domingo, 13 de novembro de 2011

vagamente graça moura



   «Arrumar papéis» é perceber que tudo o resto não só está desarrumado como é inarrumável. Apareceu-me este poema que julgo ser do Vasco Graça Moura. Noto o cuidado com que o transcrevi e a urgência (por pensar então que seria óbvia?) que conduziu ao anonimato autoral


Blues da morte de amor

já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de amores bem sucedidos,
depressões bem sincopadas, bem graves, minha querida.
Mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro minha querida.

a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.

há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurei, a ver fugir a escala
do clarinete - morrer ou não morrer, darling, ah, sim.

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