Pego no jornal e leio algo que,
apesar de fait-divers, me interessa pessoalmente. Um indivíduo e a
sociedade. Dúplice ou eliminante. Ele, ela, talvez a vida e talvez
por isso me cause esse estranho interesse pessoal.
Quando a máscara se cola à cara
como saber qual o (verdadeiro) rosto? Provavelmente a informe massa
de carne viva, latejante, sangrenta, mas isso é uma ferida e não um
rosto. Eis-nos perante uma situação de ilegalidade. A sociedade
cria e executa mas, sobretudo pune os incumprimentos.
Indivíduos que sentem / vivem
integralmente o drama de não saberem quem são. Apanhados numa
situação de dupla personalidade, vivem-na completamente (e o
“espelho” confirma essa situação “paranóide”): já não
são quem foram, mas essa “existência” passada impede-os de
construirem uma nova, ficando, por assim dizer, prisioneiros do
passado e castrados de futuro mas, sobretudo, atolados no presente. Seres invisíveis, fantasmas errando
por cidades como esta, hoje e, parece-me, amanhã.
Talvez o meu medo seja, a tão grande distância, também eu ser o que morreu e o que matou, e o meu mundo não o que sonho, com sons de pássaros, risos, palavras segredadas e tristezas suportáveis, mas aquele que impudicamente se expõe, de perna aberta e alma ausente, no papel pardo daquele jornal passado de mão em mão, destinado à lixeira dum incompreensível olimpo.