quinta-feira, 31 de julho de 2014

Rien de Vian







«La langue est un organe sexuel dont on se sert occasionnellement pour parler. »



«Je me demande si je ne suis pas en train de jouer avec les mots. Et si les mots étaient faits pour ça ? »                                                                               
                                                                                                                 Vernon Sullivan (Boris Vian)


quinta-feira, 17 de julho de 2014

Uma libérrima tradução


                                                Piet Mondrian "Wood with Beech Trees" aguarela/ gouache, (1899)


Ceux qui courent par les mers ne changent que le ciel
au-dessus de leur tête ; ils ne changent pas d’âme.

                                                              Horace


Para os que cruzam mares
o que muda é o céu
sobre as suas cabeças,
não as suas almas

                                                 Horácio (65 AC - 8 AC)

terça-feira, 15 de julho de 2014

... e nem tanto, ou nem pouco mais ou menos


   Infindáveis geografias estas, as blogueiras onde há de tudo e freguesia a condizer. Assim, forçosamente havia de ser... Aproveito para trazer de volta a peida  ao redil da pica, pois, malgré uma porrada de coisas contratos são isso mesmo: contratos. Suponho que entre iguais, imputáveis e medianamente sérios... suponho ou supunha?

   É que, francamente me estou nas tintas para as vidas intestinais, genitais e outras que tais de gente que, agrade-me ou não, são meus iguais (nem que seja nestes exercícios aparentemente inócuos de ao babosar prosa ou tinta, fingir que há vida a sério, por detrás de prosas diversas e iconografias a condizer). Sei muitíssimo bem que ao estar a referi-lo(s) lhes estou a conceder estatuto e dignidade de viver. Mas range-me a caixa postal de baba e fel, o que me cansa realmente. Aos com caras, ainda que persistindo em escondê-las, em anonimatos que lhes vão a matar, já lhes disse o que pensava e do pouco prazer que tinha no convívio. Aos outros (e uns quantos haverá repetidos), peço, humilde, que não me fodam a tola nem me contaminem o quotidiano.

     Não resisto ao inevitável conselho: desacobardem e arranjem bússola para, como dizem os anglo-saxões, get a life (vossa e, se possível, interessante)


Hilário...



   
     Folheando a edição do "Jornal de Notícias" (14.Julho.2014), sou informado de que

COREIA DO NORTE
JOGA FINAL
COM PORTUGAL

     Transcrevo: «Na ditadura controlada por Kim Jong-Un, a televisão da Coreia do Norte emitiu uma (falsa) reportagem em que o país vai jogar a final do Mundial com Portugal. Na peça não faltam as bancadas com  adeptos norte coreanos, em golos da selecção. Haja imaginação».

sábado, 12 de julho de 2014

Phineas Gage, "O Erro de Descartes"



 Phineas Gage


   Gage “was no longer Gage”. Dói dizer que "Gage já não era Gage"... e mais dói quando o que se quer dizer é que, mesmo sem ferro, "Gage nunca foi Gage".

   Nem sequer se pode alegar que, ainda que só pressentida, a fraude seja notícia (de primeira página, de destaque e surpresa, ou de modesta coluna em palavras afogadas, ou só letra e palha...) nos pasquins onde são  impressas as vulgaridades que fazem a maior parte das nossas existências. «É assim..», «As coisas são o que são, e são (mesmo) assim». Não cessa a espantada falta d'ar com que nos redescobrimos, sobreviventes de exigência mínima, sempre prontos ao compromisso, lestos e prestos ao assobio e a improbabilidades anatómicas que nos permitem, desviar o olhar e ao som de um estalido seco mirar de frente «o que já foi», pragmáticos no desrespeito fácil e amnésico a que votamos mortos. Os nossos. Prato de lentilhas, ou putedo manhoso, em saldo, sem consciência de classe nem brio profissional, debitando mecanicamente preços, posições, prácticas admissíveis e, junto com as cuspidas, as definitivamente proibidas (ou inadmissíveis, se houvesse código). Pessoalmente (e porque me incluo na baixeza) adio escanhoamentos, aguentando "firme" a fuça que me mira, despachando a incomodidade, vendido como todos, ultrapassado o aluguer que, bem o sabemos, não é o ramo de actividade do  anjo tresmalhado (na verdade rebelde emancipado), o que é outra conversa.

   Tiro no pé, coração estilhaçado, no chão.                                                  


                                                                       Gage's exhumed skull and tamping iron, (1870)


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Anticlímax


                                                                           
                                                                                                                                       Robin McCarthy


   Surpreendo-me tão forte na determinação de não querer saber (afinal, um direito universal, que deveria estar consagrado, em constituições, estatutos, contratos sociais de toda  a espécie, casamento incluído), que desconfiando da memória recente e da sua bondade ou inteligência, passo em revista, sob múltiplos ângulos, os dias ainda presentes, as conversas tidas, os silêncios cultivados (os belicosos e os outros), as aparências e as ilusões.

    Em vão... qualquer que seja a abordagem, o método (as intenções, essas, guardo-as para mim) apenas um nevoeiro fora de época e muito pouco imaginador. É pois o espanto que me detém e, não muito saudavelmente, me põe a castalhenar em voz alta. Tudo, afinal, histórias sem saúde nem grandeza, não merecedoras de narrativas, nem narrações, quanto mais alterações de batimentos cardíacos. Um punhado de «afinais», raros «apenas», fazem-me suspeitar de mera aplicação de aluno aplicado (mas, as intenções essas, como disse, guardo-as para mim)...

   Não me posso impedir um sorriso a mim facturado, perante a constatação que o mais parecido com o vazio e a saudade (se lhe quiserem ver sombra ou sugestão de drama triste, seja o vosso apetite saciado) é ausência da dádiva... e o esforçado empenho de quem tem apenas fantasias para oferecer e se deixa no que dá.


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Um dia, tudo isto será vosso


"Atisbo" Tecnica mixta / Lienzo 70 x 50 cm.
© Nicoletta 2012

   Desilusões humanas. O imenso espelho do antigo guarda fatos, tenta-me, num sussurro onde reconheço uma fraterna comunidade. Se a carne fraquejar agora (como usa, em frente daquele espelho), hão-de suceder-se as rotinas, os esbanjamentos inúteis, impossiveis,  niquentos.
   Por estes dias que sombras do passado se passeiam em mim como em courela ou latifúndio, que é como quem diz terra abandonada, mas com dono num cartório onde falecem teimosos velhos papéis (ilegíveis, cobertos de carimbos e dedadas gordurosas), as dores que me paralizam, vejo-as como correntes de ar passeando-se nesta ruina, sinto-as como proprietárias absentistas, presenças distantes, habitando Babilónias, tratando a cuspo e desprezo o que, convém não esquecer, apesar de pouco (e cada vez menos) os sustenta e lhes permite pagar serviços, criadagens, tédios e quezílias.
   Se acontecer, esquecer-me quem sou, ou se ainda sou, prometo apurar o ouvido e ouvir; fechar os olhos e tornar a ser capaz de ver. Seja como fôr, já eterno escravo, hei-de obedecer a uma ordem não dada e antes de silenciosamente fechar a porta (que ainda assim rangerá), apagar a luz, aceitando respirar o bafio e os ruídos que sempre habitam as casas, inabitadas, há mais tempo do que a memória é capaz de reflectir no imenso espelho.


Modesty Blaise




     Provavelmente Grécia, presumidamente morta, ocupação sedutora, ocupação ladra, ocupação assassina. Rapariga ocupada. Entrava no mundo dos rapazes. Desaparecia apenas para, desconfio, reaparecer.

     Ainda faltava para sermos rapazes, nunca nos ocorreu sermos capazes. Nunca seríamos suficientemente audazes... estávamos já, sem o saber, a trabalhar para falecermos. Falhou-me sempre a tira ou fascículo que me informaria dum colectivo cancro cerebral.

     Ou isso ou, então nunca fui capaz de aprender a ler. Modesty corrige-me, de olhar severo: «nunca foi capaz de apender a ler capazmente...». Algo que sempre apreciei na relutante falecida foi o admirável número e peso de inimigos.






segunda-feira, 7 de julho de 2014

Leituras de verão


    O meu investimento literário... oito volumes de pura medicina. Bendita farmacopeia!



Livros ?



     Mas há mundo sem livros? Peco, penso, quando peço não haver mundo fora dos livros, avó. O urso, continua urso, agora na floresta dos livros ou, como dizias, bicho do mato... Beijos




domingo, 6 de julho de 2014

Escher


Talvez tenha que me perder para te encontrar, ou encontrar-me para te (poder) perder...
Ou perdermo-nos só porque não há caminho fora da prisão. Perdão : só há caminho, a caminhar, fora das grades. Inacessível




terça-feira, 1 de julho de 2014

Inevitáveis Fraquezas... (os brevíssimos momentos em que se tentam acertar contas)






No País dos Sacanas

Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.

No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.

Não, não, não subscrevo



Lamento de um pai de família

Como pode um homem carregado de filhos e sem fortuna alguma
ser poeta neste tempo de filhos só da puta ou só de putas
sem filhos? Neste espernear de canalhas, como pode ser?
Antes ser gigolô para machos e ou fêmeas, ser pederasta
profissional que optou pelo riso enternecido dos virtuosos
que se revêem nele e o decepcionado dos polícias que com ele
não fazem chantage porque não vale a pena. Antes ser denunciante
de amigos e inimigos, para ganhar a estima dos poderosos ou
dos partidos políticos que nos chamarão seus gênios. Antes
ser corneador de maridos mansos com as mulheres deles fáceis.
Antes reunir conferências de São Vicente de Paula, para roçar
o cu da virtude pelas distracções das sacristias escuras e
ter o prazer de acudir com camisolinhas aos pobres entre os quais
às vezes aparece um ou uma que dá gosto ver assim tão pobre por
se lhe verem os pêlos pelos rasgões da camisa ou algo de mais
impressionante para o subconsciente que sempre está nos olhos
que docemente se comovem com a miséria. Antes ir para as guerras
da civilização cristã ou da outra, matar os inimigos da conta corrente
e das fábricas de celofânicas bombas. Antes ser militar.
Ou marafona de circo. Ou santo, Ou demônio doméstico
torcendo as orelhas dos filhos à falta de torcê-los aos filhos
da puta. Ou gato. Ou cão. Ou piolho. Antes correr os riscos do
DDT, das carroças que os municípios têm para os cães suspeitos
de raivosos como todos os cães que se vê não lamberem as partes
das donas ou mesmo dos donos. Antes tudo isso que assistir a tudo,
sofrer de tudo e tudo, e ainda por cima ter de aturar o amor
paterno e os sorrisos displicentes dos homens de juízo
que deram pílulas às esposas, ou as mandaram à parteira secreta e
elas quiseram ir. Antes morrer.
Mas que adianta morrer? Quem nos garante que a morte
não existe só para os filhos da puta? Quem me garante que
não fico lá, assistindo a tudo, e sem sequer poder chamar-lhes
filhos da puta, com o devido respeito a essas senhoras que precisamente
se distinguem das outras por não terem filhos, nem desses nem dos outros?
Mas mesmo isto não consola nada. A quantidade, a variedade,
gastaram a força dos insultos. E não se pode passar a vida,
esta miséria que me dão e querem dar a meus filhos, a chamar nomes
feios a sujeitos mais feios do que os nomes. Como pode um homem
sequer estar vivo no meio disto, sem que o matem?
E o pior é que matam, sim, e sem saberem primeiro a quem,
para não se inquietarem com o problema de terem morto por engano
um irmão, desfalcando assim a família humana de algum ornamento
que a tornava menos humana e mais puta.

15/06/1964.

(40 Anos de Servidão)