quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O'Neill's: o Alexandre Manuel; o Vahía; mais o de Castro; finalmente o O'Neill




No reino do Pacheco

às duas por três nascemos,
às duas por três morremos.
E a vida? Não a vivemos.

Querer viver (deixai-nos rir !)
seria muito exigir ...
Vida mental ? com certeza !
Vida por detrás da testa
será tudo o que nos resta ?
Uma idéia é uma ideia
- e até parece nossa! -
mas quem viu uma andorinha
a puxar uma carroça?

Se à ideia não se der
o braço que ela pedir,
a ideia por melhor
que ela seja ou queira ser,
não será mais que bolor,
pão abstracto ou mulher
sem amor!

Às duas por três nascemos,
às duas por três morremos.
E a vida? Não vivemos.

Neste reino de Pacheco
- do que era todo testa,
do já nada dizia,
e só sorria, sorria,
do que nunca disse nada
a não ser prà galeria,
que também não o ouvia,
do que, por detrás da testa,
tinha a testa luzidia,
neste reino de Pacheco,
ó meus senhores que nos resta
senão ir aos maus costumes,
às redundâncias, bem-pensâncias,
com alfinetes e lumes,
fazer rebentar a besta,
pô-la de pernas prò ar?

Por isso, aqui, acolá
tudo pode acontecer,
que as ideias saem fora
da testa de cada qual
para que a vida não seja
só mentira, só mental...



De porta em porta

- Quem? O infinito?
Diz-lhe que entre.
Faz bem ao infinito
estar entre a gente.

- Uma esmola? Coxeia?
Ao que ele chegou!
Podes dar-lhe a bengala
que era do avô.

- dinheiro? Isso não!
Já sei, pobrezinho,
que em vez de pão
ia comprar vinho...

Teima? Que topete!
Quem se julga ele
se um tigre acabou
nesta sala em tapete?

- Para ir ver a mãe?
essa é muito forte!
ele não tem mãe
e não é do Norte...

- Vítima de quê?
O dito está dito.
Se não tinha estofo
quem o mandou ser
infinito?


O poema pouco original do medo

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no  tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis)
costureiras reais e irreais
operários
      (assim assim)
escriturários
      (muitos)
intelectuais
      (o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles

Vai ter capitais
paísessuspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo

(Penso no que o medo vai ter
e tenho  medo
que é justamente
o que o medo quer)

            *

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos



Fraldiqueiros

Coitarados!
Meninos, tiveram pouca mamã.
Carências afectivas afunilaram-nos psiquícamente
desde a impoética infância até este corrimento sentimental
em que, grandinhos, se compensam, comprazem.
continuam a gotejar.

Coitarados!
Gulosos de pontas de dedos,
perdem-se em beijoqueirices, diminutivas ternurinhas.
Têm sempre rebuçadinhos d'alma para as mulheres.
Falam freud ao colo das amigas.

Fraldiqueiros...
Vais levar-lhes isso a nojo, machão?
Mulheres gostam. Riem, prazidas.
«Venha cá à mamã!»

O golpe do coitadinho (não confundir com o golpe
do irmãozinho, esse na base do esquema da alma gémea)
é o que estás a ver: saltar para o regaço e pedir nhém nhém
em nome do segismundo, daquele que dizia, salvo erro:
A alma? Geme-a...

Fraldiqueiros...
Sempre prontos a mandarem beijinhos por teleféricos de saliva.
Engatinhantes, tiram do estojo complexos em forma de saxofone
e tocam-lhes a pingona freudista canção do bandido.

Fraldiqueiros...
Mulheres gostam? Até onde?


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