quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Monsieur Bovary

    Monsieur Bovary chegou e, como ultimamente se vem tornado hábito geral, enfiou-se nos lençois mentais, ao abrigo da escuridão e, oniricamente, debitou verdades (inteiras e desiguais metades ). Ao enterrar-se na almofada, a minha cabeça transforma-se numa espécie de Lisboa anos quarenta com os seus refugiados a perturbarem a pacata existência dos nativos. Descubro a desconhecida vocação de basbaque, tão (até agora) invisível, e, engasgado, tartamudo inconsequências, incapaz de gerir este albergue espanhol onde insolicitadas opiniões, ecos e rumores, generosos conselhos (na verdade bem venenosos...) e todo o tipo de gritaria opinativa polulam.
   E, assim,de manhã (na verdade cada vez mais tarde) limpo cinzeiros, procuro arejar o castelo, tento esquecer a doída cabeça e o corpo cansado. Por breves instantes, tento convencer-me que mais tarde ninguém aparecerá, forçando portas e impondo presenças. Evoco pássaros e afagos e, depois do café que não bebo, começo a preparar croquetes, a verificar gelos e confortos vários a que a absurda hospitalidade obriga. A única coisa que imagino faltar seria um ressuscitado Cunhal a evocar uma "Casa com paredes de vidro". «Estou perdido, ou em vias de extinção...» consolo-me vagamente, olhando o cigarro ou melhor, as volutas de fumo a comporem um inquieto auto-retrato.




"Quelle atroce invention que celle du bourgeois, n'est-ce pas?" (Gustave Flaubert)
 

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