domingo, 19 de janeiro de 2014

«Nada é para sempre»

  
   Tinha saido cedo. As ruas como nos domingos de antigamente, percorridas apenas pelo ar frio que lhe pôs umas lágrimas no olhar, a ele que não chorava desde que se lembrava (nem quando, criança, a mãe morreu, e ficaram todos, medrosos, a olhar para ele, como se fosse um homem pequenino, seco e cinza), que por momentos desfocaram a visão. Institivamente soube que isso o tinha protegido da emoção, e agradeceu distraído, não soube a quem.
   Mais tarde, já composto, apreciou com vagar o céu, um azul que lhe apeteceu definitivo. «Nada é para sempre». A luz recortava os objectos; todos, até aqueles em que já nem se repara, com uma nitidez de x-acto. Tudo recortado por uma mão firme, como a bofetada que lhe doeu.
   Dias assim tornam pesado o habitualmente cómodo celibato. Difusamente, sentiu o calor ausente, quase sonhou uma mão no escuro que sob a roupa da cama procura um seio, os corpos (que os há) encaixados como se feitos um no outro, sentiu um escuro, tão nítido como esta manhã de domingo, abreviou as imagens até a mão que encontra a mão, dedos entrelaçados como plantas quentes a falarem baixinho sussurros de até amanhã.
   Foi esse balbucio que o fez sentir o chá a queimar-lhe a boca. Um pequeno estremecimento fê-o abrir os olhos e viu na mesa, o que também era vida: um bule, a taça de chá fumegante e a pequena madalena intacta.