domingo, 1 de maio de 2011

nos dias da troika





Com a missão de reequilibrar as contas públicas portuguesas e de restabelecer a confiança dos mercados em Portugal, Jürgen Kröger, Rasmus Rüffer, Poul Thomsen e Massimo Suardi estão em Lisboa com a promessa de cortes na despesa pública, aumentos de impostos e baixa de salários. Esta é pelo menos a receita FMI, já aplicada na Grécia e na Irlanda, em nome da austeridade.

O hotel da troika debruça-se sobre a Avenida da Liberdade, a artéria mais cara de Lisboa, ladeada por lojas de luxo. Nesta zona da cidade, Kroger, Ruffer, Suardi e Thomsen podem encontrar automóveis de alta cilindrada e descapotáveis, pessoas bem vestidas e despreocupadas, palmeiras e até um funcionário que apanha diligentemente o lixo do passeio. Não é seguramente o retrato de um país em crise.

Depois de no primeiro dia de reuniões terem seguido a pé para o Ministério das Finanças, ontem o quarteto foi e voltou de carrinha. Se tivesse optado pelo passeio, com certeza teria encontrado Enrique, um sem-abrigo que desde Novembro vive na esquina em frente ao hotel. Espanhol, como o nome indica, veio parar a Portugal "porque é país irmão". Mostra-se informado, talvez pela torre de jornais, portugueses e espanhóis, que se empilham a seu lado, e sabe perfeitamente que o FMI está cá.

Ao contrário de Portugal, Espanha não vai precisar de pedir ajuda externa, afirma Enrique, chamando à conversa Jean-Claude Trichet, presidente do BCE. O sem-abrigo tem consciência do poder de quem nos governa, já que, diz, "um telefonema do ministro do Interior espanhol vale mais que mil protestos meus", mas recusa ceder. "Se os governos querem que eu fique na rua, a pedir de mão estendida, prefiro morrer. Mas vou morrer livre, na Avenida da Liberdade", sustenta, com os olhos azuis muito vivos.

Mais à frente, mais queixumes. "Isto nunca esteve tão mal como agora. Estamos pior que em 1983 [quando o FMI esteve cá pela última vez], há mais desemprego e mais miséria", lamenta Lídia, que à porta do São Jorge tenta vender recuerdos à portuguesa. Trabalho não lhe falta, diz, clientes é que não há. Lídia não concorda com os cortes nos apoios sociais, nomeadamente nas pensões de reforma ("São tão baixas! Onde vão cortar mais?"). A vendedora ainda assim não desiste: "Pode ser que isto melhore um bocadinho. O que é preciso é esperança..."

Para jantar, Kroger, Ruffer, Suardi e Thomsen podem optar pela cervejaria Riba d''Ouro, mesmo em frente ao consulado de Espanha. E aqui quem nos vem tratar das contas poderá encontrar Alberto, funcionário do restaurante há muitos anos. "Se os políticos dizem que vai ajudar... Não quiseram o PEC IV, agora recebem-no imposto. O PEC IV, o V e o VI e o que mais vier", lamenta, sublinhando que em 1983 não havia tanto acesso "ao dinheiro fácil". Outro problema de 2011 é o euro, já que, explica, "na cabeça das pessoas 1 euro passou a ser 100 escudos".

Seguindo o percurso da manifestação da chamada geração à rasca, a 12 de Março, o quarteto da ajuda externa passa pelo Rossio e pela Rua Augusta, até chegar ao Terreiro do Paço, onde o homem--estátua Edivon avisa que "Portugal se arrisca a ficar escravo do FMI, como o Brasil esteve". O brasileiro lamenta que no nosso país "muitos vivam à custa de subsídios", dando como exemplo o rendimento social de inserção.

Já na Rua da Prata, perto do local onde a troika negoceia o futuro do país, são as casas de câmbio - um mecanismo que ajudou Portugal na década de 80, com a desvalorização - e de venda de ouro que dominam. "As pessoas vendem muito mais ouro que dantes, em todas as classes, até porque o ouro valorizou três vezes", explica Delfim Ferreira. Mas quem compra, diz, são sobretudo turistas. "Angolanos", sublinha. O dono da ourivesaria explica aliás que Portugal é o país da Europa com mais ouro per capita, "sinal de que vivemos acima das nossas possibilidades", sustenta.

É no Ministério das Finanças, à beira do Tejo, junto ao Cais das Colunas, que recebeu a rainha Isabel II, que termina a viagem da troika. Jürgen Kröger, Rasmus Rüffer, Poul Thomsen e Massimo Suardi entram cedo no edifício, nunca depois das nove da manhã, e não saem para almoçar. Ontem pelas sete da tarde ainda não tinham feito o caminho de regresso ao hotel.

Pedro Vaz Marques, in jornal "i" (15 de Abril de 2011)