sábado, 12 de julho de 2014

Phineas Gage, "O Erro de Descartes"



 Phineas Gage


   Gage “was no longer Gage”. Dói dizer que "Gage já não era Gage"... e mais dói quando o que se quer dizer é que, mesmo sem ferro, "Gage nunca foi Gage".

   Nem sequer se pode alegar que, ainda que só pressentida, a fraude seja notícia (de primeira página, de destaque e surpresa, ou de modesta coluna em palavras afogadas, ou só letra e palha...) nos pasquins onde são  impressas as vulgaridades que fazem a maior parte das nossas existências. «É assim..», «As coisas são o que são, e são (mesmo) assim». Não cessa a espantada falta d'ar com que nos redescobrimos, sobreviventes de exigência mínima, sempre prontos ao compromisso, lestos e prestos ao assobio e a improbabilidades anatómicas que nos permitem, desviar o olhar e ao som de um estalido seco mirar de frente «o que já foi», pragmáticos no desrespeito fácil e amnésico a que votamos mortos. Os nossos. Prato de lentilhas, ou putedo manhoso, em saldo, sem consciência de classe nem brio profissional, debitando mecanicamente preços, posições, prácticas admissíveis e, junto com as cuspidas, as definitivamente proibidas (ou inadmissíveis, se houvesse código). Pessoalmente (e porque me incluo na baixeza) adio escanhoamentos, aguentando "firme" a fuça que me mira, despachando a incomodidade, vendido como todos, ultrapassado o aluguer que, bem o sabemos, não é o ramo de actividade do  anjo tresmalhado (na verdade rebelde emancipado), o que é outra conversa.

   Tiro no pé, coração estilhaçado, no chão.                                                  


                                                                       Gage's exhumed skull and tamping iron, (1870)