quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Queijos e Beijos




   Podiam (porra!) ser só gulodices, desabafos e ternuras. Levezas (mesmo que em prosa amolgada e dorida). Saudades escritas, cicatrizes, orgulhosa e infantilmente exibidas, sentimentos bem comportados e por aqui ficávamos.
   Mas, dias assim nascem enevoados, acordam-nos para o vazio a que nos sabe a vida que temos e desesperam-nos (ao espoliar-nos da pouca esperança a que recorremos esperando que «as coisas passem», se componham e que uma grande amnésia rate de nós aquilo que por um momento, suspeitamos ou apercebemos não percebermos patavina. A forte suspeita de atravessarmos os dias à deriva por entre mapas e instrumentos de navegação, embora secos e seguros, abrigados de sol, de sal, de tempestade, enfim imunes às incertezas mas prontos a cedência (ou será desistência?). Que nome dar, então, a esse grande vazio, a essa dôr canibal, pronta a tudo devorar? Se sabes como calar gritos e vazios em que o meu peito se acinzenta... onde as sombras, imensas e coladas às paredes não são mais do que a própria evidência do inverossímil, então ensina-me como me ensinaste o resto, de bisturí e olhar triste. Até lá, atropelo palavras (sei-o eu e certamente o sentirás tu) como a última forma única. A que me resta, e de que ainda sou capaz de me lembrar.

                                                                                                                (29.09.2014, 23h …)


   Acordo, como tantas vezes, nestes últimos, cada vez mais frequentes dias: a minha mão tacteando a tua ausência, palpando a roupa fria, apurando o ouvido, demorando até me convencer que não foste à casa de banho. Não estás...ou antes não estivesses e eu não dormisse com esse cadáver cujo perfume sinto, cujo peito procuro invariavelmente, em cujos cabelos gosto de me afogar, cujas costas desço e coxas subo. Criou-se uma espécie de combinação e eu gosto de adormecer dentro de ti. 
   Alguém escolhe(rá) por nós onde acordaremos... no campo como gostas... contigo como gosto. Com cheiro a pão e a café ,demorando o abrir os olhos, ouvindo-te na ponta dos pés, adivinhando-te a abrir umas velhas e rangentas portadas de madeira onde o sol entrará se sobre uma velha cómoda estiver, despretensioso, um arranjo de pequenas flores selvagens, ou, numa corrida sorridente envergando a tua nudez, sob lã ou flanelas. A fome num fotograma.

                                                                                                                      (30.09.2014, 05h ...)