domingo, 23 de setembro de 2012

Para acabar de vez com o assunto

    Passado o tempo sobre o texto de PPP, constata-se que a todos nos transformaram consentidamente  em burgueses. E a burguesia é canibal e contaminante.Por achar o facto esclarecedor na sua tristeza, abstenho-me de tecer considerações sobre a moeda de troca ou, como agora se diz, "a taxa de câmbio". O sonho é o que é. Com as devidas distâncias (e já lá vão 40 e tal anos) convoco o desalinhamento ideológico de Pier Paolo Pasolini, pertencente a uma espécie,(ao que tudo indica), hoje extinta. Parece-me irrelevante a razão ou desrazão do que diz, ressalto o olhar desassombrado e, sobretudo, a atitude antiburguesa por excelência chamada olhar pessoal.
   O que vejo nas palavras de ordem, o que (pre) sinto nas motivações nada tem a haver com sonho, com poesia, com beleza ou utopia.
   Com a boa consciência burguesa, consolemo-nos com o facto dos polícias já não serem (filhos do) povo. 
   Talvez tenha acabado a luta de classes. Se assim fôr, saiamos à rua e gritemos alto (enfim libertos da chatérrima opção de sermos livres):
   « - A luta de classes morreu! Viva a telenovela!»



O PCI aos jovens!
(*trechos da histórica poesia que Pier Paolo Pasolini publicou na revista L’Espresso em Junho de 1968 – por causa de, ou sobre, uma manifestação estudantil em Roma).

Lamento. A polémica contra
o PCI tinha que ser feita na primeira metade
da década passada. Vocês meus filhos, estão atrasados.
E não importa que vocês não tivessem ainda nascido...
Agora os jornalistas do mundo inteiro (inclusive os da televisão)
ficam dando-vos graxa (como acho que ainda se diz na linguagem das universidades)
Eu não, meus amigos.
Vocês têm cara de filhos do papá.
Odeio-voscomo odeio os vossos pais.
Filho de peixe sabe nadar.
Vocês têm o mesmo olhar maligno.
São medrosos, inseguros, desesperados
(ótimo!), mas também sabem como ser
prepotentes, chantagistas, convencidos, descarados:
prerrogativas pequeno-burguesas, meus amigos.
Ontem no Valle Giulia, quando vocês lutavam
com os policias,
eu simpatizava com os policias!
Porque os policias são filhos de gente pobre.
Vêm das periferias, rurais ou urbanas que sejam.
Quanto a mim, conheço muito bem
a forma como foram crianças e rapazes,
as preciosas mil liras, o pai que também continuou sendo um rapaz,
por causa da miséria, que não confere autoridade.
A mãe calejada como um carregador, ou delicada,
devido a alguma doença, como um passarinho;
os irmãos todos;
(...)
E depois vejam como os vestem: como palhaços,
com aquele pano grosseiro que fede a rancho,
caserna e povo. O pior de tudo, naturalmente,
é o estado psicológico a que são reduzidos
(por umas quarenta mil liras ao mês):
nem
mais um sorriso,
nem amizade alguma com o mundo,
separados,
excluídos (numa exclusão que não tem igual);
humilhados pela perda da qualidade de homens
em troca da de policias (ser odiado faz odiar).
Têm vinte anos, a vossa idade, meus caros e minhas caras.
Estamos obviamente de acordo contra a instituição da polícia.
Mas voltem-se contra a Magistratura, e vão ver!
Os jovens policias
que vocês por puro vandalismo (de nobre tradição
herdada do Risorgimento) de filhos do papá, agrediram
pertencem a outra classe social.
No Valle Giulia, ontem, tivemos assim um fragmento
de luta de classes: e vocês, meus amigos (embora do lado da razão)
eram os ricos, enquanto os policiais (que estavam do lado errado)
eram os pobres.
Bela vitória, portanto, a vossa! Nestes casos,
aos policias dão-se flores, meus amigos.Popolo e Corriere della Sera, Newsweek e Monde enaltecem-vos. Vocês são os seus filhos,
a sua esperança, o seu futuro...
(...)
É isso, caros filhos, que vocês sabem.
E que aplicam através de dois sentimentos irrevogáveis:
a consciência dos vossos direitos (como se sabe a democracia
só vos leva em conta a vocês) e a aspiração
ao poder.
Sim, as vossas palavras de ordem versam sempre

a tomada do poder.
(...)
Vocês ocupam as universidades,
mas suponham que a mesma idéia ocorra
aos jovens operários.
Nesse caso,
o Corriere delle Sera e Popolo, Newsweek e Monde
procurariam com a mesma solicitude
compreender os problemas deles?
A polícia limitaria-se a levar umas pancadas
dentro de uma fábrica ocupada?
Trata-se de uma observação banal;
e constrangedora. Mas sobretudo inútil:
porque vocês são burgueses
e portanto anticomunistas...
(...)
Falando assim,
vocês pedem tudo com palavras,
ao passo que com os actos, só pedem aquilo
a que têm direito (como bons filhos da burguesia que são):
uma série de reformas inadiáveis
a aplicação de novos métodos pedagógicos
e a renovação de um organismo estatal.
Bravo! que nobres sentimentos!
Que a boa estrela da burguesia vos proteja!
(...)