sexta-feira, 21 de março de 2014

Literatura ejaculada


       Não se já vos aconteceu, se já tropeçaram em situações assim... Sem dramatismos, com a calma com que nós humanos irmanamos a vida vegetal (onde, dizemos, "é tudo tão natural") sentirmos e vestirmos a certeza irracional do "foi a última vez", do "nunca mais" ou, até do "para sempre".
       Tão especialistas em banalidades, tão dados ao esquecimento e ao que, aprendizes de deuses, gostamos de chamar "perdão" foge-nos, senão o "pé p'ró chinelo", pelo menos um poucochinho  da tola liberdade para vôos e devaneios que achamos ser a nossa natureza ou situação justificada. Apinocados de alibís, assertoados de boas intenções e prontos para habitar o adro da aldeia * retrocedemos no tempo, teimamos no torrão e não abdicamos dos sonhos nacional-qualquer-coisa.
     Só, demorou-me o jantar três horas (cento e oitenta minutos mesmo, quase cronometrados), onde couberam histórias inventadas **, companhia improvável e uma se calhar miragem que "isto afinal vale a pena" senão nos levarmos demasiado a sério, se sem pudor nos dermos e sem vergonha nos acercarmos.
     Resgatou-me do quase fatal desespero um improvável ser. Dando um salto, do qual peço perdão, como dizia D. Juan ao seu criado («acredito que dois e dois são quatro e que quatro e quatro são oito) afinal éramos três. O feliz final era o coito (quatro e quatro são oito) que não houve mas não desmanchou o momento.
     Aristocracia operária é linguagem rafeira e anacrónica. No entanto, hoje, habitou (ironicamente) "erecto" um espelho que me devolveu imagem inteira e o inolvidável momento único em que pedi alguém em casamento...
     Provável e feliz celibatário, dei-me de pazes feitas com o mundo e com os bichos que o povoam.


    * e eu juro que chorei as lágrimas mais secas do deserto saara acrescentado do gobi (incluindo sudações e mijo de camelo) ao ouvir presencialmente, numa sessão de poesia,  a inominável nojeira titulada "A Procissão" com a indiscutível benção paneleira do Villaret e ali batoteiramente atribuida ao Pessoa. Pouco importa ser do Lopes Ribeiro (foda-se: poeta?). Mas chorei porque até podia ser Pessoa, nesta comunidade que se acha Queiroziana, quando, na verdade, é Castelar e Alva.

    ** estarmos sós, observantes, animais atentos e cultos. Olharmos alguém, apropriarmo-nos da presença e do estar duns alguéns e construirmos a história que há-de ficar e, quem sabe, poderá até ser ventre acolhedor, duma narrativa parideira de mito. Pessoas assim são corpos receptivos, na sua hospitalidade húmida, a penetrações e procriações. E, se dúvidas houvesse, ou eu as tivesse, cercanias do céu, para mim, foram mornas carnes e ternos e tenros afectos.