quarta-feira, 14 de novembro de 2012

"Começou o tempo das despedidas" ou "Os funcionários da vida"

   A mão ganha firmeza (isto é, vai-se esquecendo de si)...
   Os olhos desimpedem-se dessa espécie de catarata que torna o mundo e o reflexo no espelho foscos, transformando-se esse borrão informe numa óptica primaveril (fria e extraordinariamente nítida)...
   A memória alquimica-se em emoções e essas digerem-se, dominam-se ou sublimam-se (juntar Buda e Vailland é obra...)...
   Tudo se arruma ou aquieta e a paciência que antecede a paz nada tem de resignada...
   Em linguagem o excesso de clareza equivale à falta dela: incompreendamo-nos! Em linguagem a ausência do tempo ou da circunstância conduzem à verdade: compreendamo-nos!
   Neste outono caem-me as folhas: sem voyeurismos nem exibicionismos. Por fugaz que seja (há que proibir ao olhar o fascínio hipnótico), nessa nudez veremos cicatrizes, tatuagens, carne em movimento, feridas abertas.
   Veremos o que em nós é já morto... Como os gatos temos sete (ou tintinescamente setenta e sete) vidas. Quem viveu dar-se-á conta que já gastou algumas. Os outros terão talvez problemas ensarilhados em justificarem no céu ou no tribunal o facto de chegarem com o pecúlio intacto. Avareza ou cobardia... oliveiras e salazares, de chapéu na mão, eternos pedintes do tostão ("...para o vinho não"), atentos e obrigados e, já agora, veneradores do medo e alérgicos a liberdades