When you're weary
Feeling small
When tears are in your eyes
I will dry them all
I'm on your side
When times get rough
And friends just can't be found
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
When you're down and out
When you're on the street
When evening falls so hard
I will comfort you
I'll take your part
When darkness comes
And pain is all around
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
Sail on Silver Girl,
Sail on by
Your time has come to shine
All your dreams are on their way
See how they shine
If you need a friend
I'm sailing right behind
Like a bridge over troubled water
I will ease your mind
Like a bridge over troubled water
I will ease your mind
domingo, 25 de dezembro de 2011
B Fachada
Deus, Pátria e Família
I
Faz sinal ao galo vencedor
Que esta dança é arriscada
Vai pela crista não vás num bom cantor
Que a cantiga está mal parada
Portugal está para acabar
É deixar o cabrão morrer
Sem a pátria para cantar
Sobra um mundo para viver
Chegam flores do estrangeiro
Já escolhemos o coveiro
Por mim é para queimar
Mas não quero exagerar
Não à glória nacional
Não á força não letal
Já não canto sobre amores
Nem me perco no recheio
É que em terra de amadores
Basta ter o pau a meio
Eu não sei português
E que se foda Portugal
Eu canto em fachadês
A minha língua paternal
Impotência cultural
Nem que fossem 100 Lisboas
Cidadão é animal
E eu faço isto é para pessoas
Estou farto de ser fraco
Vou lutar pela desordenação
É hora do boicote
Já não chega a abstenção
Chegar ali tem que doer
Tamanha a piça do poder
Comer no rabo de meninas
Nos herbívoros é que estão as vitaminas
Faz sinal ao galo vencedor
Que esta dança é arriscada
Vai pela crista não vás num bom cantor
Que a cantiga está mal parada
Eu não sei português
E que se foda Portugal
Eu canto em fachadês
A minha língua paternal
II
Partiste a cama
Gostas mais do chão
Se não fosse amor
Ninguém diria que é paixão
Dormir a meias
Já faz parte de te acordar
Coisas feitas vais ter que as procurar
Passo a tarde no piano
A trabalhar o desengano
A estrofe avança o refrão é para rezar
Que tu é que és a deusa deste lar
Faz sinal ao galo vencedor
Que esta dança é arriscada
Vai pela crista não vás num bom cantor
Que a cantiga está mal parada
Portugal vai rebentar
É deixar o cabrão sofrer
Sem a pátria para queimar
Há mais tempo para viver
Chegam flores entre as estrangeiras
Mas 3 tristes parideiras
Que venham cá curtir
Já que não há nada para partir
Não à força nacional
Não à glória não letal
Já não há cú para doutores
Que o pau fica-me sempre a meio
Que em terra de amadores
Basta ter algum paleio
Eu não sou português
E que se foda Portugal
Eu canto em fachadês
A minha língua paternal
Traz no colo uma missão
Fiz a cama dos teus pais
Passo a boca
Tiro a roupa
Nunca quis saber demais
Dás-me o outro lado
Para não estragares o penteado
Eu estou sossegado
Ninguém quer mais que ser um pai babado
Ninguém quer mais que ser um pai babado
Labels:
músicas,
provocações
sábado, 24 de dezembro de 2011
assim
Its quarter to three,
There's no one in the place cept you and me
So set em up joe
I got a little story I think you oughtta know
Were drinking my friend
To the end of a brief episode
So make it one for my baby
And one more for the road
I know the routine
Put another nickel in that there machine
Im feeling so bad
Wont you make the music easy and sad
I could tell you a lot
But you gotta to be true to your code
So make it one for my baby
And one more for the road
Youd never know it
But buddy Im a kind of poet
And Ive got a lot of things I wanna say
And if Im gloomy, please listen to me
Till it's all, all talked away
Well, that's how it goes
And joe I know you're gettin anxious to close
So thanks for the cheer
I hope you didn't mind
My bending your ear
But this torch that I found
Its gotta be drowned
Or it soon might explode
So make it one for my baby
And one more for the road
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
afinal o bem e o mal
passeiam-se num parque que evoco bosque.
fundem sombras, cruzam mãos, prometem bocas
e sorriem.
a sua paz é-nos alheia (até ao bone);
o mal, de ser tão banal
e o bem também.
gramática de cinzas e esquecimentos,
ausentes da paz.
pastores de medos e de segredos...
teremos que seguir calados
(assim comprometidos)
é miserável a tristeza da morte
quando nos torna ladrões da nossa própria vida.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
galicófilo? (remetendo para o "hommage")
Est-ce que je peux t'offrir un vers?
Si tu te fâches pas
je préfère un verre
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
aterra-se assim na terra de alguém (sabendo o disparate da terra ter
donos ou os sonhos donatários). neste éter chega-se invisível e parte-se
silencioso. descansa-se nas palavras dum outro, numa esplanada. Sussurra-se algo inaudível... e segue-se viagem. também as abelhas
quando polinizam contaminam
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
hommage
talvez a maior (e já agora inesperada) declaração de amor que recebi ou ouvi foi só assim:
«aconteça o que o acontecer, nunca desapareças»
declaração carnal, feita de peito,coxa e colo, e (porque não ?) pintelho;
púbico;
público;
púdico e escuro...
minha imperfeição perfeita.
Comme d’habitude (são assim os gostos, e nós a eles obrigados)
Única matéria-prima onde gosto e cheiro se fundem,
se fodem numa espécie de visão divina:
e eu aqui tão petit, tão contente de mim, tão cheio de tudo e de nada...
nu, nuzinho, nuzérrimo, quase ridículo não fora ser tudo isto ser a verdade.
Como chuva em tarde ou noite estival
onde o que resta ou interessa é o incontornável cheiro...
Vós sábios, nem que seja através
d'um lugar-comum
(je vous en prie)
libertem-me
por meio duma nomeação
dum mágico vocábulo
exacto.
«aconteça o que o acontecer, nunca desapareças»
declaração carnal, feita de peito,coxa e colo, e (porque não ?) pintelho;
púbico;
público;
púdico e escuro...
minha imperfeição perfeita.
Comme d’habitude (são assim os gostos, e nós a eles obrigados)
Única matéria-prima onde gosto e cheiro se fundem,
se fodem numa espécie de visão divina:
e eu aqui tão petit, tão contente de mim, tão cheio de tudo e de nada...
nu, nuzinho, nuzérrimo, quase ridículo não fora ser tudo isto ser a verdade.
Como chuva em tarde ou noite estival
onde o que resta ou interessa é o incontornável cheiro...
Vós sábios, nem que seja através
d'um lugar-comum
(je vous en prie)
libertem-me
por meio duma nomeação
dum mágico vocábulo
exacto.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
Momento de poesia
Se me ponho a trabalhar
e escrevo ou desenho,
logo me sinto tão atrasado
no que devo à eternidade,
que começo a empurrar pra diante o tempo
e empurro-o, empurro-o à bruta
como empurra um atrasado,
até que cansado me julgo satisfeito;
e o efeito da fadiga
é muito igual à ilusão da satisfação!
Em troca, se vou passear por aí
sou tão inteligente a ver tudo o que não é comigo,
compreendo tão bem o que não me diz respeito,
sinto-me tão chefe do que é fora de mim,
dou conselhos tão bíblicos aos aflitos
de uma aflição que não é minha,
dou-me tão perfeitamente conta do que
se passa fora das minhas muralhas
como sou cego ao ler-me ao espelho,
que, sinceramente não sei qual
seja melhor,
se estar sózinho em casa a dar à manivela do mundo,
se ir por aí a ser o rei invisível de tudo o que não é meu.
José de Almada Negreiros, 1941 in "Obras Completas, vol IV - Poesia" (ed Estampa, 1971)
Labels:
poemas
sábado, 3 de dezembro de 2011
Manuel Bandeira
Arte de amar
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Labels:
poemas
dedicado ao malafaia (carlos)
TOC, TOC, TOC, TOC...
Artur Azevedo
O Borges não a tinha visto nunca senão à janela da casa paterna: só lhe conhecia o busto, e
não era preciso mais nada para encantá-lo, porque na verdade ela possuía o palmo da cara
mais simpático e ao mesmo tempo mais lindo que era possível imaginar.
Chamava-se Idalina, e era filha natural de um vidraceiro estabelecido na loja do prédio em que
ambos moravam. Não iam a parte alguma.
Havia uma circunstância, uma só, que contrariava o Borges; a mãe da pequena tinha sido
mulher da vida alegre; dera em público toda a espécie de escândalos, e fora, afinal,
assassinada, durante uma pândega, por um dos seus inúmeros e sucessivos amantes. É
verdade que Idalina desde a mais tenra idade fora subtraída ao contato dessa mulher, e nunca
mais a viu: mas o Borges preferia, naturalmente, que ela fosse filha de outra mãe; entretanto,
não se lhe dava de ligar o seu destino ao dela, tão forte era a simpatia que a moça lhe inspirava.
A filha do vidraceiro parecia não ser indiferente ao afeto que se formara no coração de Borges;
todas as vezes que ele passava, pela manhã ou à tarde, caminho da repartição ou caminho de
casa, ela correspondia ao seu cumprimento respeitoso com um sorriso afável, que não era o
sorriso de uma janeleira vulgar, e tinha alguma coisa de triste e de reservado.
Estava o Borges impressionado ao último ponto, quando um feliz acaso lhe revelou que o
Ventura, um dos seus melhores amigos, conhecia intimamente o pai e a filha. Ele, o Borges não
sabia outra coisa senão a lamentável particularidade do nascimento de Idalina; soubera-o por
casualidade, no bonde, ouvindo a conversa de dois passageiros que a viram à janela e a
conheciam.
O Ventura, quando o amigo pediu as desejadas informações, desfez-se em calorosos elogios.
- É a criatura mais doce, mais bondosa que o céu cobre! É uma santa; uma verdadeira santa;
mas, meu amigo... sim, infelizmente há um mas...
O Borges adivinhou que o amigo se referia à mãe de Idalina, e atalhou:
- Sei o que é, mas não importa... Coitada! Que culpa tem ela dessa desgraça?
- Nenhuma culpa tem, mas dificilmente encontrará marido. Se fosse rica, não digo nada; há
homens que por dinheiro fecham os olhos a tudo, mas o Lemos, o pai, não tem por onde se lhe
pegue...
- Pois fica sabendo que não se me dava de ser seu marido.
- Tu?... Apesar de...?
- Apesar de tudo!
- Mas olha que não poderias levar tua mulher a parte alguma!
- Por quê?
- Seria ridículo!
- Deixá-lo ser! Ela é boa, é digna, é honesta, não é?
- Ah! Por esse lado, não conheço outra que mais o seja!
- Neste caso, exijo de ti um grande serviço: rogo-te que vás ter com o pai e que a peças em meu
nome.
- Alto lá! Essas coisas não se fazem assim! Deves primeiramente consultá-la, e só depois de
autorizado por ela, pedi-la ao pai, mas tu, pessoalmente, e não eu. O mais que posso fazer é
apresentar-te ao velho.
- Pois está dito!
No mesmo dia o Borges encontrou meios e modos de fazer com que um bilhete seu chegasse
às mãos de Idalina:
"Minha senhora", dizia esse bilhete, "eu chamo-me Laurindo Borges, sou de família honrada,
tenho perto de trinta anos, exerço um emprego público, não tenho ligações nem compromissos
de espécie alguma, e ganho o necessário para constituir família. Julgo que não lhe sou de todo
indiferente; portanto, rogo-lhe a necessária autorização para pedi-la em casamento a seu pai. O
obstáculo que de alguma forma se poderia opor a nossa união desaparece diante do amor
profundo e da sincera estima que a senhora me inspirou."
A resposta não se fez esperar:
"Uma vez que o sr. fecha os olhos a um obstáculo que parecia condenar-me ao celibato, e uma
vez que, não sendo ingrata, retribuo largamente os sentimentos que despertei no seu coração,
autorizo-o a pedir a minha mão a papai. Venha domingo, ao meio-dia: ele estará em casa, e
prevenido por mim."
À vista desse bilhete, o Borges poderia apresentar-se sozinho, mas foi ter com o Ventura e
pediu-lhe que o acompanhasse.
No domingo aprazado, ao meio-dia em ponto, entravam ambos na sala do Lemos, que os
recebeu de braços abertos.
- Aqui tem - disse-lhe o Ventura - o meu amigo Laurindo Borges, que lhe vem fazer um pedido
muito sério, e cá estou eu para aboná-lo.
- Queiram sentar-se - disse o velho; e, depois de sentados os três, continuou: - Já sei do que se
trata. Minha filha, que não tem segredos para mim, mostrou-me o bilhete do sr. Borges e o que
dirigiu em reposta. Mas fiquei surpreso, surpreso e ao mesmo tempo jubiloso, quando vi que o
senhor não considera um obstáculo a...
- Não! - interrompeu o Borges. - E peço-lhe, sr. Lemos, que não me fale mais nisso. Dona
Idalina possui qualidades morais que tudo compensam.
- Então o amigo fecha os olhos àquele defeito?
- Já lhe disse que sim.
- Bom; nesse caso, vou chamá-la.
E erguendo a voz:
- Idalina?
- Papai? - respondeu lá de dentro uma voz argentina e sonora que soou aos ouvidos de Borges
como um hino de amor.
- Vem cá, minha filha!
Não se ouviram passos, mas um toc, toc, toc, toc, que intrigou seriamente o namorado, e
quando Idalina, radiante de beleza, entrou na sala, ele verificou, à primeira vista, que a moça
tinha uma perna de pau!
Foi tal o espanto do pobre rapaz, que todos adivinharam logo que ele ignorava aquela ausência
de perna. Idalina caiu sentada numa cadeira, cobrindo o rosto com as mãos, debulhada em
pranto.
- Pois o senhor não disse que conhecia o obstáculo? - perguntou o vidraceiro.
- Eu referia-me à mãe de D.Idalina...
- Ora, meu caro, isso jamais seria um obstáculo, porque ela é o contrário do que foi aquela
infeliz mulher; é uma pérola, que saiu do lodo, como todas as pérolas.
Mas o Borges estava dominado pela beleza de Idalina, e as lágrimas da moça acabaram de
subjugá-lo. Ele ergueu-se e, num generoso ímpeto de amor, correu para ela, ajoelhou-se aos
seus pés - quero dizer: ao seu pé - tomou-lhe as mãos ambas, e beijou-as dizendo:
- Que me importa que tenhas uma perna de pau, se tens um coração de ouro?
- Ora, ainda bem! - exclamou o velho. - Case-se, e creia que leva uma mulher completa, apesar
de lhe faltar uma perna!
Casaram-se e foram muito felizes. O pai tinha razão.
O Borges, para consolar-se do aleijão da esposa, muitas vezes dizia aos seus botões:
- Idalina talvez não fosse tão boa, tão carinhosa, tão submissa, tão fiel, se tivesse ambas as
pernas...
Artur Azevedo
O Borges não a tinha visto nunca senão à janela da casa paterna: só lhe conhecia o busto, e
não era preciso mais nada para encantá-lo, porque na verdade ela possuía o palmo da cara
mais simpático e ao mesmo tempo mais lindo que era possível imaginar.
Chamava-se Idalina, e era filha natural de um vidraceiro estabelecido na loja do prédio em que
ambos moravam. Não iam a parte alguma.
Havia uma circunstância, uma só, que contrariava o Borges; a mãe da pequena tinha sido
mulher da vida alegre; dera em público toda a espécie de escândalos, e fora, afinal,
assassinada, durante uma pândega, por um dos seus inúmeros e sucessivos amantes. É
verdade que Idalina desde a mais tenra idade fora subtraída ao contato dessa mulher, e nunca
mais a viu: mas o Borges preferia, naturalmente, que ela fosse filha de outra mãe; entretanto,
não se lhe dava de ligar o seu destino ao dela, tão forte era a simpatia que a moça lhe inspirava.
A filha do vidraceiro parecia não ser indiferente ao afeto que se formara no coração de Borges;
todas as vezes que ele passava, pela manhã ou à tarde, caminho da repartição ou caminho de
casa, ela correspondia ao seu cumprimento respeitoso com um sorriso afável, que não era o
sorriso de uma janeleira vulgar, e tinha alguma coisa de triste e de reservado.
Estava o Borges impressionado ao último ponto, quando um feliz acaso lhe revelou que o
Ventura, um dos seus melhores amigos, conhecia intimamente o pai e a filha. Ele, o Borges não
sabia outra coisa senão a lamentável particularidade do nascimento de Idalina; soubera-o por
casualidade, no bonde, ouvindo a conversa de dois passageiros que a viram à janela e a
conheciam.
O Ventura, quando o amigo pediu as desejadas informações, desfez-se em calorosos elogios.
- É a criatura mais doce, mais bondosa que o céu cobre! É uma santa; uma verdadeira santa;
mas, meu amigo... sim, infelizmente há um mas...
O Borges adivinhou que o amigo se referia à mãe de Idalina, e atalhou:
- Sei o que é, mas não importa... Coitada! Que culpa tem ela dessa desgraça?
- Nenhuma culpa tem, mas dificilmente encontrará marido. Se fosse rica, não digo nada; há
homens que por dinheiro fecham os olhos a tudo, mas o Lemos, o pai, não tem por onde se lhe
pegue...
- Pois fica sabendo que não se me dava de ser seu marido.
- Tu?... Apesar de...?
- Apesar de tudo!
- Mas olha que não poderias levar tua mulher a parte alguma!
- Por quê?
- Seria ridículo!
- Deixá-lo ser! Ela é boa, é digna, é honesta, não é?
- Ah! Por esse lado, não conheço outra que mais o seja!
- Neste caso, exijo de ti um grande serviço: rogo-te que vás ter com o pai e que a peças em meu
nome.
- Alto lá! Essas coisas não se fazem assim! Deves primeiramente consultá-la, e só depois de
autorizado por ela, pedi-la ao pai, mas tu, pessoalmente, e não eu. O mais que posso fazer é
apresentar-te ao velho.
- Pois está dito!
No mesmo dia o Borges encontrou meios e modos de fazer com que um bilhete seu chegasse
às mãos de Idalina:
"Minha senhora", dizia esse bilhete, "eu chamo-me Laurindo Borges, sou de família honrada,
tenho perto de trinta anos, exerço um emprego público, não tenho ligações nem compromissos
de espécie alguma, e ganho o necessário para constituir família. Julgo que não lhe sou de todo
indiferente; portanto, rogo-lhe a necessária autorização para pedi-la em casamento a seu pai. O
obstáculo que de alguma forma se poderia opor a nossa união desaparece diante do amor
profundo e da sincera estima que a senhora me inspirou."
A resposta não se fez esperar:
"Uma vez que o sr. fecha os olhos a um obstáculo que parecia condenar-me ao celibato, e uma
vez que, não sendo ingrata, retribuo largamente os sentimentos que despertei no seu coração,
autorizo-o a pedir a minha mão a papai. Venha domingo, ao meio-dia: ele estará em casa, e
prevenido por mim."
À vista desse bilhete, o Borges poderia apresentar-se sozinho, mas foi ter com o Ventura e
pediu-lhe que o acompanhasse.
No domingo aprazado, ao meio-dia em ponto, entravam ambos na sala do Lemos, que os
recebeu de braços abertos.
- Aqui tem - disse-lhe o Ventura - o meu amigo Laurindo Borges, que lhe vem fazer um pedido
muito sério, e cá estou eu para aboná-lo.
- Queiram sentar-se - disse o velho; e, depois de sentados os três, continuou: - Já sei do que se
trata. Minha filha, que não tem segredos para mim, mostrou-me o bilhete do sr. Borges e o que
dirigiu em reposta. Mas fiquei surpreso, surpreso e ao mesmo tempo jubiloso, quando vi que o
senhor não considera um obstáculo a...
- Não! - interrompeu o Borges. - E peço-lhe, sr. Lemos, que não me fale mais nisso. Dona
Idalina possui qualidades morais que tudo compensam.
- Então o amigo fecha os olhos àquele defeito?
- Já lhe disse que sim.
- Bom; nesse caso, vou chamá-la.
E erguendo a voz:
- Idalina?
- Papai? - respondeu lá de dentro uma voz argentina e sonora que soou aos ouvidos de Borges
como um hino de amor.
- Vem cá, minha filha!
Não se ouviram passos, mas um toc, toc, toc, toc, que intrigou seriamente o namorado, e
quando Idalina, radiante de beleza, entrou na sala, ele verificou, à primeira vista, que a moça
tinha uma perna de pau!
Foi tal o espanto do pobre rapaz, que todos adivinharam logo que ele ignorava aquela ausência
de perna. Idalina caiu sentada numa cadeira, cobrindo o rosto com as mãos, debulhada em
pranto.
- Pois o senhor não disse que conhecia o obstáculo? - perguntou o vidraceiro.
- Eu referia-me à mãe de D.Idalina...
- Ora, meu caro, isso jamais seria um obstáculo, porque ela é o contrário do que foi aquela
infeliz mulher; é uma pérola, que saiu do lodo, como todas as pérolas.
Mas o Borges estava dominado pela beleza de Idalina, e as lágrimas da moça acabaram de
subjugá-lo. Ele ergueu-se e, num generoso ímpeto de amor, correu para ela, ajoelhou-se aos
seus pés - quero dizer: ao seu pé - tomou-lhe as mãos ambas, e beijou-as dizendo:
- Que me importa que tenhas uma perna de pau, se tens um coração de ouro?
- Ora, ainda bem! - exclamou o velho. - Case-se, e creia que leva uma mulher completa, apesar
de lhe faltar uma perna!
Casaram-se e foram muito felizes. O pai tinha razão.
O Borges, para consolar-se do aleijão da esposa, muitas vezes dizia aos seus botões:
- Idalina talvez não fosse tão boa, tão carinhosa, tão submissa, tão fiel, se tivesse ambas as
pernas...
Prosaico
SAUDAÇÃO A JOÃO CABRAL DE MELO NETO
João Cabral de Melo Neto
Você não se pode imitar,
mas incita a ver mais de perto,
com mais atenção e vagar,
o que está como que em aberto,
ainda por vistoriar,
o que vive entre pedra e terra
e o que é entre muro e cal,
o que tem «vocação de bagaço»
e o que resiste no osso ou no «aço
do osso», mais essencial.
Tacteamos matéria pobre
com sua mão que nada encobre
e ouvimos assoviar
versos (sem pássaro) de cobre.
De prosaico há-de ser chamado
pelos do «estilo doutor»,
cabeleireiros da palavra,
pirotécnicos do estupor,
que dão tudo por uma ária
de alambicado tenor,
que encaixilham a dourado
morceaux choisis de orador,
mas de prosaico não foi chamado
o nosso Cesário verde?
O lugar-comum se repeter
aqui ou do outro lado...
Porém adoptemos prosaico
num sentido que ao bacharel
escapará, é matemático.
Prosaico mas não aquele
que em verso é incapaz de verso,
para estar sempre a pôr em verso,
uma sorte de tradutor
para poesia
e às vezes até um guia
de político amador.
Exemplo: Pablo Neruda.
Prosaico, mas sem literatura,
sem o discursivo, sem a mistura
do panfleto, notícia, ladaínha.
Prosaico: o não enfático,
o que não mente a si mesmo,
o que não escreve a esmo,
o que não quer ser simpático,
o que é a palo seco,
o que não toma por ouyto
mais fácil trajecto
quando está diante do pouco,
nem que seja um insecto.
Já se deixa ver que prosaico,
assim, mal definido,
não é uma atitude
que se arvore ou um laivo
uma tinta de virtude:
é um modo de ser,
mesmo antes do verso,
mesmo fora do verso,
mesmo sem dizer.
Será neste sentido,
prosaico Melo Neto,
que no poema «O Rio»
cita Berceo: quiro
qu compogamos io e tú una prosa»?
Será no mesmo sentido
de Pessoa-Alberto Caeiro
(outro prosaico, mas desiludido...):
«... escrevo a prosa dos meus versos
e fico contente»?
Quanto a mim, ainda o bonito
que me põe nervoso, o meu canito
ainda tem plumas - e lindas! -
e o meu verso deita-se muito,
não sobre a terra, mas em sumaúmas,
já com falta de ar...
Ó Poeta,
não é motivo para não o saudar!
27-08-1959
Alexandre O'Neill, in "Abandono Vigiado" (Guimarães ed. , 1960)
Joaquim:
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
João Cabral de Melo Neto
Você não se pode imitar,
mas incita a ver mais de perto,
com mais atenção e vagar,
o que está como que em aberto,
ainda por vistoriar,
o que vive entre pedra e terra
e o que é entre muro e cal,
o que tem «vocação de bagaço»
e o que resiste no osso ou no «aço
do osso», mais essencial.
Tacteamos matéria pobre
com sua mão que nada encobre
e ouvimos assoviar
versos (sem pássaro) de cobre.
De prosaico há-de ser chamado
pelos do «estilo doutor»,
cabeleireiros da palavra,
pirotécnicos do estupor,
que dão tudo por uma ária
de alambicado tenor,
que encaixilham a dourado
morceaux choisis de orador,
mas de prosaico não foi chamado
o nosso Cesário verde?
O lugar-comum se repeter
aqui ou do outro lado...
Porém adoptemos prosaico
num sentido que ao bacharel
escapará, é matemático.
Prosaico mas não aquele
que em verso é incapaz de verso,
para estar sempre a pôr em verso,
uma sorte de tradutor
para poesia
e às vezes até um guia
de político amador.
Exemplo: Pablo Neruda.
Prosaico, mas sem literatura,
sem o discursivo, sem a mistura
do panfleto, notícia, ladaínha.
Prosaico: o não enfático,
o que não mente a si mesmo,
o que não escreve a esmo,
o que não quer ser simpático,
o que é a palo seco,
o que não toma por ouyto
mais fácil trajecto
quando está diante do pouco,
nem que seja um insecto.
Já se deixa ver que prosaico,
assim, mal definido,
não é uma atitude
que se arvore ou um laivo
uma tinta de virtude:
é um modo de ser,
mesmo antes do verso,
mesmo fora do verso,
mesmo sem dizer.
Será neste sentido,
prosaico Melo Neto,
que no poema «O Rio»
cita Berceo: quiro
qu compogamos io e tú una prosa»?
Será no mesmo sentido
de Pessoa-Alberto Caeiro
(outro prosaico, mas desiludido...):
«... escrevo a prosa dos meus versos
e fico contente»?
Quanto a mim, ainda o bonito
que me põe nervoso, o meu canito
ainda tem plumas - e lindas! -
e o meu verso deita-se muito,
não sobre a terra, mas em sumaúmas,
já com falta de ar...
Ó Poeta,
não é motivo para não o saudar!
27-08-1959
Alexandre O'Neill, in "Abandono Vigiado" (Guimarães ed. , 1960)
Joaquim:
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços,
minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus
ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura,
meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas
receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus
raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus
livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no
dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de
meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor
devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o
aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a
mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido.
Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde
irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos
sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino
esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua
chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que
tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade.
Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas
duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados
pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de
cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não
saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não
anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as
linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande
poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra.
Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de
cabeça, meu medo da morte.
As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas", Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.
As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas", Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.
Labels:
poemas
O'Neill
Fala a sério e fala no gozo
fá-la p'la calada e fala claro
fala deveras saboroso
fala barato e fala claro
Fala ao ouvido e fala ao coração
falinhas mansas ou palavrão
Fala à miúda mas fá-la bem
Fala ao teu pai mas ouve a tua mãe
Fala franciú fala béu-béu
Fala fininho e fala grosso
desentulha a garganta levanta o pescoço
Fala como se falar fosse andar
fala com elegância muita e devagar.
Labels:
poemas
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Poemas Romanov, Granadinos Literários
(vrs inic)
Eu já sabia
Na verdade que não sabia
Entendo a palavra
Esperança que é lenta
Maria, João, João, Marco
O lento tem a ver
Com o anti-rápido
Eu, prescindo do rápido
Até prescindo do viver
Desde que...
Me expliquem
O rápido de ser
(vrs última)
Eu já sabia
que a palavra
esperança é lenta
lentérrima diz o malafiscas
com a perna esquerda
septicémica
e a mesa está lazarenta
monteiristicamente falando
e o lento continua
cada vez mais rápido
quero ser o anti-rápido
prescindo do viver
desde que…
me expliquem
o rápido de ser
é melhor que não me expliquem
vão mentir
preciso da minha barba branca
tenho quase direito a ela
Marco Dias
Eu, João
Duas palavras:
Diferentes
E simpático.
Da primeira
É um pouco simples.
Da segunda
Também é simples.
Mas
Peripatético
É muito RARO, irmão
Marco Dias
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Saudando a matéria que passa, liberta momentaneamente da alma esquecida
MOMENTO NUM CAFÉ
Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.
Manuel Bandeira, in ""Antologia Poética" (José Olympio Ed.)
Labels:
poemas
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Liberté
Sur mes cahiers d'écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable de neige
J'écris ton nom
Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J'écris ton nom
Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J'écris ton nom
Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l'écho de mon enfance
J'écris ton nom
Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J'écris ton nom
Sur tous mes chiffons d'azur
Sur l'étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J'écris ton nom
Sur les champs sur l'horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J'écris ton nom
Sur chaque bouffées d'aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J'écris ton nom
Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l'orage
Sur la pluie épaisse et fade
J'écris ton nom
Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J'écris ton nom
Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J'écris ton nom
Sur la lampe qui s'allume
Sur la lampe qui s'éteint
Sur mes raisons réunies
J'écris ton nom
Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J'écris ton nom
Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J'écris ton nom
Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J'écris ton nom
Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J'écris ton nom
Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attendries
Bien au-dessus du silence
J'écris ton nom
Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J'écris ton nom
Sur l'absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J'écris ton nom
Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l'espoir sans souvenir
J'écris ton nom
Et par le pouvoir d'un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer
Liberté
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable de neige
J'écris ton nom
Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J'écris ton nom
Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J'écris ton nom
Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l'écho de mon enfance
J'écris ton nom
Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J'écris ton nom
Sur tous mes chiffons d'azur
Sur l'étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J'écris ton nom
Sur les champs sur l'horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J'écris ton nom
Sur chaque bouffées d'aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J'écris ton nom
Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l'orage
Sur la pluie épaisse et fade
J'écris ton nom
Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J'écris ton nom
Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J'écris ton nom
Sur la lampe qui s'allume
Sur la lampe qui s'éteint
Sur mes raisons réunies
J'écris ton nom
Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J'écris ton nom
Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J'écris ton nom
Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J'écris ton nom
Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J'écris ton nom
Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attendries
Bien au-dessus du silence
J'écris ton nom
Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J'écris ton nom
Sur l'absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J'écris ton nom
Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l'espoir sans souvenir
J'écris ton nom
Et par le pouvoir d'un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer
Liberté
in Poésies et vérités, ,1942
Labels:
poemas
domingo, 13 de novembro de 2011
vagamente graça moura
«Arrumar papéis» é perceber que tudo o resto não só está desarrumado como é inarrumável. Apareceu-me este poema que julgo ser do Vasco Graça Moura. Noto o cuidado com que o transcrevi e a urgência (por pensar então que seria óbvia?) que conduziu ao anonimato autoral
Blues da morte de amor
já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de amores bem sucedidos,
depressões bem sincopadas, bem graves, minha querida.
Mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro minha querida.
a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.
há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurei, a ver fugir a escala
do clarinete - morrer ou não morrer, darling, ah, sim.
Labels:
poemas
não há clareiras em noites e madrugadas assim
NASCER DO DIA
Está bem, é dia - e que importância tem?
Ou, por isso, irás sair do meu lado?
Devemos levantar-nos só porque está luz?
Deitámo-nos nós porque era de noite?
O Amor, que apesar do escuro nos trouxe aqui,
Deverá, a despeito da luz, manter-nos juntos.
A luz não tem língua, é toda só olhos.
Se pudesse falar tão bem quanto espia,
O pior que diria é que, estando bem,
Eu quero gostosamente continuar
E que amo tanto o meu coração e honra
Que, de quem os guarda, não me apartaria.
São os negócios que daqui te afastam?
Oh, essa é a pior doença do amor:
O pobre, o louco, o falso, podem o amor
Acolher, mas nunca o homem atarefado.
Quem tem negócios e ama erra tanto
Quanto um homem casado que queira namorar.
(trad. Helena Barbas)
Labels:
poemas
sábado, 12 de novembro de 2011
prodígios e martírios não são chãos nem lhanos ...serão enganos?
Agora que tudo
está acabado
sei que o mundo
está errado
de braços atados
não posso dar abraços
de braços por atar
também não pude
mas talvez tudo mude
no outro mundo
e o outro mundo
seja no fundo
e não em cima
o maior mal
é não poder dançar
por por azar
não ter par
não é não poder dançar
por ter os pés no ar
nem é não ter pés
sem pés e ao colo
vai-se de Pólo a Pólo
medito e levito
porque sofro
porque morro
em vez de par
tive carrascos
em vez de dança
desconfiança
e agora que morro
penso que
sempre morri
sofrer é morrer
viver é ser feliz
uma vaca eleva-se no ar
e isso é um prodígio
a vaca espanta-se
e não gosta
quer as quatro patas no chão
quer o bafo da terra
quer as ervas
prodígios e martírios
não são chãos nem lhanos
são enganos
nada como estar deitada
numa cama lavada
com almofada
e de mão dada
é o amor que nos salva
não a palma
ou as palmas
o zum-zum dos besouros
à volta dos louros da coroa
atordoa a santa
como uma droga boa
para entorpecer
para não ser.
Adília Lopes, in "A Bela Acordada", Black Son Editores, 1997
está acabado
sei que o mundo
está errado
de braços atados
não posso dar abraços
de braços por atar
também não pude
mas talvez tudo mude
no outro mundo
e o outro mundo
seja no fundo
e não em cima
o maior mal
é não poder dançar
por por azar
não ter par
não é não poder dançar
por ter os pés no ar
nem é não ter pés
sem pés e ao colo
vai-se de Pólo a Pólo
medito e levito
porque sofro
porque morro
em vez de par
tive carrascos
em vez de dança
desconfiança
e agora que morro
penso que
sempre morri
sofrer é morrer
viver é ser feliz
uma vaca eleva-se no ar
e isso é um prodígio
a vaca espanta-se
e não gosta
quer as quatro patas no chão
quer o bafo da terra
quer as ervas
prodígios e martírios
não são chãos nem lhanos
são enganos
nada como estar deitada
numa cama lavada
com almofada
e de mão dada
é o amor que nos salva
não a palma
ou as palmas
o zum-zum dos besouros
à volta dos louros da coroa
atordoa a santa
como uma droga boa
para entorpecer
para não ser.
Adília Lopes, in "A Bela Acordada", Black Son Editores, 1997
Labels:
poemas
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Coprofagia
serei eu, ou seremos nós?
Coprofagia (assim como a coprofilia, também conhecido como scat), copro em latim significa "fezes" e fagia "ingestão" sendo assim: prática de ingestão de fezes. Isto ocorre naturalmente em algumas espécies de animais, como cães, gatos, insetos e aves. Relata-se também tal prática em seres humanos, porém sob a categorização de patologia de ordem psíquica, ou desvio sexual (variação da coprofilia). Existe farto material de ordem hedonista a respeito do tema, principalmente proveniente do oriente.
Em práticas de dominação sexual entre duas ou mais pessoas a pessoa dominante por vezes pode defecar sobre seu escravo, não só no corpo mas como também no rosto ou até dentro de sua boca obrigando-a até a ingerir suas fezes (da pessoa dominante), isto também é denominado "scatsex"
... e aqui chego a querer falar do que penso. nuvens de estação nenhuma; levezas de vida alguma. nada do que me move, coisa alguma do que me sofre ou faz sofrer. a vida tirou férias e eu convosco me irmano nesta mentira. diziam os outros (as verdades são assim, modestas em autorias) melhores dias virão... ao que acrescento: ou sim ou não! paradoxos à parte, vai tudo dar ao mesmo.
Coprofagia (assim como a coprofilia, também conhecido como scat), copro em latim significa "fezes" e fagia "ingestão" sendo assim: prática de ingestão de fezes. Isto ocorre naturalmente em algumas espécies de animais, como cães, gatos, insetos e aves. Relata-se também tal prática em seres humanos, porém sob a categorização de patologia de ordem psíquica, ou desvio sexual (variação da coprofilia). Existe farto material de ordem hedonista a respeito do tema, principalmente proveniente do oriente.
Em práticas de dominação sexual entre duas ou mais pessoas a pessoa dominante por vezes pode defecar sobre seu escravo, não só no corpo mas como também no rosto ou até dentro de sua boca obrigando-a até a ingerir suas fezes (da pessoa dominante), isto também é denominado "scatsex"
... e aqui chego a querer falar do que penso. nuvens de estação nenhuma; levezas de vida alguma. nada do que me move, coisa alguma do que me sofre ou faz sofrer. a vida tirou férias e eu convosco me irmano nesta mentira. diziam os outros (as verdades são assim, modestas em autorias) melhores dias virão... ao que acrescento: ou sim ou não! paradoxos à parte, vai tudo dar ao mesmo.
Labels:
desabafos
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Burguesias
(...) os gatos são os únicos burgueses
com que ainda é possível pactuar -
vêem com tal desprezo esta sociedade capitalista!
Servem-se dela, mas do alto, desdenhando-a ...
Não, a probabilidade do dinheiro ainda não estragou inteiramente o gato
mas de gato para cima - nem pensar nisso é bom!
(...)
O pouco amor que eu tive à burguesia
deixei-o todo numa casa de passe
quando me perguntaram: quer assim? Ou assim?
E agora, era fatal, falto ao escritório,
falto ao escritório, pontualmente, todas as manhãs
excerto de "Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos", in "Nobilíssima Visão" de Mário Cesariny de Vasconcelos
Raio de Luz
Burgueses somos nós todos
ou ainda menos.
Burgueses somos nós todos
desde pequenos.
Burgueses somos nós todos
ó literatos.
Burgueses somos nós todos
ratos e gatos.
Burgueses somos nós todos
por nossas mãos.
Burgueses somos nós todos
que horror irmãos.
Burgueses somos nós todos
ou ainda menos
Burgueses somos nós todos
desde pequenos.
Id., Ibid.
com que ainda é possível pactuar -
vêem com tal desprezo esta sociedade capitalista!
Servem-se dela, mas do alto, desdenhando-a ...
Não, a probabilidade do dinheiro ainda não estragou inteiramente o gato
mas de gato para cima - nem pensar nisso é bom!
(...)
O pouco amor que eu tive à burguesia
deixei-o todo numa casa de passe
quando me perguntaram: quer assim? Ou assim?
E agora, era fatal, falto ao escritório,
falto ao escritório, pontualmente, todas as manhãs
excerto de "Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos", in "Nobilíssima Visão" de Mário Cesariny de Vasconcelos
Raio de Luz
Burgueses somos nós todos
ou ainda menos.
Burgueses somos nós todos
desde pequenos.
Burgueses somos nós todos
ó literatos.
Burgueses somos nós todos
ratos e gatos.
Burgueses somos nós todos
por nossas mãos.
Burgueses somos nós todos
que horror irmãos.
Burgueses somos nós todos
ou ainda menos
Burgueses somos nós todos
desde pequenos.
Id., Ibid.
Labels:
poemas
quarta-feira, 12 de outubro de 2011
... de passagem
Passing By
Zero 7
I don't think you love me
Confusion settling in
I don't think I'll be staying
Around here, anymore
There's no question that I love you
But I'm living in my own time
And here I am debating
Whether I'm wrong, or right
Who am I
To make a judgement of
Your life
I'm only
Passing by
Passing by
All the promises I gave you
Helped me to survive
And all the times I wished you'd save me
You were the love of my life
Who am I
To make a judgement of
Your life
I'm only
Passing by
Passing by
Who am I
To make a judgement of
Your life
I'm only
Passing by
Passing by
Who am I
To make a judgement of
Your life
I'm only
Passing by
Passing by
I'm only passing by ...
Labels:
músicas
Cesariny vs Pessoa(s)
NOTA À INTRODUÇÃO
Pinar só co'a cabeça
É protérrima noção
Ca Literatura começa
Ter em muita aceitação.
Entrada a tola entra tudo: taco
Tórax e veio.
Se não couber no buraco
Racha-se o buraco ao meio.
- Nem rachar será preciso;
Só rasgar um bocadinho.
Como na árvore, inciso,
O nome do passarinho.
É IMPORTANTE FODER
É importate foder (ou não foder)?
É evidente que não, não é importante.
Fode quem fode e não fode quem não quer.
Com isso ninguém tem nada
Mas mesmo nada
A ver.
O que um tanto me tolhe é não poder confiar
Numa coisa que estica e depois encolhe,
Uma coisa que é mole e se põe a endurar e
A dilatar a dilatar
Até não se poder nem deixar andar
Para depois se sumir
E dar vontade de rir e d'ir urinar.
Isso eu o quiz dizer naquelo verso louco que tenho ao pé:
«O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é»
Verso que, como sempre, terá ficado por perceber (por mim até).
Labels:
poemas
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
dois poemas de Alvaro Mutis
AMÉN
Que te acoja la muerte
con todos tus sueños intactos.
Al retorno de una furiosa adolescencia,
al comienzo de las vacaciones que nunca te dieron,
te distinguirá la muerte con su primer aviso.
Te abrirá los ojos a sus grandes aguas,
te iniciará en su constante brisa de otro mundo.
La muerte se confundirá con tus sueños
y en ellos reconocerá los signos
que antaño fuera dejando,
como un cazador que a su regreso
reconoce sus marcas en la brecha
con todos tus sueños intactos.
Al retorno de una furiosa adolescencia,
al comienzo de las vacaciones que nunca te dieron,
te distinguirá la muerte con su primer aviso.
Te abrirá los ojos a sus grandes aguas,
te iniciará en su constante brisa de otro mundo.
La muerte se confundirá con tus sueños
y en ellos reconocerá los signos
que antaño fuera dejando,
como un cazador que a su regreso
reconoce sus marcas en la brecha
DOSCIENTOS CUATRO
la voz de los hoteles,
de los cuartos aún sin arreglar,
los diálogos en los oscuros pasillos que adornan
una raída alfombra escarlata,
por donde se apresuran los sirvientes que salen
al amanecer como espantados murciélagos.
Escucha Escucha Escucha
los murmullos en la escalera; las voces que vienen
de la cocina, donde se fragua un agrio olor
a comida que muy pronto estará en todas partes,
el ronroneo de los ascensores
Escucha Escucha Escucha48
a la hermosa inquilina del 204 que despereza
sus miembros y se queja y extiende su viuda desnudez
sobre la cama. De su cuerpo sale un vaho tibio
de campo recién llovido.
¡Ay qué tránsito el de sus noches tremolantes
como las banderas en los estadios!
Escucha Escucha Escucha
el agua que gotea en los laboratorios, en las gradas
que invade un resbaloso y maloliente verdín.
Nada hay sino una sombra, una tibia y espesa
sombra que todo lo cubre.
Sobre esas losas –cuando el mediodía siembre de
monedas el mugriento piso— su cuerpo inmenso y
/blanco
sabrá moverse, dócil para las lides del tálamo y
/conocedor
de los más variados caminos. El agua lavará la
/impureza
y renovará las fuentes del deseo.
Escucha Escucha Escucha
la incansable viajera, ella abre las ventanas y aspira
el aire que viene de la calle. Un desocupado la silba
desde la acera del frente y ella estremece
sus flancos en respuesta a incógnito llamado.49
del granizo al terciopelo
del terciopelo a los orinales
de los orinales al río
del río a las amargas algas
de las algas amargas a la ortiga
de la ortiga al granizo
del granizo al terciopelo
del terciopelo al hotel
Escucha Escucha Escucha
la oración matinal de la inquilina
su grito que recorre los pasillos
y despierta despavoridos a los durmientes,
el grito del 204:
¡Señor, Señor, por qué me has abandonado!
I
Escucha Escucha Escuchala voz de los hoteles,
de los cuartos aún sin arreglar,
los diálogos en los oscuros pasillos que adornan
una raída alfombra escarlata,
por donde se apresuran los sirvientes que salen
al amanecer como espantados murciélagos.
Escucha Escucha Escucha
los murmullos en la escalera; las voces que vienen
de la cocina, donde se fragua un agrio olor
a comida que muy pronto estará en todas partes,
el ronroneo de los ascensores
Escucha Escucha Escucha48
a la hermosa inquilina del 204 que despereza
sus miembros y se queja y extiende su viuda desnudez
sobre la cama. De su cuerpo sale un vaho tibio
de campo recién llovido.
¡Ay qué tránsito el de sus noches tremolantes
como las banderas en los estadios!
Escucha Escucha Escucha
el agua que gotea en los laboratorios, en las gradas
que invade un resbaloso y maloliente verdín.
Nada hay sino una sombra, una tibia y espesa
sombra que todo lo cubre.
Sobre esas losas –cuando el mediodía siembre de
monedas el mugriento piso— su cuerpo inmenso y
/blanco
sabrá moverse, dócil para las lides del tálamo y
/conocedor
de los más variados caminos. El agua lavará la
/impureza
y renovará las fuentes del deseo.
Escucha Escucha Escucha
la incansable viajera, ella abre las ventanas y aspira
el aire que viene de la calle. Un desocupado la silba
desde la acera del frente y ella estremece
sus flancos en respuesta a incógnito llamado.49
II
De la ortiga al granizodel granizo al terciopelo
del terciopelo a los orinales
de los orinales al río
del río a las amargas algas
de las algas amargas a la ortiga
de la ortiga al granizo
del granizo al terciopelo
del terciopelo al hotel
Escucha Escucha Escucha
la oración matinal de la inquilina
su grito que recorre los pasillos
y despierta despavoridos a los durmientes,
el grito del 204:
¡Señor, Señor, por qué me has abandonado!
Labels:
poemas
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Arnaldo Antunes
macha
fêmeo
macha
fêmeo
fêmeo
macha
cérebra caralha baga saca pescoça prepúcia ossa
nádego boceto têto côxo vagino cabeço boco
corpa moço dentra foro moça
orgasma coita palavro sexa goza
liberal gerou
macha
fêmeo
macha
fêmeo
fêmeo
macha
fígada barrigo umbiga perno braça unho mucoso
axilo nerva pela veio cabela narino porro
corpa moço dentra foro moça
orgasma coita palavro sexa goza
liberal gerou
calço terna saio camiseto vestida cueco bluso
meio sandálio calcinho cinta sapata casaca luvo
corpa moço dentra foro moça
orgasma coita palavro sexa goza
liberal gerou
Labels:
músicas
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
Erotismo Religioso
Bernini "Êxtase de Santa Teresa"
Esta divina prisión
del amor con que yo vivo
ha hecho a Dios mi cautivo,
y libre mi corazón;
y causa en mí tal pasión
ver a Dios mi prisionero,
que muero porque no muero.
"Vivo sin vivir en mí"
Vivo sin vivir en mí,
y de tan alta vida espero
que muero porque no muero.
y de tan alta vida espero
que muero porque no muero.
Vivo ya fuera de mí
después que muero de amor;
porque vivo en el Señor,
que me quiso para sí;
cuando el corazón le di
puse en él este letrero:
que muero porque no muero.
después que muero de amor;
porque vivo en el Señor,
que me quiso para sí;
cuando el corazón le di
puse en él este letrero:
que muero porque no muero.
Esta divina prisión
del amor con que yo vivo
ha hecho a Dios mi cautivo,
y libre mi corazón;
y causa en mí tal pasión
ver a Dios mi prisionero,
que muero porque no muero.
¡Ay, qué larga es esta vida!
¡Qué duros estos destierros,
esta cárcel, estos hierros
en que el alma está metida!
Sólo esperar la salida
me causa dolor tan fiero,
que muero porque no muero.
¡Qué duros estos destierros,
esta cárcel, estos hierros
en que el alma está metida!
Sólo esperar la salida
me causa dolor tan fiero,
que muero porque no muero.
¡Ay, qué vida tan amarga
do no se goza el Señor!
Porque si es dulce el amor,
no lo es la esperanza larga.
Quíteme Dios esta carga,
más pesada que el acero,
que muero porque no muero.
do no se goza el Señor!
Porque si es dulce el amor,
no lo es la esperanza larga.
Quíteme Dios esta carga,
más pesada que el acero,
que muero porque no muero.
Sólo con la confianza
vivo de que he de morir,
porque muriendo, el vivir
me asegura mi esperanza.
Muerte do el vivir se alcanza,
no te tardes, que te espero,
que muero porque no muero.
vivo de que he de morir,
porque muriendo, el vivir
me asegura mi esperanza.
Muerte do el vivir se alcanza,
no te tardes, que te espero,
que muero porque no muero.
Mira que el amor es fuerte,
vida, no me seas molesta;
mira que sólo te resta,
para ganarte, perderte.
Venga ya la dulce muerte,
el morir venga ligero,
que muero porque no muero.
vida, no me seas molesta;
mira que sólo te resta,
para ganarte, perderte.
Venga ya la dulce muerte,
el morir venga ligero,
que muero porque no muero.
Aquella vida de arriba
es la vida verdadera;
hasta que esta vida muera,
no se goza estando viva.
Muerte, no me seas esquiva;
viva muriendo primero,
que muero porque no muero.
es la vida verdadera;
hasta que esta vida muera,
no se goza estando viva.
Muerte, no me seas esquiva;
viva muriendo primero,
que muero porque no muero.
Vida, ¿qué puedo yo darle
a mi Dios, que vive en mí,
si no es el perderte a ti
para mejor a Él gozarle?
Quiero muriendo alcanzarle,
pues tanto a mi Amado quiero,
que muero porque no muero.
a mi Dios, que vive en mí,
si no es el perderte a ti
para mejor a Él gozarle?
Quiero muriendo alcanzarle,
pues tanto a mi Amado quiero,
que muero porque no muero.
Santa Teresa de Ávila (1515-1582)
Labels:
Poemas.Sexualidades
Mario Benedetti
Adioses
Siempre me entristecen los adioses
Siempre me entristecen los adioses
así fueran de santos o de crápulas
alguna vez yo los abandonaba
otras veces me abandonaban ellos
en pleno corazón tengo un catálogo
de los que allí pasaron una noche
de los que hicieron cola de aburridos
de los que en el amor se conmovieron
las despedidas saben a burbujas
que apenas duran / sólo las usamos
como una desazón efervescente
que emigra con los pájaros que emigran
qué pena / de las manos que he adiestrado
sólo una sabe decir adiós
y me presta su ayuda si me alejo
de tus ojos tus pechos y tus labios
Mario Benedetti., in “Insomnio y duermevelas”
Labels:
poemas
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Uma historinha do Cruz...
... a nossa cruz de assim sermos homens e mulheres
Uma Historinha
Foge Foge Bandido
primeira memória
na banheira a tomar banho
de imersão
com quatro anos
apenas elaborei
a pergunta:
mamã, porque
é que sempre que
vejo uma mulher nua a
minha pila cresce?
inocência
é quase como demência
doce demência
e agora esse gorila já não
dorme
eu e os meus amigos
temos fome
vamos como à caça pela rua
procurar sabor
para a nossa carne
crua
somos os messias do pénis
dentro dos nossos
armários vários
ele gosta de se vir na boca dela
ela gosta de levar uma estalada
ele espreita-as da janela
ela quer uma família
sexo anal pela manhã
ele gosta mesmo é da irmã
ela vê pornografia
e mesmo assim à luz do dia
os dois esperam uma vida sã
fui programado
para me vir
Labels:
músicas,
Sexualidades
Like A Rolling Stone
Like A Rolling Stone
Bob Dylan
Bob Dylan
Once upon a time you dressed so fine
You threw the bums a dime in your prime, didn't you ?
People'd call, say, "Beware doll, you're bound to fall"
You thought they were all kiddin' you
You used to laugh about
Everybody that was hangin' out
Now you don't talk so loud
Now you don't seem so proud
About having to be scrounging for your next meal.
How does it feel
How does it feel
To be without a home
Like a complete unknown
Like a rolling stone ?
You've gone to the finest school all right, Miss Lonely
But you know you only used to get juiced in it
And nobody has ever taught you how to live on the street
And now you find out you're gonna have to get used to it
You said you'd never compromise
With the mystery tramp, but know you realize
He's not selling any alibis
As you stare into the vacuum of his eyes
And say do you want to make a deal?
How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone ?
You never turned around to see the frowns on the jugglers and the clowns
When they all come down and did tricks for you
You never understood that it ain't no good
You shouldn't let other people get your kicks for you
You used to ride on the chrome horse with your diplomat
Who carried on his shoulder a Siamese cat
Ain't it hard when you discover that
He really wasn't where it's at
After he took from you everything he could steal.
How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone ?
Princess on the steeple and all the pretty people
They're drinkin', thinkin' that they got it made
Exchanging all precious gifts
But you'd better take your diamond ring, you'd better pawn it babe
You used to be so amused
At Napoleon in rags and the language that he used
Go to him now, he calls you, you can't refuse
When you got nothing, you got nothing to lose
You're invisible now, you got no secrets to conceal.
How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone ?
You threw the bums a dime in your prime, didn't you ?
People'd call, say, "Beware doll, you're bound to fall"
You thought they were all kiddin' you
You used to laugh about
Everybody that was hangin' out
Now you don't talk so loud
Now you don't seem so proud
About having to be scrounging for your next meal.
How does it feel
How does it feel
To be without a home
Like a complete unknown
Like a rolling stone ?
You've gone to the finest school all right, Miss Lonely
But you know you only used to get juiced in it
And nobody has ever taught you how to live on the street
And now you find out you're gonna have to get used to it
You said you'd never compromise
With the mystery tramp, but know you realize
He's not selling any alibis
As you stare into the vacuum of his eyes
And say do you want to make a deal?
How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone ?
You never turned around to see the frowns on the jugglers and the clowns
When they all come down and did tricks for you
You never understood that it ain't no good
You shouldn't let other people get your kicks for you
You used to ride on the chrome horse with your diplomat
Who carried on his shoulder a Siamese cat
Ain't it hard when you discover that
He really wasn't where it's at
After he took from you everything he could steal.
How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone ?
Princess on the steeple and all the pretty people
They're drinkin', thinkin' that they got it made
Exchanging all precious gifts
But you'd better take your diamond ring, you'd better pawn it babe
You used to be so amused
At Napoleon in rags and the language that he used
Go to him now, he calls you, you can't refuse
When you got nothing, you got nothing to lose
You're invisible now, you got no secrets to conceal.
How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone ?
Labels:
músicas
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
Misery Is A Butterfly
imagens do filme "À Bout de Souffle" de Godard (1959)
Misery Is A Butterfly
Blonde Redhead
Dearest Jane I should’ve known better
But I couldn’t say hello, I didn’t know why
But now I think, I think you were sad
Yes you were, you were, you were
What I say, I say only to you
Cause I love and I love only you
Dearest Jane, I want to give you a dream
That no one has given you
Remember when we found misery
We watched her, watched her spread her wings
And slowly fly around our room
And she asked for your gentle mind
Misery is a butterfly
Her heavy wings will warp your mind
With her small ugly face
And her long antenna
And her black and pink heavy wings
Remember when we found misery
We watched her, watched her spread her wings
And slowly fly around our room
And she asked for your gentle mind
Labels:
músicas
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Carlos de Oliveira
(...) 12) Diálogo entre personagens de romance:
- Só o osso, o que em nós é duro, resistente, dá algum sentido (muito relativo) a palavras como eternidade, alma, tempo. Não há outra metafísica possível senão essa. Acredita. A do osso, a do cálcio. Embora me acuses de utilizar termos pouco nobres ao expô-la. Mas porquê? A D. Nobreza, a D. Linguagem com soutiens de lata, é que trama tudo.
- Se não sabes nadar, porque te atiras à água ?
- Porque nado doutra maneira. Porque me estou bugiando para as bóias e os nadadores convencionais. Porque em última análise não nascemos para nadar. Aí tens. Nascemos para ir ao fundo. Eu explico-te melhor a minha teoria. Osso, cálcio. A palavra cálcio subdivide-se noutras duas: cal e cio. Pode não ser uma descoberta importante mas aposto que não tinhas reparado nisso. O mineral e o animal ao mesmo tempo. Quando o cio, o tutano, o animal, se decompõe e desaparece, fica o mineral, a nossa durabilidade extrema, a nossa resistência ao tempo. Só ele faz pensar um pouco na eternidade, vista do ângulo que te interessa.
- Interessar-me uma aproximação duvidosa e inerte (repara bem, inerte) da eternidade? A mim? Estás enganado. O osso, bolas para o osso, não tem consciência.
- De facto não tem. Mas que diabo há em ti de mais duradoiro, mais eterno, do que ele? A tua alma ou é esse resíduo de pedra ou não é nada.
excerto de "Almanaque Literário", in "O Aprendiz de Feiticeiro"
Labels:
Carlos de Oliveira
quarta-feira, 27 de julho de 2011
Vasco Graça Moura, Pavese, Vailland e eu mesmo
Nunca imaginei a morte de Pavese. Talvez porque nunca me libertei da sua vida, ou melhor, dos seus fragmentos. A atestá-lo, o facto tão improvável de ter sido o "Ofício de Viver" um dos raríssimos livros a ter sobrevivido fisicamente a tantos naufrágios...
São menos de 400 páginas e 15 anos de uma voz assim (escrita). Curioso o facto de Pavese ter aderido ao PC no ano em que se suicidou. A questão lá está ( e o Vailland do "Um Homem Só" já nos tinha alertado e só não pensou ou sentiu isso quem não quer saber ou não é dado a assombrações. De resto também ele nos tinha dado (escrito) o conceito de "homem de qualidade". A despropósito: traduziu-se "Un Jeune homme seul" por "Um Homem Só"; enormíssima dificuldade que também eu não saberia resolver...
Voltando ao "Ofício de Viver", que para mim é o que acima mostro (da Portugália), com aquela tão acertada capa, continuará a acompanhar-me tão cheio de notas, de sublinhados e de marcas, que um dia se tornará ilegível ou será, enfim, pousado numa mesa de cabeceira num qualquer quarto de aluguer
terça-feira, 26 de julho de 2011
em 61 (ano que nasci) e, mais tarde, em infinitas tardes de muito sol e olhar límpido de sal
A Invenção do Amor
Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares, à porta dos edifícios públicos, nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor
Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana
Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração
e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio
A descoberta
A estranheza
de um sorriso natural e inesperado
Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
Embora subterrâneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo
Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou
A TV denúncia
iminente a captura
A policia de costumes avisada
procura as dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique
Antes que a invenção do amor se processe em cadeia
Há pesadas sanções paras os que auxiliarem os fugitivos
Chamem as tropas aquarteladas na província
convoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passiva
Todos
Decrete-se a lei marcial com todas as suas consequências
O perigo justifica-o
Um homem e uma mulher
conheceram-se, amaram-se, perderam-se no labirinto da cidade
É indispensável encontrá-los, dominá-los, convencê-los
antes que seja demasiado tarde
e a memória da infância nos jardins escondidos
acorde a tolerância no coração das pessoas
Fechem as escola
Sobretudo protejam as crianças da contaminação
Uma agência comunica que algures ao sul do rio
um menino pediu uma rosa vermelha
e chorou nervosamente porque lha recusaram
Segundo o director da sua escola é um pequeno triste
Inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razão
Aplicado no entanto
Respeitador da disciplina
Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos
Ainda bem que se revelou a tempo
Vai ser internado
e submetido a um tratamento especial de recuperação
Mas é possível que haja outros. É absolutamente vital
que o diagnóstico se faça no período primário da doença
E também que se evite o contágio com o homem e a mulher
de que se fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade
Está em jogo o destino da civilização que construímos
o destino das máquinas das bombas de hidrogénio
das normas de discriminação racial
o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos
a verdade incontroversa das declarações políticas
Procurem os guardas dos antigos universos concentracionários
precisamos da sua experiência onde: quer que se escondam
ao temor do castigo
Que todos estejam a postos
Vigilância é a palavra de ordem
Atenção ao homem e à mulher de que se fala nos cartazes
À mais ligeira dúvida não hesitem denunciem
Telefonem à policia ao comissariado ao Governo Civil
não precisam de dar o nome e a morada
e garante-se que nenhuma perseguição será movida
nos casos em que a denúncia venha a verificar-se falsa
Organizem em cada bairro em cada rua em cada prédio
comissões de vigilância. Está em jogo a cidade,
o país, a civilização do ocidente
esse homem e essa mulher têm de ser presos
mesmo que para isso tenhamos de recorrer às medidas mais drásticas
Por decisão governamental estão suspensas as liberdades individuais
a inviolabilidade do domicílio, o habeas corpus, o sigilo da correspondência
Em qualquer parte da cidade um homem e uma mulher amam-se ilegalmente
espreitam a rua pelo intervalo das persianas
beijam-se, soluçam baixo e enfrentam a hostilidade nocturna
É preciso encontrá-los
É indispensável descobri-los
Escutem cuidadosamente a todas as portas antes de bater
É possível que cantem
Mas defendam-se de entender a sua voz
Alguém que os escutou
deixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas
E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra
respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz
Lhe lembravam a infância
Campos verdes floridos
Água simples correndo
A brisa nas montanhas
Foi condenado à morte é evidente
É preciso evitar um mal maior
Mas caminhou cantando para o muro da execução
foi necessário amordaçá-lo e mesmo assim desprendia-se dele
um misterioso halo de uma felicidade incorrupta
Impõe-se sistematizar as buscas
Não vale a pena procurá-los
nos campos de futebol, no silêncio das igrejas, nas boites com orquestra privativa
Não estarão nunca aí
Procurem-nos nas ruas suburbanas onde nada acontece
A identificação é fácil
Onde estiverem estará também pousado sobre a porta
um pássaro desconhecido e admirável
ou florirá na soleira a mancha vegetal de uma flor luminosa,
Será então aí
Engatilhem as armas, invadam a casa, disparem à queima roupa
Um tiro no coração de cada um
Vê-los-ão possivelmente dissolver-se no ar
Mas estará completo o esconjuro
e podereis voltar alegremente para junto dos filhos da mulher
Mais ai de vós se sentirdes de súbito o desejo de deixar correr o pranto
Quer dizer que fostes contagiados
Que estais também perdidos para nós
É preciso nesse caso ter coragem para desfechar na fronte
o tiro indispensável
Não há outra saída
A cidade o exige
Se um homem de repente interromper as pesquisas
e perguntar quem é e o que faz ali de armas na mão
já sabeis o que tendes a fazer
Matai-o
Amigo irmão que seja
Matai-o
Mesmo que tenha comido à vossa mesa e crescido a vosso lado
Matai-o
Talvez que ao enquadrá-lo na mira da espingarda
os seus olhos vos fitem com sobre-humana náusea
e deslizem depois numa tristeza liquida
até ao fim da noite
Evitai o apelo a prece derradeira
um só golpe mortal misericordioso basta
para impor o silêncio secreto e inviolável
Procurem a mulher o homem que num bar
de hotel se encontraram numa tarde de chuva
Se tanto for preciso estabeleçam barricadas
senhas, salvo-condutos, horas de recolher
censura prévia à Imprensa tribunais de excepção
Para bem da cidade, do país, da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com carácter de urgência
Os jornais da manhã publicam a notícia
de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acácias
Um velho sem família, a testemunha diz
ter sentido de súbito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescência longínqua
No inquérito oficial atónito afirmou
que o homem e a mulher tinham estrelas na fronte
e caminhavam envoltos numa cortina de música
com gestos naturais alheios
Crê-se
que a situação vai atingir o climax
e a polícia poderá cumprir o seu dever
Um homem uma mulher, um cartaz de denúncia
A voz do locutor definitiva nítida
Manchetes cor de sangue no rosto dos jornais
É PRECISO ENCONTRÁ-LOS ANTES QUE SEJA TARDE
Já não basta o silêncio, a espera conivente, o medo inexplicado
a vida igual a sempre, conversas de negócios
esperanças de emprego, contrabando de drogas, aluguer de automóveis
Já não basta ficar frente ao copo vazio no café povoado
ou marinheiro em terra afogar a distância
no corpo sem mistério, da prostituta anónima
Algures no labirinto da cidade um homem e uma mulher
amam-se espreitam a rua pelo intervalo das persianas
constroem com urgência um universo do amor
E é preciso encontrá-los
E é preciso encontrá-los
Importa perguntar em que rua se escondem
em que lugar oculto permanecem resistem
sonham meses futuros, continentes à espera
Em que sombra se apagam em que suave e cúmplice
abrigo fraternal deixam correr o tempo
de sentidos cerrados ao estrépito das armas
Que mãos desconhecidas apertam as suas
no silêncio pressago da cidade inimiga
Onde quer que desfraldem o cântico sereno
rasgam densos limites entre o dia e a noite
E é preciso ir mais longe
destruir para sempre o pecado da infância
erguer muros de prisão em circulos fechados
impor a violência a tirania o ódio
Entanto das esquinas escorre em letras enormes
a denúncia total do homem da mulher
que no bar em penumbra numa tarde de chuva
inventaram o amor com carácter de urgência
COMUNICADO GOVERNAMENTAL À IMPRENSA
Por diversas razões sabe-se que não deixaram a cidade
o nosso sistema policial é óptimo estão vigiadas todas as saídas
encerramos o aeroporto patrulhamos os cais
há inspectores disfarçados em todas as gares de caminhos de ferro
É na cidade que é preciso procurá-los
incansavelmente sem desfalecimentos
Uma tarefa para um milhão de habitantes
todos são necessários
todos são necessários
Não sem preocupem com os gastos a Assembleia votou um crédito especial
e o ministro das Finanças
tem já prontas as bases de um novo imposto de Salvação Pública
Depois das seis da tarde é proibido circular
Avisa-se a população de que as forças da ordem
atirarão sem prevenir sobre quem quer que seja
depois daquela hora Esta madrugada por exemplo
uma patrulha da Guarda matou no Cais da Areia
um marinheiro grego que regressava ao seu navio
Quando chegaram junto dele acenou aos soldados
disse qualquer coisa em voz baixa e fechou os olhos e morreu
Tinha trinta anos e uma família à espera numa aldeia do Peloponeso
O cônsul tomou conhecimento da ocorrência e aceitou as desculpas
do Governo pelo engano cometido
Afinal tratava-se apenas de um marinheiro qualquer
Todos compreenderam que não era caso para um protesto diplomático
e depois o homem e a mulher que a policia procura
representam um perigo para nós e para a Grécia
para todos os países do hemisfério ocidental
Valem bem o sacrifício de um marinheiro anónimo
que regressava ao seu navio depois da hora estabelecida
sujo insignificante e porventura bêbado
SEGUE-SE UM PROGRAMA DE MÚSICA DE DANÇA
Divirtam-se atordoem-se mas não esqueçam o homem e a mulher
Escondidos em qualquer parte da cidade
Repete-se é indispensável encontrá-los
Um grupo de cidadãos de relevo ofereceu uma importante recompensa
destinada a quem prestar informações que levem à captura do casal fugitivo
Apela-se para o civismo de todos os habitantes
A questão está posta É preciso resoIvê-la
para que a vida reentre na normalidade habitual
Investigamos nos arquivos Nada consta
Era um homem como qualquer outro
com um emprego de trinta e oito horas semanais
cinema aos sábados à noite
domingos sem programa
e gosto pelos livros de ficção cientifica
Os vizinhos nunca notaram nada de especial
vinha cedo para casa
não tinha televisão,
deitava-se sobre a cama logo após o jantar
e adormecia sem esforço
Não voltou ao emprego o quarto está fechado
deixou em meio as «Crónicas marcianas»
perdeu-se precipitadamente no labirinto da cidade
à saída do hotel numa tarde de chuva
O pouco que se sabe da mulher autoriza-nos a crer
que se trata de uma rapariga até aqui vulgar
Nenhum sinal característico nenhum hábito digno de nota
Gostava de gatos dizem Mas mesmo isso não é certo
Trabalhava numa fábrica de têxteis como secretária da gerência
era bem paga e tinha semana inglesa
passava as férias na Costa da Caparica.
Ninguém lhe conhecia uma aventura
Em quatro anos de emprego só faltou uma vez
quando o pai sofreu um colapso cardíaco
Não pedia empréstimos na Caixa Usava saia e blusa
e um impermeável vermelho no dia em que desapareceu
Esperam por ela em casa: duas cartas de amigas
o último número de uma revista de modas
a boneca espanhola que lhe deram aos sete anos
Ficou provado que não se conheciam
Encontraram-se ocasionalmente num bar de hotel numa tarde de chuva
sorriram inventaram o amor com carácter de urgência
mergulharam cantando no coração da cidade
Importa descobri-los onde quer que se escondam
antes que seja demasiado tarde
e o amor como um rio inunde as alamedas
praças becos calçadas quebrando nas esquinas
Já não podem escapar Foi tudo calculado
com rigores matemáticos Estabeleceu-se o cerco
A policia e o exército estão a postos Prevê-se
para breve a captura do casal fugitivo
(Mas um grito de esperança inconsequente vem
do fundo da noite envolver a cidade
au bout du chagrin une fenêtre ouverte
une fenêtre eclairée)
Daniel Filipe
Labels:
poemas
Subscrever:
Mensagens (Atom)