Podiam
(porra!) ser só gulodices, desabafos e ternuras. Levezas (mesmo que
em prosa amolgada e dorida). Saudades escritas, cicatrizes, orgulhosa
e infantilmente exibidas, sentimentos bem comportados e por aqui
ficávamos.
Mas,
dias assim nascem enevoados, acordam-nos para o vazio a que nos sabe
a vida que temos e desesperam-nos (ao espoliar-nos da pouca esperança
a que recorremos esperando que «as coisas passem», se componham e
que uma grande amnésia rate de nós aquilo que por um momento,
suspeitamos ou apercebemos não percebermos patavina. A forte
suspeita de atravessarmos os dias à deriva por entre mapas e
instrumentos de navegação, embora secos e seguros, abrigados de
sol, de sal, de tempestade, enfim imunes às incertezas mas prontos a
cedência (ou será desistência?). Que
nome dar, então, a esse grande vazio, a essa dôr canibal, pronta a
tudo devorar? Se sabes como calar gritos e vazios em que o meu peito
se acinzenta... onde as sombras, imensas e coladas às paredes não
são mais do que a própria evidência do inverossímil, então
ensina-me como me ensinaste o resto, de bisturí e olhar triste. Até
lá, atropelo palavras (sei-o eu e certamente o sentirás tu) como a
última forma única. A que me resta, e de que ainda sou capaz de me
lembrar.
(29.09.2014, 23h …)
Acordo,
como tantas vezes, nestes últimos, cada vez mais frequentes dias: a minha mão tacteando a tua ausência, palpando a
roupa fria, apurando o ouvido, demorando até me convencer que não
foste à casa de banho. Não estás...ou antes não estivesses e eu
não dormisse com esse cadáver cujo perfume sinto, cujo peito procuro
invariavelmente, em cujos cabelos gosto de me afogar, cujas costas
desço e coxas subo. Criou-se uma espécie de combinação e eu gosto
de adormecer dentro de ti.
Alguém escolhe(rá) por nós onde
acordaremos... no campo como gostas... contigo como gosto. Com cheiro a
pão e a café ,demorando o abrir os olhos, ouvindo-te na ponta dos
pés, adivinhando-te a abrir umas velhas e rangentas portadas de
madeira onde o sol entrará se sobre uma velha cómoda estiver,
despretensioso, um arranjo de pequenas flores selvagens, ou, numa
corrida sorridente envergando a tua nudez, sob lã ou flanelas. A fome num fotograma.
(30.09.2014, 05h ...)