Grande Lu só, mesmo, tu. E, já agora, porque não camoniana, a piscadela ? Direita e malfeitora como o encardido bardo?
Primeiro, o esclarecimento de que não sendo isto (esta tão precária «coisa»), nem a cerimónia de atribuição dos óscares, nem a António Maria Cardoso, sempre evitei como norma ou uso corrente a individuação. Aliás as poucas raras vezes em que infrigi a práctica foi, ou por maus motivos, ou com péssimos resultados... Aceita, portanto, a prosalhada como homenagem aos «meus» Lus, bem como reconhecimento público de afecto e impagável dívida. Sei que não lerão (coisas vossas), de forma que me posso esticar e convocar as matérias e as pessoas que me apetecerem. E bem sabes que pelas culpas tatuadas e os pecados cicatrizados, sou muito espartano em matéria de apetites.
Encontrar-te assim (praticamente colidindo...) em São Bento («Ora e labora») foi a circunstância certa ( e estive quase, quase a arriscar «perfeita») para quem, como nós, crê e, por via de teimosos esmeros, cultiva (fugindo ou não cedendo a tentações explicatórias ou significantes) a crença nos encantamentos e magias reservados a olhares atentos e almas resistentes a ilusionismos. Ora os meus sentimentos por vós são da mesmíssima natureza: meramente constatados. Et ça suffit !!
Não se esgota em mim o espanto de que sempre que estou com um de vós (sem o outro), sentir uma espécie de ausente «presente». O vosso amor tranquilo comove-me... e se a palavra «família» ainda existe no meu dicionário é, essencialmente, por vossa causa.
E de causa a casa... a vossa talvez tenha sido a casa onde vivi que, sendo vossa, mais senti como minha. Sabes do meu incómodo com o passado... por isso sempre disse que «o passado é um sítio muito mal frequentado» e, no entanto, recordo-a e sonho frequentemente com ela.
Nunca falámos nisso, mas houve dois sítios onde pensei, muito sentidamente : «gostava de morrer aqui» (conhecendo tão bem a minha inclinação para o (melo)drama sabes (e bem) serem estas imagens sempre precedidas de outras que não são para aqui chamadas: foram eles, o Lago de Como e a vossa sala. Com o tempo, a vossa casa acabou por encolher e condensar-se afectivamente na sala.
Estas duas imagens: o Lago (o fim dum amor, e uma névoa a dissipar-se, numa manhã fantasmagórica de sons abafados e luz espectral, que acrescentavam uma espécie de irrealidade à morte que já lá estava...) e a sala (com o rio dolorosamente iluminado pela luz dum sol primaveril, os telhados e as, ainda, antenas de televisão; uma salada de vozes humanas, telefonias e tvs, canários e pombos. O sofá, os livros numa saudável desordem, uma sombra cobrindo a dor insuportável que me habitava. Um homem só, muito Paveseanamente a olhar o fumo do cigarro, absolutamente calmo, a sentir que a morte tinha passado por ali e se tinha esquecido dele).
A merda do Tempo e das Memórias, a roubar-nos, entre cotoveladas, gritarias, o ar saturado de humidade, um horrível café tragado. Tu, sábia como sempre, fizeste as despesas da conversa, adivinhaste-me um segredo, mas não me fizeste perguntas e eu, calado, agradeci-te. Olhei despudoradamente e com o espanto habitual, o teu corpo miúdo de miúda, o cabelo à rapaz que te fica bem e disse-o. Era verdade... sabes que guardo os elogios para quando tem mesmo que ser («o teu côté putain» disseste-me uma vez e o teu Lu acrescentou algo que consegui esquecer), mas surpreendeu-me o teu rubor. Não me lembro de, alguma vez, te ter visto corar.
Custou-me acompanhar-te ao comboio e abandonar-te quando, por brevíssimos instantes, me ficou a martelar na cabeça a frase «estás a perder o comboio... estás a perder o comboio.... estás a.....».
Quando voltei já sozinho, a plataforma pareceu-me vazia, a estação silenciosa, a cidade hostil: «Voltar ? Para onde ?»
Já devias estar em Campanhã.
Abraços ao Lu