segunda-feira, 18 de novembro de 2013



Isso, morte ao que parece



Trazida pelo mar, de cor cinza
como um espelho de céu sem nuvens.
A pedra, deitada na areia
Naquele momento e estava bem assim.

Se o esquecimento poder ser perfeição
Uma pedra na areia é uma pedra sobre pedras,
Esquecimento, não amnésia nem ausência
Mas realidade dentro da realidade

Eco infinito
Suspensão breve, intensa, eterna
como a procura do poema.

Se a pedra é dura e fria,
E os corpos quentes e penetráveis:

Amam e sexuam-se as pedras
Em beijos e lutas, em espasmos e entregas
Devoram-se como nem os homens sonham
Nas suas camas de palavras.

São de papel só, os livros
E os amores de quem está de passagem.

As Mãos Limpas de Sangue


Se por um instante partir ou adormecer
Ou a madrugada me surpreender
Numa cama fria, num quarto desconhecido
Tanto faz...

Se p'la primeira vez olhar
As minhas mãos limpas de sangue
Não de substância mas de matéria
Chamar-lhe-ei Amor, cidade.

Vergado e vencido, orgulhosamente derrotado
Correrei inútil ao espelho e, sei-o hoje,
O meu olhar branco encontrará
Nem sequer vestígios de ti.

Sem um som, um pulso ou sequer uma sombra...
Com as mão limpas de sangue
Nada terei e hei-de sabê-lo.
Por isso as não levarei ao peito.

Se sobreviverem à memória
Hei-de encostá-las ao vidro
Retribuindo uma despedida que não houve
Ah, inúteis mãos limpas de sangue

Sujas de tudo o resto. E a tua voz:
Resta-nos nada. Sobra-nos tudo.
Um copo baço , bebido... um corpo inútil
Um corpo a mais, a promessa que te fiz!

sábado, 16 de novembro de 2013

Jaime Sabines (a minha descoberta do dia)




¿Qué putas puedo hacer con mi rodilla,
con mi pierna tan larga y tan flaca,
con mis brazos, con mi lengua,
con mis flacos ojos?
¿Qué puedo hacer en este remolino
de imbéciles de buena voluntad?
¿Qué puedo con inteligentes podridos
y con dulces niñas que no quieren hombre sino poesía?
¿Qué puedo entre los poetas uniformados
por la academia o por el comunismo?
¿Qué, entre vendedores o políticos
o pastores de almas?
¿Qué putas puedo hacer, Tarumba,
si no soy santo, ni héroe, ni bandido,
ni adorador del arte,
ni boticario,
ni rebelde?
¿Qué puedo hacer si puedo hacerlo todo
y no tengo ganas sino de mirar y mirar?

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Jarabe De Palo - album "Depende"

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Roberto Bolaño sob protesto...

... pela tradução de António José Viegas



DEVOÇÃO DE ROBERTO BOLAÑO

Em finais de 1992 ele estava muito doente
e tinha-se separado da sua mulher.
Essa era a puta da verdade:
estava só e fodido
e costumava pensar que lhe restava pouco tempo.
Mas os sonhos, alheios à doença,
vinham todas as noites
com uma fidelidade que conseguia assombrá-lo.
Os sonhos que o transportavam para esse país mágico
A que ele e ninguém mais chamava México D.F. *
E Lisa e a voz de Mario Santiago**
lendo um poema
e tantas outras coisas boas e dignas
dos mais calorosos elogios.
Doente e só, ele sonhava
e defrontava os dias que se dirigiam
até ao fim de outro ano.
E de tudo isso extraía um pouco de força e coragem.
México, os passos fosforecentes da noite,
a música que se ouvia nas esquinas
onde antes as putas gelavam
(no coração de gelo de Colonia Guerrero ***)
proporcionavam-lhe o alimento de que necessitava
para cerrar os dentes
e não chorar de medo.

* - Distrito Federal do México (Cidade do México)
** - Mario Santiago (1953-1988) era um dos companheiros de Roberto Bolaño, e é considerado o fundador do infrarealismo. É personagem de Bolaño em Os Detectives Selvagens. O primeiro manifesto do infrarealismo foi assinado por Bolaño em 1976.
*** - Zona residencial e popular no noroeste da Cidade do México 


 
LISA

Quando Lisa me disse que tinha feito amor
com outro, na velha cabina telefónica daquele
armazém de Tepeyac, julguei que o mundo
terminava para mim. Um tipo alto e magro e
com o cabelo comprido e uma verga grossa que não esperou
mais de um encontro para penetrá-la até ao fundo.
Não é uma coisa séria, disse ela, mas é
a melhor maneira de tirar-te da minha vida.
Parménides Garcia Saldaña * tinha o cabelo farto e podia
ter sido o amante de Lisa, mas alguns
anos depois soube que tinha morrido numa clínica psiquiátrica
ou que se tinha suicidado. Lisa já não queria
dormir mais com perdedores. Às vezes sonho
com ela e imagino-a feliz e fria num México
desenhado por Lovecraft. Escutamos música
(Canned Heat **, um dos grupos preferidos
de Parménides Garcia Saldaña) e depois fazemos
amor três vezes. Da primeira vez veio-se dentro de mim,
da segunda veio-se na minha boca e, da terceira, apenas um fio
de água, um pequeno fio de pesca, entre os meus seios. E tudo
em duas horas, disse Lisa. As duas piores horas da minha vida,
disse eu do outro lado do telefone.



* Parménides Garcia Saldaña (1944-1982), escritor mexicano, apaixonado por J.D.Salinger, Norman Mailer, rock e marxismo. É autor de “Pasto Verde” ou de “En la Ruta de la Onda”, livro emblemático da chamada «Literatura de la Onda».

** Os Canned Heat eram uma banda de rock e de blues que chegou a actuar no Festival de Wooodstck. O baterista, Adolfo “Fito” de la Parra (n.1946) era Mexicano, acompanhou Etta James, os Platters ou as Shirelles, e tem mesmo um álbum intitulado “Fito de la Parra Drum Solos”. O guitarrista era Bob Hite (1945-1981), e o primeiro líder da banda Alan “Blind Owl” Wilson (1943-1970), que tocou com John Lee Hooker (este considerava-o o mais talentoso na harmónica) ou Jimi Hendrix. As duas canções mais famosas da banda eram “Going Up the Country” e “On the Road Again”.