quinta-feira, 10 de abril de 2014

ódios de estimação


                             Christophe Blain

 

     Confesso ser muito pouco frequentador do universo blogueiro. Não por qualquer razão em especial, nem por preconceito. Provável e prosaicamente por uma questão de "economia", ou seja de gerir o tempo de que disponho para a leitura. Enfim, critérios...  Já aqui falei das razões pelas quais tenho, alimento e mantenho (o mais saudavelmente que posso ou sei) um blog. No fundo,imagino que imagino o conjunto de blogs existentes como uma espécie de cidade onde existem inúmeras habitações, umas mais públicas do que outras; geralmente quando tocam à campaínha cá da toca não abro a porta, nem pergunto quem é, porque no meu caso isso quer dizer, larvarmente, «problema». Assumo serem prácticas e hábitos sociais que cada  um gere como muito bem entende.

    Já em relação ao facebook (e a todas as outras redes sociais) a atitude é completamente diferente. O inicial desgosto deu lugar a uma alergia que, por sua vez, resvalou para a irritação. Abreviando, quando se atingiu o ponto de sermos olhados como se fossemos marcianos, portadores de doença inconfessável ou, pior, merecedores de desconfiança vaga mas certa, ao «confessarmos» não ter conta no facebook, achei ser chegado o momento de passar da indiferença ao boicote assumido, senão mesmo ao combate ao dito cujo. Devo dizer que a colecta de argumentos que sustentassem a minha posição se veio a revelar duma surpreendente facilidade (desde a tirânica invisibilidade social, à forma superficial de pensar qualquer realidade ou assunto em termos de like ou não, foi uma autêntica avalanche). Pensava eu ter definitivamente arrumado na mais remota gaveta o «caso facebook», quando me apercebi (na verdade constatei) que já era tarde demais, e que a opção «ter ou não ter» já não era (a) questão... na verdade, se queria aceder a determinados sites, acompanhar determinadas actividades humanas (culturais, por exemplo) era, pura e simplesmente, obrigado a ser «sócio». Evidentemente que a irritação deu lugar ao ódio (de estimação mas, como qualquer ódio, cego e selvagem). Passado o que, reactivei a minha filiação, que jaz desmaiada e de respiração contida, instruí a minha conta de email no sentido de enviar directamente para o lixo toda a correspondência dali oriunda e segui, envergonhadamente calado, a minha vida.

     Vem isto a (des)propósito da entrevista ao Miguel Sousa Tavares que transcrevo. Gostaria, se ainda possível, lessem com ligeireza e pensassem uns minutos sem, se ainda possível, automaticamente laicarem ou deslaicarem.

   Uma observação incrédula e divertida (com a idade vai-se ficando selecto nas irritações) à qual muito gostaria de obter resposta iluminada e iluminante: porque será que a epígrafe favorita (na qual, pelo menos eu, tropeço constantemente) dos blogueiros, ou bloguistas, é:  "…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar) ? 


     

"Odeio tanto o Twitter como o Facebook"

Como é que faz para alimentar a sua opinião todas as semanas? Além de ler os jornais, também consulta os blogues?
Não, não vejo nem blogues nem redes sociais. Odeio o Facebook, odeio o Twitter. A única coisa que faço na Internet é, para além dos mails, para além de instrumentos de trabalho, wikipedias, etc., uso o Skype em telefonemas para o estrangeiro, mais nada. Não faço mais nada. Ah, jogo bridge. Agora, a ideia de rede social, e de blogues, tudo em comunicação, a falar… acho insuportável. Os blogues são uma série de gente que se acha importantíssima, que tem uma espécie de capelinhas, quase religiões, com os seus fiéis atrás. Há excesso de informação. Faz-me lembrar uma frase que a minha mãe dizia sobre o Eduardo Prado Coelho, que ele sabia mais do que percebia. Hoje em dia, as pessoas também têm mais informação do que a que conseguem entender. Nós temos uma dose limitada de aquisição de conhecimentos, e o resto é preciso tempo para pensar. No Facebook e no Twitter tudo tem umas teses extraordinárias. São todos cultíssimos, leves, frescos, trendy, sei lá...
Mas isso não é o que também faz quando vai à TVI, por exemplo, falar sobre tudo?
Não, é totalmente diferente. O Facebook é uma coisa elitista. Os blogues também. Aquilo é a beautiful people. Eu falo para 12% de audiência. Desde o vendedor de jornais da esquina, analfabeto ao professor universitário. E sei que falo, porque as pessoas abordam-me na rua e perceberam, e concordaram ou discordaram, mas perceberam. Estou a falar para elas, estou a fazer um serviço. Eu pagava um milhão para ninguém saber quem eu era, para poder fazer os meus comentários como o homem invisível. Agora, eu não vivo a ter opiniões instantâneas todos os dias, como se vive nos blogues, como se vive nas redes sociais. Em relação ao Facebook, eu vejo-o como a maior ameaça próxima para a história da humanidade.
Porquê?
Porque veio subverter todo o tipo de relações humanas. As pessoas deixam de se encontrar, de se conhecer, queimam as etapas todas, deixam de se olhar, mesmo. Tudo se torna fácil, vão para ali para arranjar namorados, para expor as suas vidas, os jantares que dão em casa, os baptizados dos filhos, as festas a que vão… E ainda por cima é uma perversão total da intimidade! Vou a uma festa e alguém põe uma foto minha na sua página do Facebook. É o paparazzo dentro de cada um, não é? A total promiscuidade das vidas privadas! E está tudo radiante a expor as suas vidas privadas no Facebook, contentíssimos, porque têm um feedback instantâneo, julgam que assim não estão solitários. E está tudo fechado em casa, diante do computador!
Não se sente ameaçado pelos blogues, como opinador?
Enquanto houver jornais, faz sentido que haja colunistas nos jornais. Se amanhã os blogues destronarem os colunistas dos jornais, tudo bem. Agora, não tenho a obsessão do Pacheco Pereira, que tem que estar na televisão, nos jornais e nos blogues, tem que estar em todo o lado, sob pena de perder espaço. Eu não me sinto ameaçado porque eu não luto para ter leitores. Quando não tiver, não tenho. Nem sequer vejo as audiências da TVI a seguir a eu falar, não sei qual é a minha influência…
Isso não é bem verdade, pois não? Tem de estar a pensar que reacção vai ter nas pessoas.
Sim, está. Mas a mim tanto me faz que eu escreva no Expresso e tenha 100 mil pessoas a ler, como 10 mil. O que eu quero é sentir que escrevi uma coisa bem escrita e que vai mexer com as pessoas…


Miguel Sousa Tavares, in “DN” 05 julho 2009