quarta-feira, 2 de abril de 2014
César Vallejo (e umas breves notas)
Picasso, "Retrato de César Vallejo"
Com grande alegria encontrei num alfarrabista um curiossímimo livro "Neruda & Vallejo, Selected Poems" (editado e prefaciado sob os auspícios do infatigável Robert Bly). Se aponto o carácter singular da obra é, por um lado, não ser nacional tradição no meio editorial publicar «a meias» sendo que, neste caso se trata de poetas de nacionalidades diferentes (chilena e peruana). Bem vistas as coisas, pelo menos neste caso, até faz algum sentido...
Decidi postar este poema de César Valejo «porque sim», como sempre. Desta vez, (como nunca), antecedo a postagem de duas breves notas.
A primeira vem a propósito duma questão aqui abordada no post « Tradução, traduções (verdades e traições). brevíssima reflexão sobre uma falsa questão»
http://sexanddrugsandprotestsongs.blogspot.pt/2014/03/traducao.html.
César Vallejo, tanto quanto sei, nunca foi editado em Portugal (...mas isso são outras mágoas).
Ao folhear o livro, li o poema que transcrevo e que lembrava, vagamente, de ter lido numa edição argentina, infelizmente perdida numa qualquer curva da vida.
Acontece que o título ("Espergia") é uma palavra inexistente na língua castelhana. Sempre gostei de edições bilingues (e o conteúdo do referido post explica em parte porquê), de forma que, poupando a prosa, registe-se o critério utilizado pelo tradutor. Que cada um tire as suas conclusões...
A outra (nota) é brevíssima. Uma edição, dirigida por quem é, decidir colocar na capa (com a manifesta intenção de atrair leitores- compradores) um excerto de uma crítica literária deste calibre, roça o obsceno...
«masculinidade e força» ? Está bem... curiosíssimo de saber a opinião do engajado Robert Bly, quero acreditar (mas, eu quero acreditar em tanta coisa...) que a responsabilidade seja do editor, cujo nome aqui fica registado (Beacon Press, da selecta e mui culta cidade de Boston).
ESPERGESIA
Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.
Todos saben que vivo,
que soy malo; y no saben
del diciembre de ese enero.
Pues yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.
Hay un vacío
en mi aire metafísco
que nadie ha de palpar:
el claustro de un silencio
que habló a flor de fuego.
Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.
Hermano, escucha, escucha …
Bueno. Y que no me vaya
sin llevar diciembres,
sin dejar eneros.
Pues yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.
Todos saben que vivo,
que mastico … Y no saben
por qué en mi verso chirrian,
oscuro sinsabor de féretro,
luyidos vientos
desenroscados de la Esfinge
preguntona del Desierto.
Todos saben … Y no saben
que la Luz es tísica,
y la Sombra gorda …
Y no saben que el Misterio sintetiza …
que él es la joroba
musical y triste que a distancia denuncia
el paso meridiano de las lindes a las Lindes
Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo,
grave.
HAVE YOU ANYTHING TO SAY IN YOUR DEFENSE?
Well, on the day I was born,
God was sick.
They all know that I’m alive,
that I’m vicious ; and they don’t know
the December that follows from that January.
Well, on the day I was born,
God was sick.
There is an empty place
in my metaphysical shape
that no one can reach:
a cloister of silence
that spoke with the fire of its voice muffled.
On the day I was born,
God was sick.
Brother, listen to me, Listen …
Oh, all right. Don’t worry, I won’t leave
without taking my Decembers along,
without leaving my Januaries behind.
Well, on the day I was born,
God was sick.
They all know that I’m alive,
that I chew my food … and they don’t know
why harsh winds whistle in my poems,
the narrow uneasiness of a coffin,
winds untangled from the Sphinx
who holds the desert for routine questioning.
Yes, they all know … Well, they don’t know
that the light gets skinny
and the darkness gets bloated …
and they don’t know that the Mystery joins things together …
that he is the hunchback
musical and sad who stands a little way off and foretells
the dazzling progression from the limits to the Limits.
On the day I was born,
God was sick,
gravely.
Translated by James Wright