domingo, 3 de maio de 2015
sábado, 2 de maio de 2015
Dois de Maio do tal dois mil e quinze
Um propósito uma intenção seca - algo que talvez não devesse aqui estar
E ainda ou mesmo assim. Urgência, imposição, algo em que não quero gastar palavras nem respirações. Ah, e sobretudo explicações que a ninguém devo!
Sem mistérios nem empenhos. Talvez
uma espécie de vingança futura. No perdão nem tudo cabe
para mais quando lhe retiramos o esquecimento.
Há-de ser comestível, selvagem, sacana e cego.
Seu combustível (pelo que passou já) indizível
em palavras de gente, o que ainda se descobre
nessa pilha de silêncios urdidos, de roubos leves
de fatalidades. Enfim, de tudo aquilo que nos faz passar por família
a caber numa sala, num pedaço de terra e só não numa língua
porque, de infâmia em infâmia, perdemos o direito
aos seus consolos e ao possível perdão que só ela nos poderia dar.
Somos fracos demais para suportar a dor, para carregar a culpa.
Tanto, que por mim, morreu já a esperança ou crença de ainda podermos ser
fruto ou pedra, com um pouco de calor um animal até.
Certezas assim, que como uma onda bruta e fria, não esgota
a força do embate nesse choque e sobra-se em gotas invisíveis
e em espumas flutuantes. Sem protestos ergue-se nos ares e aproveita
ventos, sopros e arrepios para anunciar a sua milenar memória.
domingo, 26 de abril de 2015
Voz de Moscovo, Rouca e (ainda asssim) tão Aflautada
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).
Sinto urna simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
É estar ao lado da escala social,
É não ser adaptável às normas da vida,
Às normas reais ou sentimentais da vida —
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento de justiça, ou capitão de cavalaria
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque têm razão para chorar lágrimas,
E se revoltam contra a vida social porque têm razão para isso supor.
Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-me com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se há uma razão exterior para ela?
Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.
Tudo mais é estúpido como um Dostoievski ou um Gorki.
Tudo mais é ter fome ou não ter que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.
Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.
Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco, àquele
Pobre que não era pobre, que tinha olhos
tristes por profissão.
Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!
E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.
Eu é que sei. Coitado dele!
Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.
Não me queiram converter a convicção: sou lúcido.
Já disse: Sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: Sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.
Álvaro de Campos, s/d
terça-feira, 21 de abril de 2015
Diz quem soube

Dizem que a paixão o conheceu
Dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice
conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo
dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nenhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos
Al Berto
quinta-feira, 9 de abril de 2015
Léo, Pépée et les autres (1)
01 - Muss es sein es muss sein
à introdução lenta das cordas no último movimento Beethoven interroga, (ou manuscrita, a quem?) "Muß es sein?" (Tem que ser?) à qual responde com o mais rápido e principal tema do movimento, "Es muß sein!" (Tem!).
Nos corredores, sob portas, em frinchas inventadas, forçando janelas e tentando desesperadamente ressuscitar presenças... no fundo o que nos resta senão resistir? Resistir às errâncias do tempo e à morte do esquecimento. Ludwing chamou-lhe "A Difícil Decisão".
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