terça-feira, 29 de abril de 2014

Sombrias ou escondidas...



     Quando as cidades convocarem magias e parirem liberdades, ficarei.



 
                     François Schuiten & Benoît Peeters, "Les Cités obscures", (vol. 1.2  "L´Archiviste")


segunda-feira, 28 de abril de 2014

Aniversário musical






domingo, 27 de abril de 2014

Parece que sim


For last year’s words belong to last year’s language
And next year’s words await another voice.
                                     
                                         (Little Gidding, T. S. Eliot)


sábado, 26 de abril de 2014

Ortega y Gasset




Lo que diferencia al hombre del animal es que el hombre es un heredero y no un mero descendiente.
José Ortega y Gasset




Shai Maestro Trio





sexta-feira, 25 de abril de 2014

quinta-feira, 24 de abril de 2014



segunda-feira, 21 de abril de 2014

Bonfá





domingo, 20 de abril de 2014

Ben Webster



     Tenor sax




quinta-feira, 17 de abril de 2014

Álvaro de Campos a dobrar (...fazia tempo)




Apostila (11-4-1928)

Aproveitar o tempo!  
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?  
Aproveitar o tempo!  
Nenhum dia sem linha...  
O trabalho honesto e superior...  
O trabalho à Virgílio, à Mílton...  
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!  
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio! 

Aproveitar o tempo!  
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos -  
Para com eles juntar os cubos ajustados  
Que fazem gravuras certas na história  
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)...  
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,  
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,  
E a vontade em carambola difícil. 
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos -  
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida. 
Verbalismo... 
Sim, verbalismo... 
Aproveitar o tempo! 
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça... 
Não ter um acto indefinido nem factício... 
Não ter um movimento desconforme com propósitos... 
Boas maneiras da alma... 
Elegância de persistir... 
Aproveitar o tempo!  
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.  
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.  
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.  
Aproveitar o tempo!  
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.  
Aproveitei-os ou não?  
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?! 
(Passageira que viajaras tantas vezes no mesmo compartimento comigo  
No comboio suburbano,  
Chegaste a interessar-te por mim?  
Aproveitei o tempo olhando para ti? 
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante? 
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter?  
Qual foi a vida que houve nisto? Que foi isto a vida?) 
Aproveitar o tempo!  
Ah, deixem-me não aproveitar nada!  
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...  
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,  
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,  
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,  
O pião do garoto, que vai a parar,  
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,  
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.




Bicarbonato de Soda

Súbita, uma angústia...
Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!
Que amigos que tenho tido!
Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!
Que esterco metafísico os meus prpósitos todos!
Uma angústia,
Uma desconsolação da epiderme da alma,
Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço...
Renego.
Renego tudo.
Renego mais do que tudo.
Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.
Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na
circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?
Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir...
E--xis--tir ...
Meu Deus! Que budismo me esfria no sangue!
Renunciar de portas todas abertas,
Perante a paisagem todas as paisagens,
Sem esperança, em liberdade,
Sem nexo,
Acidente da inconseqüência da superfície das coisas,
Monótono mas dorminhoco,
E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas!
Que verão agradável dos outros!
Dêem-me de beber, que não tenho sede!

Será?


     Será desta que vou ficar a perceber alguma coisa sobre o assunto? Aguardo, impaciente, o esclarecimento...
     Depois contarei.







quarta-feira, 16 de abril de 2014

Nutini, novo cd ("Caustic Love")






She makes me smile
she thinks the way i think
that girl makes me wanna be better
Took her down Bleecker Street
saw she drank the way I drink
I kiss the sky to send her blue a letter
That girl
makes me wanna be a better man
ye should she see fit
gonna treat her like a real man can
She's fearless, she's free
oh she is a real live wire
and that girl
she's got me feeling so much better
oh you trade all the money in the world
just to see this girl's smile
all the while, she'll make you feel so much better

oh that girl, makes me wanna be a better man
And should she see fit, gonna treat her like a real man can
ah, ah, la la la
come on in my arms
you make me feel alright
you make me feel alright
you know I might get eager
I might lose my cool
feel like I'm in detention
in the office at the school
and you'll either love me love me
or you hate me
but I can see you've got no time
for the in-between
but the reflection in your eyes
gonna look so much better
I said that girl makes me wanna be a better man
yeah yeah yeah
and should she see she fit, gonna treat her like a real man can
gonna treat her like a real man can
gonna treat her like a real man can
gonna treat her like a real man can

terça-feira, 15 de abril de 2014

Beijinhos




Philippe KATERINE - L'homme à 3 mains

domingo, 13 de abril de 2014

A descoberta do dia (a voz & os temas & a produção de Larry Klein)







(Letra e Música de Pedro Da Silva Martins)

Quer o destino que eu não creia no destino
E o meu fado é nem ter fado nenhum
Cantá-lo bem sem sequer o ter sentido
Senti-lo como ninguém, mas não ter sentido algum

Ai que tristeza, esta minha alegria
Ai que alegria, esta tão grande tristeza
Esperar que um dia eu não espere mais um dia
Por aquele que nunca vem e que aqui esteve presente

Ai que saudade
Que eu tenho de ter saudade
Saudades de ter alguém
Que aqui está e não existe
Sentir-me triste
Só por me sentir tão bem
E alegre sentir-me bem
Só por eu andar tão triste

Ai se eu pudesse não cantar "ai se eu pudesse"
E lamentasse não ter mais nenhum lamento
Talvez ouvisse no silêncio que fizesse
Uma voz que fosse minha cantar alguém cá dentro

Ai que desgraça esta sorte que me assiste
Ai mas que sorte eu viver tão desgraçada
Na incerteza que nada mais certo existe
Além da grande certeza de não estar certa de nada  



Michel Houellebecq, porque acordei (ainda) aqui





ISOLEMENT


Où est-ce que je suis ?
Qui êtes-vous ?
Qu’est-ce que je fais ici ?
Emmenez-moi partout,


Partout mais pas ici,
Faites-moi oublier
Tout ce que j’ai été
Inventez mon passé,
Donnez sens à la nuit.


Inventez le soleil
Et l’aurore apaisée
Non je n’ai pas sommeil,
Je vais vous embrasser
Êtes-vous mon amie ?
Répondez, répondez.


Où est-ce que je suis ?
Il y a du feu partout
Je n’entends plus de bruit,
Je suis peut-être fou.


Il faut que je m’étende
Et que je dorme un peu,
Il faudrait que je tente
De nettoyer mes yeux.


Dites-moi qui je suis
Et regardez mes yeux
Êtes-vous mon amie ?
Me rendrez-vous heureux ?


La nuit n’est pas finie
Et la nuit est en feu
Où est le paradis ?
Où sont passés les dieux ?

sábado, 12 de abril de 2014

A árvore das línguas


    O assunto interessava-me mas, confesso, arranjo sempre um pretexto para me perder (maravilhado) no espaço dedicado às aquisições da colecção de Artes Gráficas da Universidade de Princeton. Indico o link no final do post. Em relação à gravura propriamente dita, apenas é conhecido um outro exemplar (pertencente à Biblioteca Nacional de França).

   Para quem tiver interesse na filogenia, ou nas suas representações, (como é o meu caso), deixo um link: http://phylonetworks.blogspot.ca/


                             Genealogical Tree of Dead and Living Languages, by Félix Gallet (c. 1800).




Felix Gallet, "Arbre généalogique des langues mortes et vivantes", gravé par Geusler de Genève (Paris, ca. 1800)


     Purported to be the first tree of languages, Felix Gallet's engraved broadside predates that of August Schleicher, who is generally credited with inventing the form. Winfred Lehmann in Historical Linguistics (1992) states: "The suggestion that the relationship between subgroups of a language is similar to that between branches of a tree was propounded by August Schleicher, who was strongly influenced by views on evolution."

     The tree here shows two distinct groups, the first emerging from "La Langue Primitive," from which we see languages such as Greenlandic, Guianan, Turkish, Mexican, Persian, Hebrew and Tahitian. The second group derives from "Le Celte," which in turn generates the bulk of European languages. The interaction between the two groups is fascinating and shows what must be an early attempt to integrate some of the discoveries of the New World into the existing linguistic framework.


     Princeton University Library


sexta-feira, 11 de abril de 2014

Aproveitar a boleia... (os dias em que me faltas, cidade)








Um Percurso O’Neilliano



“Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade”
                              Ruy Belo



Quem sai do jardim do Príncipe Real em direcção ao Largo do Rato, em Lisboa, e percorre a Rua da Escola Politécnica, passa por um prédio de três andares, forrado de azulejos azuis, à direita, um pouco antes da entrada para o Jardim Botânico. O 2º andar deste nº 48 foi a última casa de Alexandre O’Neill. “Uma sala, um quarto cheio de livros, um corredor, outro quarto lá no fundo…. das traseiras via-se o jardim da Faculdade de Ciências.”(João Pulido Valente) Outra visão da mesma casa, de Fernando Assis Pacheco, ao entrevistá-lo em 82: “Paredes recamadas de estantes, e estas ajoujadas ao peso dos livros: a poesia em força, mas também as artes visuais, antropologia, política, religião, enciclopédias. Uma aparelhagem de alta fidelidade do lado esquerdo do estirador-secretária. Máquina de escrever ‘HCESAR’. Cinzeiros. Luz sem excesso.” (1) Viveu nesta casa mais de uma década, até partir para o hospital, onde permaneceu ainda cinco meses. Mas muito da vida anterior de Alexandre O’Neill se passou por aqui. Muitos fantasmas cruzam este bairro, que permanece inalterado há tanto tempo. Ele é agora um deles, mas havia outros, anteriores, que lhe atravessaram a vida e a poesia. Visite-o o leitor, e concluirá que é fácil amar estas ruas.

Continuemos então o percurso, o leitor comigo. Mais à frente, do outro lado da rua, é a pastelaria Cister, onde ia ultimamente beber a bica e o uísque. A Cister, porém, está muito mudada. Tal como a Alsaciana, que frequentava com o João Pulido Valente e o Arnaldo Aboim nos anos 50. A Alsaciana é um pouco mais à frente, quase na esquina com a Rua de S. Mamede. Retrocedamos e voltemos as costas ao Largo do Rato: na Politécnica, virados para oriente, passamos por várias ruas que descem à direita, em direcção à Praça das Flores. Na primeira, a Rua da Imprensa Nacional, onde há agora uma loja de tapetes, era o Esteves, a tasca do galego que foi sala de jantar de Alexandre O’Neill durante uns anos, onde conheceu Noémia Delgado. Paralela a esta, a Calçada Engenheiro Miguel Pais, onde vivia o Arnaldo Aboim, e o próprio O’Neill no nº 47 – 4º, no início dos anos 60, dividido entre o lar conjugal e a casa da namorada inglesa, Pamela. Desçamos a seguinte, a Rua do Monte Olivete, passemos à frente das janelas por detrás das quais este livro está sendo escrito, e penetremos no interior do bairro. Ao fundo, no nº 4, morava a Noémia num quarto alugado quando conheceu Alexandre. Ruben A. também viveu aqui, a meio da rua, quando começa a entrever-se à esquerda o palacete que abriga o British Council – é por esta rua que o leitor deve agora enveredar: passará então à porta da desaparecida tasca do Serafim, no número 24 da Rua Luís Fernandes, poiso habitual de Alexandre O’Neill nos anos 60. “O Serafim é fundamental. Era o fornecedor local. Era o restaurante onde nós vivíamos, era o nosso restaurante, uma espécie de exchange. Era o Serafim que nos arranjava o queijo da Serra, era o Serafim que nos arranjava os uísques, era o Serafim que nos arranjava o vinho, era o Serafim que nos trocava os cheques, que nos emprestava o dinheiro. Era uma espécie de entreposto (risos). E era um homem fabuloso. E não havia nada a fazer. Nesse tempo não se estava em casa. Não havia atendedores de chamadas nem voicemail, e ia tudo para o Serafim. Dávamos o telefone do Serafim: ‘Se quiseres deixar-me recado, ligas para o Serafim.’ Era uma espécie de secretário, amigo, conselheiro.”(Fernando Matos Silva)

Uns passos adiante do Serafim, a Rua Luís Fernandes acaba e encontra a Rua de S. Marçal na altura em que ela, passada a descida abrupta inicial, desce suavemente até à Praça das Flores. No nº 160, um rés-do-chão mínimo com uma janela para a rua, viveu O’Neill no final da década de 60. Chamava-lhe o camarote dos irmãos Marx – enchia a casa de amigos, cabia sempre mais um: muita gente, muita animação. Dali mudou-se um pouco mais para cima, para a casa de azulejos azuis na Politécnica. Mas nós vamos para baixo, descendo sempre a S. Marçal, deixando para trás, à direita, a Praça das Flores, até encontrarmos a Travessa da Piedade. Devemos agora subir, à esquerda, sem perder de vista a palmeira que começa a entrever-se logo que se inicia a subida. E chegamos à Travessa da Palmeira, onde Alexandre e Noémia viveram uns meses do ano de 59, e foram vizinhos de Ruy Cinatti. Onde a Travessa faz uma curva, fica o nº 12 (eles viveram no 3º esquerdo), o tal casarão de grandes reposteiros que fazia medo à Noémia, à espera de um filho e do Alexandre, que regressava tarde do trabalho nas Bibliotecas.

Continuando pela Travessa do Jasmim, desembocamos num largo onde convergem a Rua Ruben A. Leitão, a Cecílio de Sousa, a Rua da Palmeira e a Rua do Jasmim. Tomemos esta última, que sobe até ao jardim do Príncipe Real. Chegamos finalmente à primeira casa que O’Neill habitou no bairro, o nº 18. O Alexandre e a Noémia viviam no último andar, e costumavam ir para o telhado ver as estrelas e o céu de Lisboa. Entremos na casa, acompanhados agora da primeira mulher do poeta, Noémia Delgado: uma casa esconsa, muito iluminada. Um corredor com muitas portas; pequenas divisões intercomunicantes: a sala das grandes jantaradas, o atelier de escultura da Noémia, o escritório do Alexandre, ao fundo. Da janela vêem-se casas, Lisboa a perder de vista, com a Basílica da Estrela à esquerda, que O’Neill chamava o garrafão de água do Luso. O Xaninha comia a papa sentado no parapeito da janela. “O Alexandre não costumava ler aos amigos. Era muito secreto nas suas coisas. Mas quando escreveu Portugal, lembro-me de ele me ter acordado para ler o poema. Eu fui ao escritório, muito estremunhada, a meio da noite. Eu disse: ‘Isso é um espanto, uma maravilha.’ ‘O que é que tu achas? Não sei, não sei’, dizia ele. Era um poema magnífico. Mesmo em frente do escritório era o nosso quarto. Era um quarto de amor. Havia uma carta de amor metida numa gaveta dum armário que desapareceu.”(Noémia Delgado)

Saiamos do nº 18 e viremos para cima, para o Jardim, que fica a dois passos: eis-nos, leitor, chegados ao sítio de onde partimos. Mas é melhor que cheguemos num dia de sol, pois só assim se tem a plena visão do ambiente. No Jardim do Príncipe Real sentam-se há anos as mesmas figuras de velhos, características e inconfundíveis. O jardim é o lugar-comum dos velhos. São certamente ainda os mesmos que O’Neill levou para a poesia, num misto de crueldade e de ternura: velhos, muitos velhos a jogar às cartas, a descansar os rins, a falar das doenças e dos netos, expostos ao sol como lagartos, “velhas atrozes, saídas / de tugúrios impossíveis” , velhas bondosas, sentimentais, traquinas, os olhos embaciados perdidos no baloiçar das crianças, que as há em quantidade também. Mas as crianças são o lugar-comum da poesia rasteira, e O’Neill preferia olhar para os velhos: “Velhos, ó meus queridos velhos, / saltem-me para os joelhos: / vamos brincar?” (2)

Se seguirmos na direcção do miradouro de S. Pedro de Alcântara, passamos a descida da Patriarcal. Lá em baixo, quase junto à Praça da Alegria, foi a primeira casa do Xana, aquele quarto andar alto de onde, miúdo tristonho, espreitava o desenrolar da vida cá em baixo na rua íngreme. Mas nós não vamos descer. Continuamos, sim, pela D. Pedro V até à Rua de S. Pedro de Alcântara: no nº 45 – 1º era a Telecine, onde O’Neill trabalhou na década de 60 durante oito anos (embora, ao que tudo indica, com intermitências). Pode o leitor fazer aqui uma pausa, entrando no Solar do Vinho do Porto, no rés-do-chão da antiga Telecine, e sentar-se a beber um copinho num cenário que o fará reviver a época – embora não se possa dizer que o vinho do Porto fosse das bebidas preferidas do poeta. Caminhando sempre pela Sétima Colina, encontramos a Rua da Misericórdia, que também tem muitas histórias para contar. Era aqui a editora Guimarães (no nº 68, onde permanece), a Bibliófila (onde se realizou a II Exposição do grupo surrealista dissidente), e a Revista Almanaque, na sobreloja do nº 125. A Rua da Misericórdia – que naquele tempo era ainda conhecida por Rua do Mundo, seu nome antigo, bem mais bonito – acaba em pleno Chiado. Devemos agora contornar a Igreja do Loreto e subir um pouco da Rua Nova da Trindade: a casa alta que faz esquina com a travessa do mesmo nome foi o local da Exposição do Grupo Surrealista de Lisboa, um quarto andar que António Pedro alugou para o efeito.

Neste momento, leitor, em que o percurso poderia continuar por várias outras zonas de Lisboa, sugiro ainda que apanhe o eléctrico 28 aqui mesmo no Chiado, se deixe regaladamente levar até ao lado oriental da cidade e desça na paragem a seguir à Sé. Aí perto, na Rua da Saudade, encontrará outra casa de Alexandre O’Neill, que ele também inscreveu na poesia, ao convidar o poeta brasileiro Manuel Bandeira para este seu tugúrio: “E em minha casa, à Rua da Saudade, a cavaleiro do rio, / Você podia fumar escondido dos adultos / como na outra Saudade do seu Recife menino.” (3)

Esta casa, amplamente virada para o Tejo e para o “céu inocente de Lisboa” (4), foi um dos seus refúgios intermitentes a partir de meados dos anos 60, antes de regressar definitivamente ao Príncipe Real, no início da década seguinte. Desde que conheci a casa da Rua da Saudade, em Setembro de 2001, sempre intuí, por imaginação puramente literária, que O’Neill tinha escrito aqui a letra do fado Gaivota, numa manhã em que se chegasse à janela do quarto dos fundos: “Nesse céu onde o olhar / é uma asa que não voa, / esmorece e cai no mar.” Mas vim a descobrir que não: quando ele descobriu esta casa, a Gaivota já andava a ser cantada – e, ao que parece, a génese da sua escrita pode situar-se noutro sítio mítico de Lisboa, que se avista, grandioso, das janelas da Rua da Saudade: o Terreiro do Paço.

1. Entrevista ao JL, 6/7/82.
2. Velhos de Lisboa, ABANDONO VIGIADO, 1960. Ver ainda os poemas Os Lagartos ao Sol (DE OMBRO NA OMBREIRA, 1962); Velhos/1, Velhos/2, Velhos/3, Velhos/4, Velhos/5 (A SACA DE ORELHAS, 1979).
3. Alô Vôvô!, dedicado a Manuel Bandeira, Diário Popular, 26/5/66; republicado em DE OMBRO NA OMBREIRA, 1969.
4. Poesia e Propaganda, NO REINO DA DINAMARCA, 1958.


Maria Antónia Oliveira, in "Alexandre O'Neill, uma biografia literária" (Edições Dom Quixote, 2007)



Simplicidade emocionada






Curta-metragem de animação candidata aos Óscares 2014




    Daniel Sousa  "Feral"
    
     Music & Sound Design by Dan Golden
     
     2012, 13 minutes, HD

     A wild boy is found in the woods by a solitary hunter and brought back to civilization. Alienated by a strange new environment, the boy tries to adapt by using the same strategies that kept him safe in the forest. 



     "Feral" conta a história de um menino selvagem, que se tenta adaptar à civilização, depois de ter sido encontrado num bosque, onde cresceu. Tem uma duração de 13 minutos e demorou sete anos a fazer. Daniel Sousa explica que queria "explorar os conflitos interiores do intelecto e do instinto, a sensação de alienação que uma criança sente quando é exposta a um ambiente novo, e a necessidade de se sentir integrado".

     Daniel Sousa é um realizador português, nascido em Cabo Verde em 1974, actualmente radicado nos Estados Unidos, que divide o tempo entre a realização, a produção e o ensino

quinta-feira, 10 de abril de 2014

ódios de estimação


                             Christophe Blain

 

     Confesso ser muito pouco frequentador do universo blogueiro. Não por qualquer razão em especial, nem por preconceito. Provável e prosaicamente por uma questão de "economia", ou seja de gerir o tempo de que disponho para a leitura. Enfim, critérios...  Já aqui falei das razões pelas quais tenho, alimento e mantenho (o mais saudavelmente que posso ou sei) um blog. No fundo,imagino que imagino o conjunto de blogs existentes como uma espécie de cidade onde existem inúmeras habitações, umas mais públicas do que outras; geralmente quando tocam à campaínha cá da toca não abro a porta, nem pergunto quem é, porque no meu caso isso quer dizer, larvarmente, «problema». Assumo serem prácticas e hábitos sociais que cada  um gere como muito bem entende.

    Já em relação ao facebook (e a todas as outras redes sociais) a atitude é completamente diferente. O inicial desgosto deu lugar a uma alergia que, por sua vez, resvalou para a irritação. Abreviando, quando se atingiu o ponto de sermos olhados como se fossemos marcianos, portadores de doença inconfessável ou, pior, merecedores de desconfiança vaga mas certa, ao «confessarmos» não ter conta no facebook, achei ser chegado o momento de passar da indiferença ao boicote assumido, senão mesmo ao combate ao dito cujo. Devo dizer que a colecta de argumentos que sustentassem a minha posição se veio a revelar duma surpreendente facilidade (desde a tirânica invisibilidade social, à forma superficial de pensar qualquer realidade ou assunto em termos de like ou não, foi uma autêntica avalanche). Pensava eu ter definitivamente arrumado na mais remota gaveta o «caso facebook», quando me apercebi (na verdade constatei) que já era tarde demais, e que a opção «ter ou não ter» já não era (a) questão... na verdade, se queria aceder a determinados sites, acompanhar determinadas actividades humanas (culturais, por exemplo) era, pura e simplesmente, obrigado a ser «sócio». Evidentemente que a irritação deu lugar ao ódio (de estimação mas, como qualquer ódio, cego e selvagem). Passado o que, reactivei a minha filiação, que jaz desmaiada e de respiração contida, instruí a minha conta de email no sentido de enviar directamente para o lixo toda a correspondência dali oriunda e segui, envergonhadamente calado, a minha vida.

     Vem isto a (des)propósito da entrevista ao Miguel Sousa Tavares que transcrevo. Gostaria, se ainda possível, lessem com ligeireza e pensassem uns minutos sem, se ainda possível, automaticamente laicarem ou deslaicarem.

   Uma observação incrédula e divertida (com a idade vai-se ficando selecto nas irritações) à qual muito gostaria de obter resposta iluminada e iluminante: porque será que a epígrafe favorita (na qual, pelo menos eu, tropeço constantemente) dos blogueiros, ou bloguistas, é:  "…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar) ? 


     

"Odeio tanto o Twitter como o Facebook"

Como é que faz para alimentar a sua opinião todas as semanas? Além de ler os jornais, também consulta os blogues?
Não, não vejo nem blogues nem redes sociais. Odeio o Facebook, odeio o Twitter. A única coisa que faço na Internet é, para além dos mails, para além de instrumentos de trabalho, wikipedias, etc., uso o Skype em telefonemas para o estrangeiro, mais nada. Não faço mais nada. Ah, jogo bridge. Agora, a ideia de rede social, e de blogues, tudo em comunicação, a falar… acho insuportável. Os blogues são uma série de gente que se acha importantíssima, que tem uma espécie de capelinhas, quase religiões, com os seus fiéis atrás. Há excesso de informação. Faz-me lembrar uma frase que a minha mãe dizia sobre o Eduardo Prado Coelho, que ele sabia mais do que percebia. Hoje em dia, as pessoas também têm mais informação do que a que conseguem entender. Nós temos uma dose limitada de aquisição de conhecimentos, e o resto é preciso tempo para pensar. No Facebook e no Twitter tudo tem umas teses extraordinárias. São todos cultíssimos, leves, frescos, trendy, sei lá...
Mas isso não é o que também faz quando vai à TVI, por exemplo, falar sobre tudo?
Não, é totalmente diferente. O Facebook é uma coisa elitista. Os blogues também. Aquilo é a beautiful people. Eu falo para 12% de audiência. Desde o vendedor de jornais da esquina, analfabeto ao professor universitário. E sei que falo, porque as pessoas abordam-me na rua e perceberam, e concordaram ou discordaram, mas perceberam. Estou a falar para elas, estou a fazer um serviço. Eu pagava um milhão para ninguém saber quem eu era, para poder fazer os meus comentários como o homem invisível. Agora, eu não vivo a ter opiniões instantâneas todos os dias, como se vive nos blogues, como se vive nas redes sociais. Em relação ao Facebook, eu vejo-o como a maior ameaça próxima para a história da humanidade.
Porquê?
Porque veio subverter todo o tipo de relações humanas. As pessoas deixam de se encontrar, de se conhecer, queimam as etapas todas, deixam de se olhar, mesmo. Tudo se torna fácil, vão para ali para arranjar namorados, para expor as suas vidas, os jantares que dão em casa, os baptizados dos filhos, as festas a que vão… E ainda por cima é uma perversão total da intimidade! Vou a uma festa e alguém põe uma foto minha na sua página do Facebook. É o paparazzo dentro de cada um, não é? A total promiscuidade das vidas privadas! E está tudo radiante a expor as suas vidas privadas no Facebook, contentíssimos, porque têm um feedback instantâneo, julgam que assim não estão solitários. E está tudo fechado em casa, diante do computador!
Não se sente ameaçado pelos blogues, como opinador?
Enquanto houver jornais, faz sentido que haja colunistas nos jornais. Se amanhã os blogues destronarem os colunistas dos jornais, tudo bem. Agora, não tenho a obsessão do Pacheco Pereira, que tem que estar na televisão, nos jornais e nos blogues, tem que estar em todo o lado, sob pena de perder espaço. Eu não me sinto ameaçado porque eu não luto para ter leitores. Quando não tiver, não tenho. Nem sequer vejo as audiências da TVI a seguir a eu falar, não sei qual é a minha influência…
Isso não é bem verdade, pois não? Tem de estar a pensar que reacção vai ter nas pessoas.
Sim, está. Mas a mim tanto me faz que eu escreva no Expresso e tenha 100 mil pessoas a ler, como 10 mil. O que eu quero é sentir que escrevi uma coisa bem escrita e que vai mexer com as pessoas…


Miguel Sousa Tavares, in “DN” 05 julho 2009 

Department of Eagles



As línguas pensam (-se) de formas diferentes








quarta-feira, 9 de abril de 2014

Damon Albarn (Blur)




   Britpop ? E então?

Retrato dum coração




      Christian Schole, "Portrait of a Heart" 



Beijos Rafeiros





terça-feira, 8 de abril de 2014

...





segunda-feira, 7 de abril de 2014

César Vallejo




LOS ANILLOS FATIGADOS

Hay ganas de volver, de amar, de no ausentarse
y hay ganas de morir, combatido por dos
aguas encontradas que jamás han de istmarse.
Hay ganas de un gran beso que amortaje a la Vida,
que acaba en el Africa de una agonía ardiente,
suicida!
Hay ganas de … no tener ganas. Señor;
a ti yo te señalo con el dedo deicida ;
hay ganas de no haber tenido corazón.
La primavera vuelve, vuelve y se irá. Y Dios,
curvado en tiempo, se repite, y pasa, pasa
a cuestas con la espina dorsal del Universo.
Cuando las sienes tocan su lúgubre tambor,
cuando me duele el sueño grabado en un puñal,
¡ hay ganas de quedarse plantado en este verso!



EL MOMENTO MAS GRAVE DE LA VIDA
    Un hombre dijo:
    —El momento mas grave de mi vida estuvo en la batalla del
Marne, cuando fui herido en el pecho.
    Otro hombre dijo:
—El momento más grave de mi vida, ocurrió en un maremo-
to de Yokohama, del cual salvé milagrosamente, refugiado bajo
el alero de una tienda de lacas.
    Y otro hombre dijo:
    —El momento más grave de mi vida acontece cuando duer-
mo de día.
    Y otro dijo:
    —El momento más grave de mi vida ha estado en mi mayor
soledad.
    Y otro dijo:
    —El momento más grave de mi vida fue mi prisión en una
cárcel del Perú.
    Y otro dijo:
    —El momento más grave de mi vida es el haber sorprendido
de perfil a mi padre.
    Y el último hombre dijo:
    — El momento más grave de mi vida no ha llegado todavía.


domingo, 6 de abril de 2014

«Madame Bovary c‘est moi » (Gustave Flaubert)



     Nasceu este blog em 15/08/2009, às 01:27 com um post intitulado «assim ...sem mais» (um excerto de um poema de Mário Cesariny de Vasconcelos) *.
     Se não me faltam ou sobram dedos nem me falha a aritmética, dentro de 10 dias farão , quatro anos e sete meses. Nasceu identificado, com uma «política» de comentários abertos e assumidamente não confessional **.
     Essencialmente, os iniciais objectivos do blog eram, por um lado,  divulgar obras, autores ou outros afectos e, por outro, manter uma espécie de registo diarístico das minhas «preocupações» e dos meus interesses, tentando manter um difícil equilíbrio entre o que era (ou ia sendo) o «meu mundo», evitando sempre que possível exposições demasiado pessoais (critério eminentemente meu) e, até, autorais.
   Outro aspecto ao qual tentei manter uma vigilante atenção, foi evitar a verrina,, a crítica fácil, correndo o risco (consciente e assumido) de assumir uma postura demasiado «fechada». Tudo isto fez com que frequentasse muito pouco a chamada ( e é a primeira vez que utilizo a palavra) blogosfera. Não por desinteresse ou pose sobranceira, mas por entender que, dado o meu enunciado, pouco haveria a  «ganhar» com esse tipo de frequeência ou intercâmbio.
   Finalmente, nunca adulterei nem plagiei o que quer que fosse de outrém, e apenas em casos em que, por uma qualquer razão, não consegui identificar a autoria é que a omiti. À questão (sempre sensível) dos direitos autorais, e uma vez que sempre esteve absolutamente, fora de questão qualquer tipo de benefício pessoal na «apropriação» do alheio, E considerando a publicação de textos, imagens, músicas seria uma forma de as divulgar, compensando, por assim dizer, o eventual dolo aos autores.

   Passou-se com o blog, ao longo do seu tempo de existência, o que se passa com tudo na vida...foi-se alterando, alterando e corrigindo rumos, desinteressando-se de algumas coisas, ganhando curiosidades e interesses novos, enfim: cresceu como todos os organismos (se bem ou mal, é outra questão...). Uma das manifestações mais evidentes desta «evolução» foi a continuada e crescente aparição de textos da minha autoria. Esta circunstância, criou (principalmente) dois tipos de situações, qualquer uma delas desagradável e extemporânea: 1º ao surgimento de comentários que, classificaria no mínimo de desagradáveis. O que fez com que, a determinada altura, tenha acabado com a possibilidade dos leitores deixarem as suas apreciações e comentários. 2º ao aparecimento de leitores (conhecidos ou não) que têm uma práctica de leitura que, de todo, não coincide com a minha: ora se sentiam eles os visados ou, então, «liam-me» literalmente (e daí o título deste post...), narrador ou personagem de texto (onde, aliás, existem muito poucos enredos...) era eu.

   Se aqui deixo este longo desabafo, é numa vaga esperança, que o não façam. Torna-se asfixiante e, de certa forma, paranóico.

   Devo, no entanto, rematar confessando uma dualidade (quase antagónica) de sentimentos. Se, por um lado, são prácticas desagradavelmente inibitórias, por outro, apenas acontecem porque tenho leitores. E não posso deixar de lhes estar gratos pela paciência e estima com que me leêm.

   Portanto: obrigado, mas não exagerem!


*  -  http://sexanddrugsandprotestsongs.blogspot.pt/2009_08_01_archive.html

** - Não, não é gralha nem calinada... consulte-se o indispensável Dicionário Houaiss


Clã









sábado, 5 de abril de 2014

Tipografia, meu amor...


                                   Bodoni Font Flag Example
                               


                                   Bodoni Font Specimen Sheet        
                                   

O Medo



   Graça Morais, "A Caminhada do Medo III", (2011), Carvão e pastel sobre papel, (pormenor)




Poema pouco original do medo
 


O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Alexandre O'Neill 



sexta-feira, 4 de abril de 2014

Pedro Mexia


«A BALADA DO CAFÉ TRISTE»

Comprei-lhe «A Balada do Café Triste»
depois de quase ter passado por ladrão
de livros, mexendo-lhes sem olhar
para eles enquanto rondava de todos
os lados aqueles olhos que se viam
de qualquer ponto da feira, mesmo
se houvesse obstáculos o verde
atravessava-os, o verde tornava tudo
verde entre mim e ela, e no meio
dessa cor unânime a rapariga
era ainda mais. Pouco importa,
leitor, se houve depois alguma história,
entre homem e mulher não se passa
muito mais: uns olhos que de repente
são necessários e pelos quais passamos
por ladrões de livros ou pior.
Nunca li «A Balada do Café Triste».


Pedro Mexia, in "Menos por Menos - Poemas Escolhidos", (2011)

AS GAVETAS

Não deves abrir as gavetas
fechadas: por alguma razão as trancaram,
e teres descoberto agora
a chave é um acaso que podes ignorar.
Dentro das gavetas sabes o que encontras:
mentiras. Muitas mentiras de papel,
fotografias, objectos.
Dentro das gavetas está a imperfeição
do mundo, a inalterável imperfeição,
a mágoa com que repetidamente te desiludes.
As gavetas foram sendo preenchidas
por gente tão fraca como tu
e foram fechadas por alguém mais sábio que tu.
Há um mês ou um século, não importa.

Pedro Mexia, in "Menos por Menos - Poemas Escolhidos", (2011)

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Filipa Leal



   A prova de que os poemas não são conteúdos. Alguém que escreve  o contrário do que penso e sinto e, ainda assim, magicamente me prende e à (ou ao) qual me rendo. Não me altera as convicções sentidas, nem me adultera o olhar. Um poema assim é "alguém" a quem nos podemos entregar.


O PESO DOS LIVROS


Pensava que os livros não têm peso. Quero dizer, flutuam no entendimento.
Na memória. Ou melhor: equilibram-se porque não são gente.
Não têm noites, não têm insónias. Não têm sono lá dentro.
Pensava que os livros são menos complexos do que nós. Mesmo quando
não temos linha, quando não temos palavra. Mesmo quando
não conseguimos respirar. Quando pensei nisso,
tive uma vaga noção de título.
E um hálito branco a querer ser página.


Filipa Leal, in "O Problema de ser Norte", (2008)

Timber Timber "Hot Dreams", 2014


     Ou é de mim (e provavelmente é), ou é, absolutamente o melhor disco dos Timber Timber. Maravilhosamente produzido: as aparições da Fender nas primeiras faixas, metálicas, cortantes. A complexidade instrumental vai em crescendo, nunca atrapalhando nem a voz nem as canções. Soberbo. Ou será de mim ? (provavelmente é).

     Por razões minhas, confesso o fraquinho pela última faixa "Run from me", por isso posto a letra....






run from me darlin'
run my good wife
run from me darlin'
you'd better run for your life

run from me baby
run my good wife
run from me baby
you better run for your life

and each time I see you
I contemplate
what I love most of all
your swingin' gaze

run from me darlin'
run my good wife
run from me darlin'
you'd better run for your life

run, run, run, run
run, run, run, run
run, run, run, run
run, run, run, run
run, run, run, run

Lucian Freud


    Ainda nos inícios (tinha 25 anos), antes da carne se tornar carne, matéria e suporte da inquietação. Mas ela já lá está: na forma como a mão pega ou estrangula o gato. Seria curioso conhecer uma análise interpretativa do avô.

                     
                        Lucian Freud, Girl with kitten, 1947

Phillip Gass, Piano E harpa


                       Odilon Redon , carvão "Olho-Balão", 1878
     
     O objectivo da arte é lavar a porcaria do quotidiano das nossas almas, disse o Picasso (na verdade, em vez de porcaria, disse pó). Por serem horas de tristeza, por gostar de títulos e achar que os do Phillip Glass têm uma espécie de indizível tristeza. Porque Glass é vidro e a metamorfose do vidro pode ser caco. Por, infantilmente continuar a gostar da complementaridade. Já são mais do que razões....




quarta-feira, 2 de abril de 2014

Espanto triste

   
Positivamente sem palavras, ponho música.



Quem diria ?


     A banda sonora para as insónias. Noites em que, simplesmente, não se consegue «desligar»

Auto-irrisão





    Ou porque me ficou no ouvido a frase que usei no post sobre César Vallejo («quero acreditar (mas, eu quero acreditar em tanta coisa...)») ou, simplesmente porque em matéria de epigramas Oscar Wilde é mestre incontestado, aqui fica:

     «The old believe everything: the middle-aged suspect everything: the young know everything.», in
‘PHRASES AND PHILOSOPHIES FOR THE USE OF THE YOUNG’

     Ou seja, se «Os velhos acreditam em tudo, os de meia-idade desconfiam de tudo, os jovens sabem tudo», o facto de dar por mim, cada vez mais frequentemente, em crendices ou ilusões está-se mesmo a ver o que é que significa.

     O livro nem sempre funciona, mas que ajuda a atravessar este deserto de águas paradas, lá isso ajuda.

César Vallejo (e umas breves notas)


                                                                    Picasso, "Retrato de César Vallejo"


     Com grande alegria encontrei num alfarrabista um curiossímimo livro "Neruda & Vallejo, Selected Poems" (editado e prefaciado sob os auspícios do infatigável Robert Bly). Se aponto o carácter singular da obra é, por um lado, não ser nacional tradição no meio editorial publicar «a meias» sendo que, neste caso se trata de poetas de nacionalidades diferentes (chilena e peruana). Bem vistas as coisas, pelo menos neste caso, até faz algum sentido...

     Decidi postar este poema de César Valejo «porque sim», como sempre.  Desta vez, (como nunca), antecedo a postagem de duas breves notas.

     A primeira vem a propósito duma questão aqui abordada no post « Tradução, traduções (verdades e traições). brevíssima reflexão sobre uma falsa questão»
http://sexanddrugsandprotestsongs.blogspot.pt/2014/03/traducao.html.
César Vallejo, tanto quanto sei, nunca foi editado em Portugal (...mas isso são outras mágoas).
Ao folhear o livro, li o poema que transcrevo e que lembrava, vagamente, de ter lido numa edição argentina, infelizmente perdida numa qualquer curva da vida.
   Acontece que o título ("Espergia") é uma palavra inexistente na língua castelhana. Sempre gostei de edições bilingues (e o conteúdo do referido post explica em parte porquê), de forma que, poupando a prosa, registe-se o critério utilizado pelo tradutor. Que cada um tire as suas conclusões...


     A outra (nota) é brevíssima. Uma edição, dirigida por quem é, decidir colocar na capa (com a manifesta intenção de atrair leitores- compradores) um excerto de uma crítica literária deste calibre, roça o obsceno...


«masculinidade e força» ? Está bem... curiosíssimo de saber a opinião do engajado Robert Bly, quero acreditar (mas, eu quero acreditar em tanta coisa...) que a responsabilidade seja do editor, cujo nome aqui fica registado (Beacon Press, da selecta e mui culta cidade de Boston).



ESPERGESIA

Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.
Todos saben que vivo,
que soy malo; y no saben
del diciembre de ese enero.
Pues yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.
Hay un vacío
en mi aire metafísco
que nadie ha de palpar:
el claustro de un silencio
que habló a flor de fuego.
Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.
Hermano, escucha, escucha …
Bueno. Y que no me vaya
sin llevar diciembres,
sin dejar eneros.
Pues yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.
Todos saben que vivo,
que mastico … Y no saben
por qué en mi verso chirrian,
oscuro sinsabor de féretro,
luyidos vientos
desenroscados de la Esfinge
preguntona del Desierto.
Todos saben … Y no saben
que la Luz es tísica,
y la Sombra gorda …
Y no saben que el Misterio sintetiza …
que él es la joroba
musical y triste que a distancia denuncia
el paso meridiano de las lindes a las Lindes
Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo,
grave.


HAVE YOU ANYTHING TO SAY IN YOUR DEFENSE?

Well, on the day I was born,
God was sick.
They all know that I’m alive,
that I’m vicious ; and they don’t know
the December that follows from that January.
Well, on the day I was born,
God was sick.
There is an empty place
in my metaphysical shape
that no one can reach:
a cloister of silence
that spoke with the fire of its voice muffled.
On the day I was born,
God was sick.
Brother, listen to me, Listen …
Oh, all right. Don’t worry, I won’t leave
without taking my Decembers along,
without leaving my Januaries behind.
Well, on the day I was born,
God was sick.
They all know that I’m alive,
that I chew my food … and they don’t know
why harsh winds whistle in my poems,
the narrow uneasiness of a coffin,
winds untangled from the Sphinx
who holds the desert for routine questioning.
Yes, they all know … Well, they don’t know
that the light gets skinny
and the darkness gets bloated …
and they don’t know that the Mystery joins things together …
that he is the hunchback
musical and sad who stands a little way off and foretells
the dazzling progression from the limits to the Limits.
On the day I was born,
God was sick,
gravely.

Translated by James Wright

terça-feira, 1 de abril de 2014

Con luto de viudo furioso por cada día de mi vida




ARTE POETICA

Entre sombra y espacio, entre guarniciones y doncellas,
dotado de corazón singular y sueños funestos,
precipitadamente pálido, marchito en la frente
y con luto de viudo furioso por cada día de mi vida,
ay, para cada agua invisible que bebo soñolientamente
y de todo sonido que acojo temblando,
tengo la misma sed ausente y la misma fiebre fría
un oído que nace, una angustia indirecta,
como si llegaran ladrones o fantasmas,
y en una cáscara de extensión fija y profunda,
como un camarero humillado, como una campana un poco ronca,
como un espejo viejo, como un olor de casa sola
en la que los huéspedes entran de noche perdidamente ebrios,
y hay un olor de ropa tirada al suelo, y una ausencia de flores
—posiblemente de otro modo aún menos melancólico—,
pero, la verdad, de pronto, el viento que azota mi
pecho,
las noches de substancia infinita caídas en mi dormitorio,
el ruido de un día que arde con sacrificio
me piden lo profético que hay en mí, con melancolía
y un golpe de objetos que llaman sin ser respondidos
hay, y un movimiento sin tregua, y un nombre confuso.

Pablo Neruda

Angelus Maliciosus (Le fou rire, quoi!)






Vous voyez cette plume?
Eh bien, c´est une plume... d´ange
Mais rassurez-vous, je ne vous demande pas de me croire, je ne vous le demande plus.
Pourtant, écoutez encore une fois, une dernière fois, mon histoire.
Une nuit, je faisais un rêve désopilant quand je fus réveillé par un frisson de l´air.
J´ouvre les yeux, que vois-je?
Dans l´obscurité de la chambre, des myriades d´étincelles... Elles s´en allaient rejoindre, par tourbillonnements magnétiques,
un point situé devant mon lit.
Rapidement, de l´accumulation de ces flocons aimantés, phosphorescents, un corps se constituait.
Quand les derniers flocons eurent terminé leur course, un ange était là, devant moi, un ange réglementaire avec les grands ailes de lait.
Comme une flèche d´un carquois, de son épaule il tire une plume, il me la tend et il me dit :
"C´est une plume d´ange. Je te la donne. Montre-la autour de toi.
Qu´un seul humain te croie et ce monde malheureux s´ouvrira au monde de la joie.
Qu´un seul humain te croie avec ta plume d´ange.
Adieu et souviens-toi : la foi est plus belle que Dieu. "

Et l´ange disparut laissant la plume entre mes doigts.
Dans le noir, je restai longtemps, illuminé, grelottant d´extase, lissant la plume, la respirant.
En ce temps-là, je vivais pour les seins somptueux d´une passion néfaste.
J´allume, je la réveille :

"Mon amour, mon amour, regarde cette plume... C´est une plume d´ange! Oui! un ange était là... Il vient de me la donner... Oh
ma chérie, tu me sais incapable de mensonge, de plaisanterie scabreuse... Mon amour, mon amour, il faut que tu me croies, et tu vas voir... le monde! "
La belle, le visage obscurci de cheveux, d´araignées de sommeil, me répondit :
"Fous-moi la paix... Je voudrais dormir... Et cesse de fumer ton satané Népal! "
Elle me tourne le dos et merde!

Au petit matin, parmi les nègres des poubelles et les premiers pigeons, je filai chez mon ami le plus sûr.
Je montrai ma plume à l´Afrique, aux poubelles, et bien sûr, aux pigeons qui me firent des roues, des roucoulements de considération admirative.
Je sonne.
Voici mon ami André.
Posément, avec précision, je vidais mon sac biblique, mon oreiller céleste :
"Tu m´entends bien, André, qu´on me prenne au sérieux et l´humanité tout entière s´arrache de son orbite de malédiction guerroyante et funeste. A dégager! Finies la souffrance, la sottise. La joie, la lumière débarquent! "
André se massait pensivement la tempe, il me fit un sourire ému, m´entraîna dans la cuisine et devant un café, m´expliqua que moi, sensible, moi, enclin au mysticisme sauvage, moi devais reconsidérer cette apparition.
Le repos... L´air de la campagne... Avec les oiseaux précisément, les vrais!

Je me retrouve dans la rue grondante, tenaillant la plume dans ma poche.
Que dire? Que faire?
" Monsieur l´agent, regardez, c´est une plume d´ange. "
Il me croit!
Aussitôt les tonitruants troupeaux de bagnoles déjà hargneuses s´aplatissent. Des hommes radieux en sortent, auréolés de leurs volants et s´embrassent en sanglotant.
Soyons sérieux!
Je marchais, je marchais, dévorant les visages. Celui-ci? La petite dame?
Et soudain l´idée m´envahit, évidente, éclatante... Abandonnons les hommes!
Adressons-nous aux enfants! Eux seuls savent que la foi est plus belle que Dieu.
Les enfants... Oui, mais lequel?
Je marchais toujours, je marchais encore. Je ne regardais plus la gueule des passants hagards, mais, en moi, des guirlandes de visages d´enfants, mes chéris, mes féeriques, mes crédules me souriaient.
Je marchais, je volais... Le vent de mes pas feuilletait Paris... Pages de pierres, de bitume, de pavés maintenant.
Ceux de la rue Saint-Vincent... Les escaliers de Montmartre. Je monte, je descends et me fige devant une école, rue du Mont-Cenis.
Quelques femmes attendaient la sortie des gosses.
Faussement paternel, j´attends, moi aussi.
Les voilà.
Ils débouchent de la maternelle par fraîches bouffées, par bouillonnements bariolés. Mon regard papillonne de frimousses en minois, quêtant une révélation.
Sur le seuil de l´école, une petite fille s´est arrêtée. Dans la vive lumière d´avril, elle cligne ses petits yeux de jais, un peu bridés, un peu chinois et se les frotte vigoureusement.
Puis elle prend son cartable orange, tout rebondi de mathématiques modernes.
Alors j´ai suivi la boule brune et bouclée, gravissant derrière elle les escaliers de la Butte.
A quelque cent mètres elle pénétra dans un immeuble.
Longtemps, je suis resté là, me caressant les dents avec le bec de ma plume.

Le lendemain je revins à la sortie de l´école et le surlendemain et les jours qui suivirent.
Elle s´appelait Fanny. Mais je ne me décidais pas à l´aborder. Et si je lui faisais peur avec ma bouche sèche, ma sueur sacrée, ma pâleur mortelle, vitale?
Alors, qu´est-ce que je fais? Je me tue? Je l´avale, ma plume? Je la plante dans le cul somptueux de ma passion néfaste?
Et puis un jeudi, je me suis dit : je lui dis.
Les poumons du printemps exhalaient leur première haleine de peste paradisiaque.
J´ai précipité mon pas, j´ai tendu ma main vers la tête frisée... Au moment où j´allais l´atteindre, sur ma propre épaule, une pesante main s´est abattue.
Je me retourne, ils étaient deux, ils empestaient le barreau : "Suivez-nous."

Le commissariat.
Vous connaissez les commissariats?
Les flics qui tapent le carton dans de la gauloise, du sandwich...
Une couche de tabac, une couche de passage à tabac.
Le commissaire était bon enfant, il ne roulait pas les mécaniques, il roulait les r :
" Asseyez-vous. Il me semble déjà vous avoir vu quelque part, vous. Alors comme ça, on suit les petites filles?
- Quitte à passer pour un détraqué, je vais vous expliquer, monsieur, la véritable raison qui m´a fait m´approcher de cette enfant.
Je sors ma plume et j´y vais de mon couplet nocturne et miraculeux.
- Fanny, j´en suis certain, m´aurait cru. Les assassins, les polices, notre séculaire tennis de coups durs, tout ça, c´était fini, envolé!
- Voyons l´objet, me dit le commissaire.
D´entre mes doigts tremblants il saisit la plume sainte et la fait techniquement rouler devant un sourcil bonhomme.
- C´est de l´oie, ça..., me dit-il, je m´y connais, je suis du Périgord.
- Monsieur, ce n´est pas de l´oie, c´est de l´ange, vous dis-je!
- Calmez-vous! Calmez-vous! Mais vous avouerez tout de même qu´une telle affirmation exige d´être appuyée par un minimum d´enquête, à défaut de preuve.
Vous allez patienter un instant. On va s´occuper de vous. Gentiment hein? gentiment. "

On s´est occupé de moi, gentiment.
Entre deux électrochocs, je me balade dans le parc de la clinique psychiatrique où l´on m´héberge depuis un mois.
Parmi les divers siphonnés qui s´ébattent ou s´abattent sur les aimables gazons, il est un être qui me fascine. C´est un vieil homme, très beau, il se tient toujours immobile dans une allée du parc devant un cèdre du Liban. Parfois, il étend lentement les bras et semble psalmodier un texte secret, sacré.
J´ai fini par m´approcher de lui, par lui adresser la parole.
Aujourd´hui, nous sommes amis. C´est un type surprenant, un savant, un poète.
Vous dire qu´il sait tout, a tout appris, senti, perçu, percé, c´est peu dire.
De sa barbe massive, un peu verte, aux poils épais et tordus le verbe sort, calme et fruité, abreuvant un récit où toutes les mystiques, les métaphysiques, les philosophies s´unissent, se rassemblent pour se ressembler dans le puits étoilé de sa mémoire.

Dans ce puits de jouvence intellectuelle, sot, je descends, seau débordant de l´eau fraîche et limpide de l´intelligence alliée à l´amour, je remonte.
Parfois il me contemple en souriant. Des plis de sa robe de bure, ils sort des noix, de grosses noix qu´il brise d´un seul coup dans sa paume, crac! pour me les offrir.

Un jour où il me parle d´ornithologie comparée entre Olivier Messiaen et Charlie Parker, je ne l´écoute plus.
Un grand silence se fait en moi.
Mais cet homme dont l´ange t´a parlé, cet homme introuvable qui peut croire à ta plume, eh bien, oui, c´est lui, il est là, devant toi!
Sans hésiter, je sors la plume.
Les yeux mordorés lancent une étincelle.
Il examine la plume avec une acuité qui me fait frémir de la tête aux pieds.
" Quel magnifique spécimen de plume d´ange, vous avez là, mon ami.
- Alors vous me croyez? vous le savez!
- Bien sûr, je vous crois. Le tuyau légèrement cannelé, la nacrure des barbes, on ne peut s´y méprendre.
Je puis même ajouter qu´il s´agit d´une penne d´Angelus Maliciosus.
- Mais alors! Puisqu´il est dit qu´un homme me croyant, le monde est sauvé...
- Je vous arrête, ami. Je ne suis pas un homme.
- Vous n´êtes pas un homme?
- Nullement, je suis un noyer.
- Vous êtes noyé?
- Non. Je suis un noyer. L´arbre. Je suis un arbre. "

Il y eut un frisson de l´air.
Se détachant de la cime du grand cèdre, un oiseau est venu se poser sur l´épaule du vieillard et je crus reconnaître, miniaturisé, l´ange malicieux qui m´avait visité.
Tous les trois, l´oiseau, le vieil homme et moi, nous avons ri, nous avons ri longtemps, longtemps...
Le fou rire, quoi!