terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

À beira da falésia



   Só o verdadeiro filho da puta, reformado ou no activo, poderá entender (não com o logos, à distância, mas com as tripas *, todas, onde circulam merda e sangue) como a morte são as noites repentinas (quando nos cremos cegos) e as lâminas frias e silenciosas (que só nos dão o tempo do espanto). Talvez pudesse continuar até ao momento da imobilidade total, do silêncio absoluto a que os filhos dos outros profissionais chamam morte. Quando o bafo já não embaciar espelho algum, quando aos corpos fecharmos os olhos (para impedir quem de ver ?) já "foi".
   A única cobardia que entendo e aceito é a física. Acabei (sem mérito, esclareça-se) visceralmente alérgico, inibido de convivências quanto mais de traficâncias com essa forma de respirar o mundo, não dialéctica, mas de uma mediocridade existencial bem pensante (não interrogante), vazia (porque sem riscos), arrogante, totalitária. Moralista o discurso ? Stricto senso: não !
   A memória humana é curta... nos primeiros trinta anos do séc. XX esteve muito em voga uma corrente de pensamento chamado "Darwinismo social", advogada e defendida por muitos e muito ilustres personalidades dos mais diferentes quadrantes políticos. Ao vómito intelectual sucedeu-se (e, isso, sim com consequências devastadoras) o horror. Ora, ao ver-me cercado (na realidade inundado) por esta invasão de tartufos, respirando satisfação e transpirando contentamento de quem ocupa o mundo à cotovelada, não posso deixar de estabelecer paralelos.
   Traquinas e marialvas, sem os tomates da amoralidade e da libertinagem: fodam-se ! Consolados porque o mundo é vosso. Eu, filho da puta, para ter direito a pregações indignadas, necessitaria de desafiar os deuses. Se tenho tido coragem para isso, são múrmurios à beira da falésia, não destinados a ouvidos humanos.

* e o que é uma veia senão uma tripa?