domingo, 13 de maio de 2012

Exercício Musical


Cada um mui agasalhado na sua vida
cada qual deveras encasacado no seu retrato
e todos definitivamente assertoados nas suas certezas.

            Poderia começar assim uma reflexão, um vou-ali-e-já-venho, uma recriminação leve ou
       sibilina. Em todos os casos, desabafo ligeiro e pouco mais do que declaração de voto. Mas, não
       é disso que se trata... O medo tem muitas caras e nós cara só uma. Assim como o mar e as ondas talvez
       quando “sou” “somos”. Portanto ou caímos todos ou não tomba ninguém


Sonhei com uma casa e soube que apenas ali poderia morar
Sonhei com uma mulher e de saber soube que a podia amar
Como uma praia, um lago ou uma lembrança para, enfim, descansar.

          Quando se contam sonhos mostram-se miudezas, intimidades, fraquezas. essa atracção pelo abismo,
      digamos que suicidária, poderá estar à altura ou fazer as vezes de necessidade. Aos mortos resta a voz, por
      isso se socorrem da palavra. E nós, que nos julgamos vivos?


Quanto mais te vestes mais nú ficas, esquecido das inclemências
do tempo, e ao mesmo tempo, definitivamente, prisioneiro do tempo.
Frio é o que suportarmos, tudo o resto é a eternidade dos adiados.

         Grossas grades, grandes silêncios. Distrações e adiamentos. Por temor ao peso, baixamos o olhar até
     cegar, deixamos de rir, evitamos chorar. Liquefazemo-nos numa saudade que nos aterroriza, apartamo-nos
     zangados, dizendo que com a vida mas, no fundo, sabendo que connosco próprios.


Expectantes mas esquecidos. Traídos e traidores.
Corpo, imagem e sombra em contínua fuga. Sorventes de um ar que não há.
Restam-nos as frases curtas, as digestões rápidas e a vertigem do esquecimento.

        Ascenção, queda e redenção. Redime-nos a carne do corpo hospitaleiro que se entreabre para nos
    receber e onde entramos como quem regressa. Esse corpo encimado por um olhar, lava-nos com cheiros e
    humidades, afaga-nos com sabores, adivinha-se em mistérios e calores. Aí sim, o mundo isenta-se de
    retóricas, ausentando-se de explicações.

Certezas de pau como muletas, amparos, encostos, batotas...
Infiéis aos nossos mortos, descrentes de tudo e de nós
Já não carne e alma, mas tão somente próteses de retalho.

       Diz-nos mutilado: que te falta? Perna ou propósito? Mão ou inteireza? Memória ou tu mesmo e todo?
    Consola-te se dissermos: pele? Ou, pela manhã, pássaros? Pequenas coisas parecem-nos a nós as estrelas e
    os mistérios que nos devemos. Por isso, apenas te podemos devolver à tua voluntária solidão.

Mais do que perdidos, esquecidos da nossa perda.
Sem sermos gente nem ainda animais somos provisoriamente coisas
Numa montra miserável da cidade sem espelhos.

      Culpados todos, calemos a culpa. Como no lento e inexorável avanço dum exército napoleónico, há
    quem carregue o canhão, outro as batatas e outro, ainda, as botas do imperador.


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