domingo, 23 de dezembro de 2012

Livros e Leituras




sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Feliz Natal Futuro


Ladaínha dos póstumos natais


Há-de um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de um Natal e será o primeiro
em que uma só voz me evoque a sós consigo

Há-de um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

David Mourão-Ferreira






João Garcia de Guilhade (séc. XIII)





Cantiga de Amigo

Por muito tempo, ó amado
sei eu que me dedicastes
grande amor e que ficastes
muito feliz a meu lado.
falo do tempo passado:
                                 já passou.

Os nossos grandes amores,
(longamente nos amámos !)
porque os não acabámos
como Brancaflor e Flores?
E o tempo dos amadores,
                               já passou.

Muitas coisas vos dizia,
ora louca, ora com sizo,
com multo e nenhum juízo,
enquanto durava o dia.
Mas, ai Dom João garcia,
                             já passou.

Porque essa loucura toda
                             já passou!

O alegre tempo da boda,
                             já passou.



Cantiga de Amor de Refrão

Quantos o amor faz padecer
penas que tenho padecido,
querem morrer e não duvido
que alegremente queiram morrer.
Porém enquanto vos puder ver,
   vivendo assim eu quero estar
   e esperar, e esperar.

Sei que a sofrer estou condenado
e por vós ceguem os olhos meus.
Não me acudis; nem vós, nem Deus.
mas, se sabendo-se abandonado,
ver-vos senhora, me for dado,
   vivendo assim eu quero estar
   e esperar, e esperar.

Esses que vêem tristemente
desamparada sua paixão,
querendo morrer, loucos estão.
Minha fortuna não é diferente;
porém eu digo constantemente:
   vivendo assim eu quero estar
   e esperar, e esperar.


in Natália Correia "Cantares dos Trovadores Galego Portugueses" (Ed.estampa, 1998)


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

No tempo em que os animais falavam...


   Em errância de canais, Torre de Babel televisiva, isto (tal e qual):
   « - Não confio no sangue. Confio nos afectos. O natal é a festa do clã» (Júlio Machado Vaz dixit). Poderia eu acrescentar: da alcateia (humana). Não confio no sangue humano, que culturalmente se tornou chá camomiloso, ou o que o valha. Amarelo triste, castanho alheio.
   Olho em Assis ou aqui, os fratelli bichos: desde que parideira, feroz a fêmea na defesa da cria, alheia a tamanhos ou forças, capaz de auto-sacrifício e refém do afecto (ou amor... escolham), prisioneira do sangue e do que "tem que ser". E depois...
   Depois, chegado o momento da emancipação forçada (?), a patada fria e seca, definitiva. A separação e a dor da liberdade. Um segundo parto, o alheamento (saudável ou inevitável... escolham).
   Assim se é na terra, sob o céu. Sem dactilogafias nem gramáticas, sem lirismos. Sem natais nem baptismos.
   Oxalá conseguissemos ser: livres; sós; fraternos!

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

To Build a Home







To Build a Home
The Cinematic Orchestra

There is a house built out of stone
Wooden floors, walls and window sills
Tables and chairs worn by all of the dust
This is a place where I don't feel alone
This is a place where I feel at home

And I built a home
For you
For me

Until it disappeared
From me
From you
And now, it's time to leave and turn to dust

Out in the garden where we planted the seeds
There is a tree as old as me
Branches were sewn by the color of green
Ground had arose and passed it's knees

By the cracks of the skin I climbed to the top
I climbed the tree to see the world
When the gusts came around to blow me down
I held on as tightly as you held onto me
I held on as tightly as you held onto me

And I built a home
For you
For me

Until it disappeared
From me
From you

And now, it's time to leave and turn to dust





terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Brigitte Fontaine vezes 2







Just You And Me


Si on partait dans un Boeing
Plein de champagne et d'orchidées
En robe à traîne et en smoking
Vers une mer d'impunité

Fuyant le lac d'indifférence
Fuyant les amours et la guerre
Fuyant le combat des consciences
Vers un paradis sur la Terre

Just you and me, just you and me {x2}

Si on se mettait en cavale
Par le chemin des écoliers
Pour regagner la capitale
De l'insouciance retrouvée

Si on laissait choir notre ego
Et nos antiques libidos
Pour entrer au palais du rire
Au nouveau pays du sourire

Just you and me, just you and me {x2}

Si on laissait tomber tout ça
Tous ces poids lourds, tous ces blablas
Si on partait sans un regard
Loin du péché, loin du cafard

Lâchons nos culottes en béton
Nos costards de chez Thénardier
Pour laisser nos culs de cochons
Redevenir des culs de fées

Just you and me, just you and me {x3}
Just you and me, just you and I



 



 Prohibition

J'exhibai ma carte senior
Sous les yeux goguenards des porcs
Qui partirent d'un rire obscène
Vers ma silhouette de sirène

{Refrain:}
Je suis vieille et je vous encule
Avec mon look de libellule
Je suis vieille et je vais crever
Un petit détail oublié

Passez votre chemin, bâtards
Et filez vite au wagon-bar
Je fumerai ma cigarette
Tranquillement dans les toilettes

Partout, c'est la prohibition
Alcool à la télévision
Papiers, clopes, manque de fric
Et vieillir dans les lieux publics

Partout, c'est la prohibition
Parole, écrit, fornication
Foutre interdit à soixante ans
Ou scandale et ricanements

{au Refrain}

Les malades sont prohibés
On les jette dans les fossés
À moins qu'ils n'apportent du blé
De la thune aux plus fortunés

Les vieux sont jetés aux orties
À l'asile, aux châteaux d'oubli
Voici ce qui m'attend demain
Si jamais je perds mon chemin

J'ai d'autres projets, vous voyez
Je vais baiser, boire et fumer
Je vais m'inventer d'autres cieux
Toujours plus vastes et précieux

Je suis vieille et je vous encule
Avec mon look de libellule
Je suis vieille, sans foi ni loi
Si je meurs, ce sera de joie

domingo, 2 de dezembro de 2012







Qui es-tu?

Un étranger.

Sois le bienvenu. Tout ce qui est étranger à cette ville m'est cher. Quel est ton nom?

Je m'appelle Philèbe et je suis de Corinthe.

Ah? De Corinthe? Moi, on m'appelle Électre.

Tu es belle. Tu ne ressembles pas aux gens d'ici.

Belle? Tu es sûr que je suis belle? Aussi belle que les filles de Corinthe?

Oui.

Ils ne me le dissent pas, ici. Ils ne veulent pas que je le sache. D'ailleurs à quoi ça me sert-il, je ne suis qu'une servante.

Servant? Toi? Tu n'as jamais songé à t'enfuir?

Je n'ai pas ce courage-là : j'aurais peur, seule sur les routes. Ah bien! J'attends quelque chose.

Quelque chose ou quelqu'un?

Je ne te le dirai pas. Parle plutôt. C'est une belle ville, Corinthe?

Très belle.

Je te parais niaise? C'est que j'ai tant de peine à imaginer des promenades, des chants, des sourires. Les gens d'ici sont rongés par

la peur. Et moi ...

Toi?

Par la haine. Et dis-moi encore ceci, car j'ai besoin de la savoir à cause de quelqu'un que j'attends : suppose qu'un gars de Corinthe, un de ces gars qui rient le soir avec les filles, trouve, au retour d'un voyage, son père assassiné, sa mère dans le lit du meurtrier et sa soeur en esclavage, est-ce qu'il filerait doux, le gars de Corinthe, est-ce qu'il s'en irait à reculons, en faisant des révérences, ou bien est-ce qu'il sortirait son épée et est-ce qu'il cognerait sur l'assassin jusqu'à lui faire éclater la tête?

Électre!

Chut!

Qu'y a-t-il?

C'est ma mère, la reine Clytemnestre.

Électre, le roi t'ordonne de t'apprêter pour la cérèmonie. Tu mettras ta robe noire et tes bijoux. Tu es princesse, Électre, et le peuple t'attend, comme chaque annèe.

Sais-tu ce qu'ils font, Philèbe? Il y a, au-dessus de la ville, une caverne on dit qu'elle communique avec les enfers. A chaque anniversaire, le peuple se réunit devant cette caverne, des soldats repoussent de côte la pierre qui en bouche l'entrée, et nos morts remontant des enfers, se répandent dans le ville. Ils courent partout. Je ne veux pas prendre part à ces mômeries. Ce sont leurs morts, non les miens.

Si tu n'obéis pas de ton plein gré, le roi a donné l'ordre qu'on t'amène de force.

De force? ... ha! Je paraîtrai à la fête et, puisque le peuple veut m'y voir, il ne sera pas déçu. A bientôt, je vrais m'apprêter.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Liberdade (nem do milhão nem do tostão)

 
   Despedidas são o caralho. Como qualquer pequena morte, vestem-se de folclores, levam-se a sério, escorridas de lágrimas e de lírica extremada, agigantam-se e esquecem-se do morto. Cais ou gares, de lenços brancos ou acenos gritados, inaudíveis num coro de placentas e de afectos tão inventados que, honestamente, poderiam ser jurados, a despedida junta-se em vida à terra árida do cemitério, ao cálculo da lápide e à promessa de cuidados muitos. O despedido, esse, veste a fatiota do pateta julgando ser  personagem, inconsciente de que o espectáculo o devorou e de si fez, afinal e apenas, figurante.
   Encenada, a despedida subverte a sua real natureza, inverte papéis, baralha enredos, ficciona e justifica-se. As mágoas tornam-se argumentos, o vazio preenche-se de razões (e o falecido Espinosa já nos tinha alertado para o horror que a Natureza tem do vazio...), numa pressa que só pode esconder medo ou má-consciência.
   A despedida é líquida e fugaz como um orgasmo. É momento isento de memória ou escadaria duma memória futura. Não devia haver palavra "despedida", nem "justiça" nem, tão pouco, "amizade", porque se as palavras tivessem o peso e a verdade das pedras roladas que o mar devolve à terra, honestamente,  entenderíamos que no cais ficamos não a ver partir nave ou afecto, mas a cumprir o nosso destino de morrer.
   Perdoe-se-me a presunção mas quem cuida de si como bem raro, quem se esforça por recordar um princípio e se condena a um fim está irremediavelmente fodido. No meu dicionário pobreza não sinonimiza com miséria, caminhos muitos e a força (diria viril, não fosse a conotação) é militância e nunca funcionalismo.
   Evoco Neruda (não o livro, mas o fabuloso título "Confesso que Vivi")... assim, no final, o possamos sentidamente dizer todos.