quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

BD




terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Chavela Crucis



Tómate esta botella conmigo
en el último trago nos vamos
quiero ver a qué sabe tu olvido
sin poner en mis ojos tus manos
esta noche no voy a rogarte
esta noche te vas que de veras
que difícil trata de olvidarte
y que sienta que ya no me quieras
Nada me han enseñado los años
siempre caigo en los mismos errores
otra vez a brindar con extraños
y a llorar por los mismos dolores
Tómate esta botella conmigo
en el último trago me dejas
esperamos que no haya testigos
por si acaso te diera vergüenza
si algún día sin querer tropezamos
no te agaches ni me hables de frente
simplemente la mano nos damos
y después que murmure la gente
Nada me han enseñado...




EL SALSERO

I

Os homens são assim. Bebem demais,
cantam, esconjunram a morte
chamando-a para mais perto - e ela vem.
É uma ciência nocturna, a dos
homens, enquanto copos e garrafas
martelam sobre o balcão
os compassos de uma música sem saída.

É tão triste às vezes saber
que «à sombra do milho verde
namorei uma cachopa» - ou
pedir ao rosto de ninguém
que nos beije muito, como se fosse 
esta noite a última vez.
Tão triste, numa noite realmente
última, lembrar  outra vez os amigos
que hoje aqui não estão por terem
bebido mais depressa o mesmo copo
letal que nos afasta da morte.

Amores, desamores, injúrias
e palavras vizinhas dos punhais.
Coisas que os anos foram sepultando,
quase com doçura ou escárnio.
porque os homens quando bebem,
conhecem imensamente a loucura,
sentam nos ombros mais velhos
o peso insidioso da melancolia.
E não é fácil de ver, tanta dor.

Isso mesmo que certas canções
ou a névoa do haxixe nos fazem esquecer
por breves instantes uma vida inteira.
Isso mesmo, ainda, que na derrota
de um sorriso se confunde com o
sudário dos dias. Porque dentro destas
quatro paredes, sabíamos bem, era
proibido amanhecer. Só muito mais tarde,
já sem alma nem dinheiro, os corpos
voltariam a rastejar para a 
maldição da luz. Com uma canção
mais fria a escurecer-lhes os lábios.



II

Empalidece agora o sorriso do gusano
na parede, ferem mais as palavras
sem mesura de Chavela Vargas
e a certeza subitamente real deste último
trago entre os últimos da festa.
As garrafas de várias cores não voltarão
a derramar o seu cálido perfume
e há, talvez, um mapa de afectos que
soçobra, um poema que ninguém escreveu.

mas a perdição continuará, noutros 
sítios, em casa de gente que morre
e entristece de tanto viver. Os dolorosos
amigos. Existirá sempre um vinho forte
a alimentar o epicentro do pânico,
aí onde apenas o vazio tem mãos
capazes de nos amparar na queda.

O que não lemos, o que não amámos,
os países que desconhecemos - tudo isso
ficará dentro destas paredes condenadas
à destruição e às prepotentes razões do lucro.
Perder - eis a nossa vocação, a única. Com um
relampâgo de sombra nos olhos apagados.


III

O teu amigo, porém, regressa - abre
pela última vez a porta larga do inferno
e anuncia para a escuridão dos rostos
que «já é dia». Finge também ele sorrir,
perder de pé. Porque há evidências inaceitáveis,
manhãs de metal que nos surpreendem vivos.

Só no táxi, abraçamos a certeza do fim, agora
mais palpável, e o dia demolido que nos espera.
Há horas assim - de que a própria morte
se apiedaria, se tivesse tempo.
Uma canção que regressa só para nos dizer
que a perdemos, que é tão tarde o corpo.


Manuel de Freitas, in "A Última Porta" (Selecção e posfácio de João Miguel Silva), Assírio & Alvim, Lx. 2010






sábado, 26 de janeiro de 2013

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Michaux




O pássaro que se apaga

   É durante o dia que ele aparece, no dia mais branco. Pássaro.
   Bate as asas, voa. Bate as asas, apaga-se.
   Bate as asas, ressurge.
   Pousa. E depois desaparece. Com um bater de asas apagou-se no espaço branco.
   É assim que se comporta o meu pássaro familiar, o pássaro que vem povoar o céu do meu pequeno pátio. Povoar? Bem se vê de que maneira...
   Mas permaneço quieto, a contemplá-lo fascinado pela sua aparição, fascinado pela sua desaparição.

    in "Antologia - Henri Michaux", trad. Margarida Vale de Gato (Ed. Relógio d'Água, 1999) 


sábado, 19 de janeiro de 2013

Sleep Angels



quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Biografias - António Lobo Antunes

As biografias
António Lobo Antunes


Gosto muito de ler biografias mesmo sabendo que não biografam nada. Contam factos, acumulam testemunhos, relatam acontecimentos mas é tudo por fora, e saio delas sem conhecer um pito da pessoa a que o livro se refere. Sem conhecer um pito do que a pessoa é. Fico ao par de uma casca, porque o acesso ao miolo é impossível e o conhecimento da intimidade nos está vedado. Queria uma vida e dão-me historinhas porém, como gosto de historinhas, divertem-me. Não se consegue ter acesso ao interior de um homem ou de uma mulher através de episódios inevitavelmente exteriores. O que eles sentiram permanece inviolado. Sabemos dos seixos ou das algas na praia, não sabemos do mar. Extractos de cartas, de confissões, de confidências e a certeza que outras coisas por baixo, que as coisas importantes por baixo, intactas. Scott Fitzgerald sustentava não se poder contar a vida de um escritor porque ele é muita gente. Para mim não é isso, é a incapacidade de aceder ao fundo. Ficamos na espuma ou, na melhor das hipóteses, um bocadinho abaixo da espuma. Mais nada. E, no entanto, a espuma é interessante, permite-nos fantasiar, inventar, obter uma personagem que nos pertence a nós, não se pertence a si mesma. Por exemplo, leio uma biografia de John Cheever e não fico a saber do John Cheever, fico a saber do John Cheever do biógrafo. Uma espécie de romance, no sentido tradicional da palavra, no qual John Cheever é a personagem chave. Então, uma biografia é um romance em que se imagina que a criatura que dá o nome ao livro é verdadeira. Como era, na realidade, Balzac? Nem através da sua correspondência o conhecemos. Mesmo quando é o caso de um parente muito próximo a compor o livro o desconhecimento permanece. E se, por hipótese, eu publicasse a biografia de António Lobo Antunes não publicava a biografia de António Lobo Antunes nenhum, publicava a minha noção dele, dado que aquilo que somos, para nós mesmos, não passa da fantasia do que somos. A vida é um jogo de espectros, ainda que de espectros sinceros. E o que é a sinceridade? Mentir melhor, genuinamente convencidos que não mentimos? Nada é o que parece, afirmava Cortazar e, inevitavelmente, não somos o que temos a certeza de sermos. Se uma pessoa me declara, acerca de outra
- Conheço-o de ginjeira
calo-me com a certeza de que a não conhece de ginjeira nenhuma. Conhecemos apenas o que supomos e que, de uma forma ou outra, é uma extensão de nós mesmos. Então, para mim, ler biografias é igual a ler aventuras de Sandokan, soberano da Malásia. (Entre parêntesis, gosto de Sandokan soberano da Malásia.) E as vidas dos outros são os acontecimentos imaginários que me dão prazer. Eu não escrevo romances: são artefactos que gosto de ler mas não gostaria de ter escrito. Simenon, por exemplo: dá-me prazer ler, não me dava prazer nenhum escrever aquilo. Prazer é uma palavra idiota, porque não a associo ao acto de escrever. O que me interessa é experimentar, penosamente, alcançar com o dedo as areias do fundo, quero lá saber de personagens e enredos: servem-me, quando muito, de isco, para atrair o leitor e, sobretudo, para me atrair a mim mesmo, à verdade dos símbolos. Toda a verdade é simbólica e, daí, a impossibilidade de qualquer biografia, necessariamente descritiva. O problema é que existe em mim suficiente curiosidade mexeriqueira que as biografias satisfazem e também uma certa pequenez, em pessoas que no geral admiro, que me encanta. O lado quotidiano, pequenino, até mesquinho, das pessoas, sempre me atraiu, da mesma forma que sou capaz de passar horas a observar os códigos dos insectos. E a nossa vida, deixemo-nos de tretas, é feita de acontecimentos minúsculos, cujo carácter microscópico me encanta. Os breves surtos de grandeza da nossa existência são tão breves! Merecemos morrer porque a nossa dimensão é quase nula, desaparecermos, como as minhocas, no interior da terra. Não há grandes homens: há actos que, às vezes, são grandes e, acabados esses actos, regressamos de imediato, ao nosso curtíssimo tamanho, bichos da terra tão pequenos, ó irmão Luís. Há um livro de Gertrude Stein, chamado Autobiografia de toda a gente. O título é óptimo, a obra não vale nada mas, em certo sentido, o que as pessoas que escrevem tentam conseguir é essa Autobiografia de toda a gente: há mil maneiras de o tentar, ignoro se há alguma de o conseguir. Estava a acabar esta frase e veio-me à cabeça Balzac moribundo, a pedir socorro aos vários médicos que criou na Comédia Humana: o criador implorando ajuda à criatura faz todo o nexo para mim, nos livros que deixamos sucede sempre isso. Pergunto-me se a única biografia possível de um artista não será a da sua obra, página a página, capítulo a capítulo. E a maneira de conhecer o biografado estudar-lhe o trabalho porque, ao fim e ao cabo, é o único sítio em que a pessoa está. Claro que isto não me tira o prazer de ler biografias mesmo sabendo que não biografam nada. Acho que as leio por isso, por não biografarem nada, a não ser uma pessoa inventada a quem atribuímos um nome real, pormenores reais, episódios reais, quando a vida nada tem a ver com essa realidade. Tudo é excepcional e se passa a outro nível. E, depois, não podemos acreditar no que o objecto do nosso estudo diz. Quando Fields afirma "as mulheres são como os elefantes. Gosto de olhar para elas mas não gostava de ter uma em casa" que biógrafo o toma a sério? Quando Kraus anuncia "não gosto de me meter nos meus assuntos privados" quem o acredita? Porém estes, contarelos divertem-me e a ideia de Tchecov a morrer bebendo champanhe enternece-me. Só que as vidas deles foram outra coisa. Uma biografia autêntica tem que ter as páginas em branco. Muitas páginas em branco. Todas as páginas em branco. Depois a gente lê o branco muito devagarinho e com muito cuidado e tudo quanto lá está, percebemos então, é verdade.

As biografias

Existe em mim suficiente curiosidade mexeriqueira que as biografias satisfazem e também uma certa pequenez, em pessoas que no geral admiro, que me encanta.

António Lobo Antunes


Ler mais: http://visao.sapo.pt/as-biografias=f663502#ixzz2CYfCjjCw

As biografias

Existe em mim suficiente curiosidade mexeriqueira que as biografias satisfazem e também uma certa pequenez, em pessoas que no geral admiro, que me encanta.

António Lobo Antunes


Ler mais: http://visao.sapo.pt/as-biografias=f663502#ixzz2CYfCjjCw

domingo, 13 de janeiro de 2013

Os Bons, as Putas e os Canalhas



03-Le bon, la pute et le truand


C'est une pute, un gros vaisseau spatial
Prête à toutes les orbites, prête à toutes les fringales
Elle traîne pas à Pigalle
C'est une crapule en costume
Du côté de la bourse
Qui aguiche et qui trousse
Des maris solitaires en mal d'amour dans le coeur

[Refrain]
Parfois les bons ne sont pas ce qu'on croit
Il y a les bons, les putes et les truands
Parfois les bons ne sont pas ce qu'on croit
Il y a les bons, les putes et les truands

Et l'autre elle arpente les trottoirs
Elle cherche le client d'un soir
Elle on la traite de pute
Mais ça se discute
Elle vend son corps pas son âme
C'est une dame pas un infâme
Elle vend son corps pas son âme
Ne faites pas l'amalgame

[Refrain]
Parfois les bons ne sont pas ce qu'on croit
Il y a les bons, les putes et les truands
Parfois les bons ne sont pas ce qu'on croit
Il y a les bons, les putes et les truands

Et le truand dans cette affaire
Qui s'en tire à bon compte c'est moi
Vous m'avez écouter, donneur de leçon
Je vous laisse méditer, vous ne demande votre opinion
Et ouais...

[Refrain]
Parfois les bons ne sont pas ce qu'on croit
Il y a les bons, les putes et les truands
Parfois les bons ne sont pas ce qu'on croit
Il y a les bons, les putes et les truands

Lavra. Angeiras. Iodo e vento



Lavra. Angeiras. Iodo e vento. Afirmação de um outro mundo. Esperança.

Noite já depois de Leça da Palmeira e "su" cenário (pseudo) primeiromundista, muito lounge, gente dita, achada e sentida bonita, etecetra e nhanhanha... Nós a inventarmo-nos ou apenas a fingirmos que o céu tinha descido à terra (ou então num ascensor a foguetearmos  rumo ao charme mudo de uma  beleza absoluta... do hoje ou, até, do agora). Beleza assim só pode ser beleza cemitérica.

Valham-nos então  deus e os não compromissos para funerariamente bordejarmos um mar proleta e uma costa mal iluminada que nos acolhe e aceita mal-amanhados, orfãos ou filhos de ninguém mas (re)conciliados. O que antes era só palavreado (bruabá verbal), toma agora conta de nós e acolhe-nos; assim sim : iodo (a encher-nos o peito até à dor) e vento de mar (frio, mamilando-nos e encolhendo-nos mas, ao mesmo tempo e carinho,  acordando-nos). O conforto encontramo-lo num cenário improvável, em forma de ameijoas, vinho tinto adulto, azeitonas temperadas e um bacalhau que nem vos conto. Ah, e calor humano...
O tempo suspenso e o mundo esquecido. Um cigarro fumado no areal pejado de barcos da faina que afinal ainda há, e dum mar, teimoso, a falar connosco.

No regresso ao conforto, (pensou ele) , uma sereia, uma mulher menina. Chamou-se a si «Ana». Cabelo-alga, corpo carne-carne, fria e quente, elegância da terra nascida do mar. E vinda com a brancura das ondas do oceano e da noite: mulher minha se pudesse (ele) ou quisesse (ela). Aparições assim são perdições... e falaram devagar, com o conforto adulto dos olhares que não se evitam (voz de sereia com o som do mar ao fundo, finalmente entendível, a chamar por eles). O que é que disse? Segredo deles! E meu que neles estava.

Lavra. Angeiras. Iodo e vento. Promessa de um outro mundo.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Franquin




quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Sepúlveda



segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

    François-Xavier Lallane "Moutons de Laine" (1965)

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

... e por falar nisso



RECANTO 11
O verão deu-nos uma volta aos olhos.

Voltou-se ao mais princípio dos princípios
a Ilo um ovo perdido num campo de pérolas
chamou-se por uma mulher (Ila, irmã, ovário)
para recuperar o sexo

mas o que nos apareceu foi a clareira como víramos
num filme e na televisão a luz feita
espaço de calor aquela incandescência aberta
no juízo

que nos falava de um ser inexistente
de um ex-ser duplo
povoador de momentos agudos
de afiadas linhas da mão,

brancas gotas de amante à despedida
heróica incandescência metida
em supositório
pela artéria aorta.


 As casas vieram de noite

As casas vieram de noite
De manhã são casas
À noite estendem os braços para o alto
fumegam vão partir

Fecham os olhos
percorrem grandes distâncias
como nuvens ou navios

As casas fluem de noite
sob a maré dos rios

São altamente mais dóceis
que as crianças
Dentro do estuque se fecham
pensativas

Tentam falar bem claro
no silêncio
com sua voz de telhas inclinadas

 Luisa Neto Jorge

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

"Viagem ao Fim da Noite"

Para quem não leu a "Viagem ao Fim da Noite" (e em português há a tradução da Luisa Neto Jorge)









Sanseverino







On a pas les mêmes stars, ni les mêmes idoles
Tu aimes Cassavates, Andy Warhol
Moi j'aime la bande à Bonnot, Ravalchol et Landru
Tout les tapés les fondus

Scandale dans un enterrement ou dans un mariage
Je fais tache dans une famille normale
Je ne suis pas ton beau frère
Ni ton genre idéale
Je suis un malade mental

J'assassine lâchement, sans mobile apparent
Pas de place pour l'amour
Pour une liaison pas le temps
Je suis plus cadavre en décomposition
Que rendez-vous à seize heures à Nation

Désolé tu ne comprendras pas baby.
Le psychisme complexe d'un tueur en série
Je ne sors pas avec toi je sors de l'hôpital
Je suis un malade mental
Je ne suis pas ton boy friend
Le plus sentimental
Je suis un malade mental

Psychiatrie, Psychiatrie, Psychiatrie

Absolument pas mûr pour une liaison amoureuse
Votre client maître à des manières douteuses
Quand il aborde une rouquine ou une brunette
C'est pour lui couper la tête

Ne le confondez pas avec n'importe lequel
De vos délinquant ou détraqué sexuels
Le mien est un esthète, pas un truand banal
C'est un vrais malade mental

Ce soir là il n'a qu'un but c'est l'effraction
Il suit ses victimes chez eux et attention
Il sonne à l'interphone et puis il respire
Tout près du microphone
"Heeuu heuuu heuu"

Là haut dans l'appartement c'est la panique
On s'empresse on s'affole et puis on entend "clic"
C'est la porte qui s'ouvre et là y a plus un bruit
Et après, ben, c'est la boucherie

Il ne mesure jamais les conséquences tragiques
Il agit toujours dans l'ordre chronologique
Il a dans un premier temps ligoté des campeurs
Puis tué deux auto-stoppeurs

Emettons l'hypothèse que mon client sois fou
Inculpé de meurtre il va finir au trou
Plus aucun avenir il est très très mal
Ce n'est qu'une malade mental