terça-feira, 24 de junho de 2014

Afinal era isso ?






I

Tão reles... tão de trazer por casa
Tão de olhar no chão, tão doença
da que dói e fede, da cobarde (por nos fazer cobardes)
da devagarinho, tão morte de hospital
onde reina a fealdade e impera o medo.

Onde se fala baixo e cheira mal...
Obrigarem-nos a assim viver, ou mandarem-nos abater
«apagar» por assim dizer, no cacofónico desassossego
de mil máquinas, botijas, tubos, da impaciência da lágrima
duma vida resumida a uma tão mesquinha tristeza.

Mentirem-nos, de nós se apiedarem, roubarem-nos...
Roubarem-nos o que ainda somos, e o que havemos de (não) ser
Em mal disfarçada pressa ou, pior, em cruel lentidão.
E os consolos, então? Tipo prémios de consolação....
«É para o teu bem», «mas continuo a gostar muito de ti»,
«vais ver que tudo se arranjará», «vá, não compliques»...

E um enorme foda-se (ou um directo caminho p'ro caralho?),
A quem do alto assim fere, com festas, com direitos tortos,
ou retorcidos e ferrugentos, com mãos que infectam e línguas cuspideiras...
(antes sangue e sal) que esse salivar uma alma que não há
cega de si, ausente de tudo, habitante de nada.


II

Que bem engana o escrevente (então em dias de sol...)
Talvez por isso escreva e não diga, escondendo assim o sorriso
Que não se apaga e se proíbe riso, para que lhe não
vejam o olhar, selvagem e orgulhoso, as cicatrizes e a coragem
e essa espécie rara de dignidade, de quando se levanta um corpo
ferido, transpirado de sangue, belo da vida que com ele passou...

Imortal o que vai vencendo o medo, armado de amor e frágil presença
Imortal o que a direito olha deus, sem ter que olhar longe...
No chão ficam as sombras, um tempo vencido, armas inúteis.

De cada luta trouxe um luto. Mas, insultos poucos.
Por isso jogador, traficante de sentimentos, vampiro de engorda
«Que te vaya bien» a mentira da quarta que chá já não há
Que vivas vidas emprestadas (falta-te talento para as inventar)
Que manipules e mintas, cambalhotes e faças fintas...

Num domingo cheio de luz, fez-se o mundo e o que nele há,
palavras, sim palavras que me iluminaram mistérios, afinal, de feira.
No dia de São João, despiu-se a terra do plástico e do fedor
E renasceu carne, madeira, vida e liberdade e um amor que nunca entenderás.

E eu, finalmente, sorrio, indiferente ao que foi
É verdade que magoado, mas com o sossego de alma
que só a paz traz.