quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Carlos de Oliveira




(...) 12) Diálogo entre personagens de romance:
        - Só o osso, o que em nós é duro, resistente, dá algum sentido (muito relativo) a palavras como eternidade, alma, tempo. Não há outra metafísica possível senão essa. Acredita. A do osso, a do cálcio. Embora me acuses de utilizar termos pouco nobres ao expô-la. Mas porquê? A D. Nobreza, a D. Linguagem com soutiens de lata, é que trama tudo.
        - Se não sabes nadar, porque te atiras à água ?
        - Porque nado doutra maneira. Porque me estou bugiando para as bóias e os nadadores convencionais. Porque em última análise não nascemos para nadar. Aí tens.  Nascemos para ir ao fundo. Eu explico-te melhor a minha teoria. Osso, cálcio. A palavra cálcio subdivide-se noutras duas: cal e cio. Pode não ser uma descoberta importante mas aposto que não tinhas reparado nisso. O mineral e o animal ao mesmo tempo. Quando o cio, o tutano, o animal, se decompõe e desaparece, fica o mineral, a nossa durabilidade extrema, a nossa resistência ao tempo. Só ele faz pensar um pouco na eternidade, vista do ângulo que te interessa.
        - Interessar-me uma aproximação duvidosa e inerte (repara bem, inerte) da eternidade? A mim? Estás enganado. O osso, bolas para o osso, não tem consciência.
        - De facto não tem. Mas que diabo há em ti de mais duradoiro, mais eterno, do que ele? A tua alma ou é esse resíduo de pedra ou não é nada.

excerto de "Almanaque Literário", in "O Aprendiz de Feiticeiro"

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