nada disto tem importância. E essa «insignificância» isenta-nos de responsabilidades.
Intriga-me, sempre me intrigou, o desejo de alguém sonhar, gerir e practicar uma vida no sentido de "ficar na história" Tanto e tão a sério a ponto de, aparentemente, não hesitar em matar e morrer por isso. Incompreensões... minhas e tanatológicas, sem dúvida. Se de provas necesitasse, bastaria ler-me, para me repugnarem objecções bem-intencionadas mas fúteis e totalmente inofensivas com que sempre assisti à passagem dos vagões de carga humana e destino longínquo, (será a Ásia assim tão fora de vista ? Estará o mundo onde supostamente vivemos todos tão cheio de Ásias?). Uma mudez adequada a uma oportuna surdez. Homens de aparência banal sujaram as mãos, mantiveram-nos afastados da pólvora e da cordite, permitiram-nos preocupar-nos com a sopa rala e a compaixão tardia. Nas linhas tortas, nascem os mais improváveis salvadores, senão da humanidade, pelo menos da sobrevivente. Sonos tranquilos, futuros e projectos. Primo Levi suicidou-se, sexagenário, verdadeiro «dano colateral»
C'est pas jolie. Chuvas e geadas, inexistências geladas, Rajadas de vento que nos trespassam, impelindo-nos a comodidades sob a forma de esquecimentos e distrações mascaradas. A pronto ou a crédito, porque gastamos dinheiro como vivemos a vida: em suaves ou aceitáveis prestações. Falta-nos vinho, risos francos e solares, mas arrastamos a carne destratando a alma.
Em dias assim repito e regresso à nada original questão, repetida por tantas gerações... em versão breve: o que fazemos aqui. Na versão longa, falta papel e paciência e sobra-me vergonha e fé!
Paul Gauguin: D'ou venons nous? Que sommes nous? Ou allons nous?