José António Saraiva, para quem não saiba é director do semanário «O Sol». José António Saraiva, para quem não saiba foi, durante anos, director do semanário «Expresso», José António Saraiva para quem ainda se lembre (eu, graças a deus, nem por isso) previu futura atribuição do Prémio Nobel da Literatura à sua pessoa (ou seria obra?). José António Saraiva existe. Mesmo.
José António Saraiva escreveu uma crónica (ou seria editorial?) sobre a «homosexualidade» onde desenvolvia opiniões bastante singulares... ao ler esta autêntica pilosa diatribe compreendi, finalmente, para que servem os pêlos do ânus.
A MARAVILHOSA MÁQUINA HUMANA, por José António Saraiva
Num concurso televisivo perguntaram a um concorrente quais eram os cinco sentidos. Sentado comodamente no sofá, fiz a pergunta a mim próprio e foi preciso algum esforço para recordar: a vista, o ouvido, o tacto, o olfacto e o… paladar. E isto levou-me a pensar no corpo e nas suas particularidades.
É um esforço de leigo, com os enormes riscos de erro inerentes.
Comecei por me interrogar: por que razão uma pessoa espirra? Diz-se que é um sinal de constipação ou «uma reacção alérgica». Mas eu julgo que é para expulsar impurezas que tenham entrado (ou se tenham formado) nas vias respiratórias. Quando inspiramos pó, espirramos. O espirro é, pois, uma espécie de ‘desentupidor de canos’.
Já agora, os pêlos à entrada das narinas existem, como é óbvio, para proteger as vias respiratórias dos ‘intrusos’. Aliás, por essa razão, todos os orifícios do nosso corpo têm pêlos à entrada.
As pestanas são uma espécie de ‘cortinas’ para proteger os olhos. Bem sabemos como é incómodo ter um grão de areia, por mais ínfimo que seja, dentro da vista.
Só a boca não é protegida por pêlos, dado o papel que desempenha (entrada de alimentos). Mas, mesmo assim, os longos bigodes e barbas, como tinham os antigos, formavam um autêntico reposteiro à frente dos lábios.
O tema dos pêlos – aos quais a nossa sociedade declarou guerra, a avaliar pela multiplicação das casas de depilação -, é inesgotável.
Não se percebe o motivo por que tantos futebolistas mandam rapar o cabelo à navalha, ficando muito mais vulneráveis aos choques (que durante o jogo ocorrem com enorme frequência).
Quanto aos pêlos nas outras zonas do corpo – tronco e pernas -, acho horrível os homens depilarem-se, mas é lá com eles. São pêlos evidentemente dispensáveis, pois vêm do tempo em que o homem era um animal como outro qualquer e precisava de pêlo para se proteger do frio e de outras agressões do meio.
Passando para os ouvidos, sabemos que produzem cera em quantidades variáveis de pessoa para pessoa.
E em certas alturas a cera torna-se uma fonte de complicações, por exemplo na época de praia, pois mistura-se com a água do mar e forma um tampão que obstrui os canais auditivos.
Já fui vítima dessa situação, que é muitíssimo desagradável. Uma pessoa fica completamente surda e com uma sensação de incomunicabilidade com o mundo exterior. Só que a cera é obviamente indispensável para lubrificar os órgãos do ouvido interno: o tímpano, o martelo e a bigorna. Tal como as peças móveis de uma máquina precisam de óleo, também as peças do ouvido precisam de lubrificante.
Um dos ‘pormenores’ do nosso corpo que me fizeram mais confusão quando pensei neste tema foram as unhas. Por que temos unhas? Que falta nos fazem as unhas? Aparentemente, nenhuma – e por isso as senhoras usam-nas como simples ‘adereços’, pintando-as por vezes de modo extravagante e fazendo extensões para as aumentar.
Mas que função têm (a não ser darem-nos o trabalho de as cortar)? Evidentemente as unhas são uma sobrevivência das garras, do tempo em que o homem era um animal caçador e usava as mãos e os pés como armas para segurar as presas.
Já os calos, que muita gente odeia, cumprem uma função útil: caso não existissem, formar-se-ia nessa zona uma ferida. Os calos existem para protegerem a carne em zonas mais expostas e sujeitas a fricções.
De certas características do ‘invólucro’ humano, passemos ao funcionamento interno.
O meu avô materno, que era médico, costumava dizer: «Órgão que se sente, é órgão doente». Ou seja, quando um órgão funciona realmente bem, não damos por ele. É como se não existisse.
Quando o estômago trabalha na perfeição, fazemos as digestões sem dar por isso. Mas quando começamos a ter azia, ou uma dorzinha, ou uma sensação de enfartamento, é porque a coisa já não está a 100%.
Outra curiosidade. Perguntou-me um dia um médico: «Sabe por que razão urinamos com mais frequência quando está frio?». Respondi que talvez fosse porque a bexiga está contraída e tem menos capacidade. Explicou-me que não: «É porque o organismo gasta energia a manter a urina quente. Quando está frio, o organismo não quer desperdiçar energias e expulsa a urina mais vezes».
E um mecanismo semelhante acontece na digestão, acrescento eu. Por que há congestões? Porque, para fazer a digestão, o organismo concentra energias – e sangue – no aparelho digestivo. Ora, se um indivíduo fizer durante esse período um esforço grande, que exija que o sangue acorra a outra zona do corpo, retirando-o subitamente do aparelho digestivo, pode dar-se uma paragem da digestão.
O organismo humano é uma máquina muitíssimo inteligente, que não devemos ‘enganar’.
As pessoas que tomam comprimidos por tudo e por nada fazem mal, porque estão a tornar o organismo preguiçoso ou a camuflar algum problema. As dores são um alerta: um aviso de que algo não está bem. E isso não deve ser escondido com um analgésico. Não quer dizer que uma pessoa corra para o hospital logo que tem uma dor. Mas deve tentar perceber a sua origem, até para não insistir num comportamento que agrave o mal.
Tudo no nosso corpo tem uma razão de ser. Durante muito tempo, extrair as amígdalas foi uma prática generalizada, para evitar as inflamações na garganta. Ora, veio a concluir-se que as amígdalas são como os fusíveis nas instalações eléctricas: servem para evitar males maiores.
Podemos eliminar um fusível no nosso quadro eléctrico caseiro, para não termos a chatice de estar sempre a repará-lo; mas arriscamo-nos a ter um problema muito mais grave a jusante, avariando, por exemplo, um electrodoméstico. As amígdalas infectam com facilidade para evitar infecções mais graves noutros órgãos.
A comparação do organismo humano a uma máquina, que se faz muitas vezes, só vale até certo ponto. E é perigosa.
Quando uma peça de uma máquina se estraga, o único remédio é substituí-la. A peça não se arranja sozinha. Ora, um organismo vivo tem mecanismos de reparação das peças. Quando um órgão adoece, o corpo mobiliza-se para o tentar reparar. E na maior parte das vezes consegue.
Os organismos animais estão preparados para enfrentar com sucesso a maior parte das doenças, agressões do meio, traumatismos, etc. As gripes curam-se por si, as feridas cicatrizam por si, os corpos estranhos (como picos encravados na carne) são expulsos.
Haveria muitíssimo mais a dizer sobre o corpo humano, mas como o espaço é limitado só queria acrescentar outra característica decisiva que o diferencia da máquina.
Uma máquina é igual aqui, na América, em Angola ou na China. Mas o organismo humano não. Ele adaptou-se aos diferentes meios onde o homem se instalou. Repare-se que os nórdicos têm as narinas finas e os africanos as narinas largas – porque, nas regiões quentes, o ar está mais rarefeito e é preciso aspirar maior quantidade para se ter o mesmo oxigénio.
E o mesmo vale para a pele: um nórdico que se instale em África tem de ter muito cuidado e sorte para não contrair um cancro de pele.
No nosso corpo, quase tudo tem uma razão de ser. É preciso, pois, percebê-lo, saber ouvi-lo – e interpretar bem o que ele nos diz.
P.S. – Esta crónica foi escrita sob fortes dores lombares, depois de o autor ter-se posto a abrir covas para plantar árvores, abusando claramente das disponibilidades do corpo.
A MARAVILHOSA MÁQUINA HUMANA, por José António Saraiva
Num concurso televisivo perguntaram a um concorrente quais eram os cinco sentidos. Sentado comodamente no sofá, fiz a pergunta a mim próprio e foi preciso algum esforço para recordar: a vista, o ouvido, o tacto, o olfacto e o… paladar. E isto levou-me a pensar no corpo e nas suas particularidades.
É um esforço de leigo, com os enormes riscos de erro inerentes.
Comecei por me interrogar: por que razão uma pessoa espirra? Diz-se que é um sinal de constipação ou «uma reacção alérgica». Mas eu julgo que é para expulsar impurezas que tenham entrado (ou se tenham formado) nas vias respiratórias. Quando inspiramos pó, espirramos. O espirro é, pois, uma espécie de ‘desentupidor de canos’.
Já agora, os pêlos à entrada das narinas existem, como é óbvio, para proteger as vias respiratórias dos ‘intrusos’. Aliás, por essa razão, todos os orifícios do nosso corpo têm pêlos à entrada.
As pestanas são uma espécie de ‘cortinas’ para proteger os olhos. Bem sabemos como é incómodo ter um grão de areia, por mais ínfimo que seja, dentro da vista.
Só a boca não é protegida por pêlos, dado o papel que desempenha (entrada de alimentos). Mas, mesmo assim, os longos bigodes e barbas, como tinham os antigos, formavam um autêntico reposteiro à frente dos lábios.
O tema dos pêlos – aos quais a nossa sociedade declarou guerra, a avaliar pela multiplicação das casas de depilação -, é inesgotável.
Não se percebe o motivo por que tantos futebolistas mandam rapar o cabelo à navalha, ficando muito mais vulneráveis aos choques (que durante o jogo ocorrem com enorme frequência).
Quanto aos pêlos nas outras zonas do corpo – tronco e pernas -, acho horrível os homens depilarem-se, mas é lá com eles. São pêlos evidentemente dispensáveis, pois vêm do tempo em que o homem era um animal como outro qualquer e precisava de pêlo para se proteger do frio e de outras agressões do meio.
Passando para os ouvidos, sabemos que produzem cera em quantidades variáveis de pessoa para pessoa.
E em certas alturas a cera torna-se uma fonte de complicações, por exemplo na época de praia, pois mistura-se com a água do mar e forma um tampão que obstrui os canais auditivos.
Já fui vítima dessa situação, que é muitíssimo desagradável. Uma pessoa fica completamente surda e com uma sensação de incomunicabilidade com o mundo exterior. Só que a cera é obviamente indispensável para lubrificar os órgãos do ouvido interno: o tímpano, o martelo e a bigorna. Tal como as peças móveis de uma máquina precisam de óleo, também as peças do ouvido precisam de lubrificante.
Um dos ‘pormenores’ do nosso corpo que me fizeram mais confusão quando pensei neste tema foram as unhas. Por que temos unhas? Que falta nos fazem as unhas? Aparentemente, nenhuma – e por isso as senhoras usam-nas como simples ‘adereços’, pintando-as por vezes de modo extravagante e fazendo extensões para as aumentar.
Mas que função têm (a não ser darem-nos o trabalho de as cortar)? Evidentemente as unhas são uma sobrevivência das garras, do tempo em que o homem era um animal caçador e usava as mãos e os pés como armas para segurar as presas.
Já os calos, que muita gente odeia, cumprem uma função útil: caso não existissem, formar-se-ia nessa zona uma ferida. Os calos existem para protegerem a carne em zonas mais expostas e sujeitas a fricções.
De certas características do ‘invólucro’ humano, passemos ao funcionamento interno.
O meu avô materno, que era médico, costumava dizer: «Órgão que se sente, é órgão doente». Ou seja, quando um órgão funciona realmente bem, não damos por ele. É como se não existisse.
Quando o estômago trabalha na perfeição, fazemos as digestões sem dar por isso. Mas quando começamos a ter azia, ou uma dorzinha, ou uma sensação de enfartamento, é porque a coisa já não está a 100%.
Outra curiosidade. Perguntou-me um dia um médico: «Sabe por que razão urinamos com mais frequência quando está frio?». Respondi que talvez fosse porque a bexiga está contraída e tem menos capacidade. Explicou-me que não: «É porque o organismo gasta energia a manter a urina quente. Quando está frio, o organismo não quer desperdiçar energias e expulsa a urina mais vezes».
E um mecanismo semelhante acontece na digestão, acrescento eu. Por que há congestões? Porque, para fazer a digestão, o organismo concentra energias – e sangue – no aparelho digestivo. Ora, se um indivíduo fizer durante esse período um esforço grande, que exija que o sangue acorra a outra zona do corpo, retirando-o subitamente do aparelho digestivo, pode dar-se uma paragem da digestão.
O organismo humano é uma máquina muitíssimo inteligente, que não devemos ‘enganar’.
As pessoas que tomam comprimidos por tudo e por nada fazem mal, porque estão a tornar o organismo preguiçoso ou a camuflar algum problema. As dores são um alerta: um aviso de que algo não está bem. E isso não deve ser escondido com um analgésico. Não quer dizer que uma pessoa corra para o hospital logo que tem uma dor. Mas deve tentar perceber a sua origem, até para não insistir num comportamento que agrave o mal.
Tudo no nosso corpo tem uma razão de ser. Durante muito tempo, extrair as amígdalas foi uma prática generalizada, para evitar as inflamações na garganta. Ora, veio a concluir-se que as amígdalas são como os fusíveis nas instalações eléctricas: servem para evitar males maiores.
Podemos eliminar um fusível no nosso quadro eléctrico caseiro, para não termos a chatice de estar sempre a repará-lo; mas arriscamo-nos a ter um problema muito mais grave a jusante, avariando, por exemplo, um electrodoméstico. As amígdalas infectam com facilidade para evitar infecções mais graves noutros órgãos.
A comparação do organismo humano a uma máquina, que se faz muitas vezes, só vale até certo ponto. E é perigosa.
Quando uma peça de uma máquina se estraga, o único remédio é substituí-la. A peça não se arranja sozinha. Ora, um organismo vivo tem mecanismos de reparação das peças. Quando um órgão adoece, o corpo mobiliza-se para o tentar reparar. E na maior parte das vezes consegue.
Os organismos animais estão preparados para enfrentar com sucesso a maior parte das doenças, agressões do meio, traumatismos, etc. As gripes curam-se por si, as feridas cicatrizam por si, os corpos estranhos (como picos encravados na carne) são expulsos.
Haveria muitíssimo mais a dizer sobre o corpo humano, mas como o espaço é limitado só queria acrescentar outra característica decisiva que o diferencia da máquina.
Uma máquina é igual aqui, na América, em Angola ou na China. Mas o organismo humano não. Ele adaptou-se aos diferentes meios onde o homem se instalou. Repare-se que os nórdicos têm as narinas finas e os africanos as narinas largas – porque, nas regiões quentes, o ar está mais rarefeito e é preciso aspirar maior quantidade para se ter o mesmo oxigénio.
E o mesmo vale para a pele: um nórdico que se instale em África tem de ter muito cuidado e sorte para não contrair um cancro de pele.
No nosso corpo, quase tudo tem uma razão de ser. É preciso, pois, percebê-lo, saber ouvi-lo – e interpretar bem o que ele nos diz.
P.S. – Esta crónica foi escrita sob fortes dores lombares, depois de o autor ter-se posto a abrir covas para plantar árvores, abusando claramente das disponibilidades do corpo.