terça-feira, 29 de março de 2011
O Rombo da Festa
e alguém diz o que fazer?
voz ou texto ou letra até?
alguém faz o favor de dizer
ou por mim fazer?
a dor afoga-se dizem
sem saber se lágrimas se tinto.
pinta-se, escreve-se
domestica-se enfim
mas a raiva, o que fazer com ela?
engoli-la indigerível,
disfarçá-la ainda que maior que nós,
ou, como é bem, deixá-la levar-nos um pedaço?
pois então calado
tão outro como os demais
bem posta e comportada carniça
esperarei a hora de ser cadáver.
Homero Incluso in "Caderno Ausente" (ed. Adiante, s/d)
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desabafos
segunda-feira, 28 de março de 2011
sábado, 26 de março de 2011
Silêncio Régio
Poema do Silêncio
Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.
Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.
Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
- Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!
Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...
O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.
Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!
Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.
Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!
Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.
Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!
Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.
Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...
Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...
Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.
José Régio, in 'As Encruzilhadas de Deus'
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poemas
sexta-feira, 25 de março de 2011
PPPasolini
Sprofonda in questo tuo bel mare, libera il mondo.
- Non popolo arabo, non popolo balcanico, non popolo antico
- ma nazione vivente, ma nazione europea:
- e cosa sei? Terra di infanti, affamati, corrotti,
- governanti impiegati di agrari, prefetti codini,
- avvocatucci unti di brillantina e i piedi sporchi,
- funzionari liberali carogne come gli zii bigotti,
- una caserma, un seminario, una spiaggia libera, un casino!
- Milioni di piccoli borghesi come milioni di porci
- pascolano sospingendosi sotto gli illesi palazzotti,
- tra case coloniali scrostate ormai come chiese.
- Proprio perché tu sei esistita, ora non esisti,
- proprio perché fosti cosciente, sei incosciente.
- E solo perché sei cattolica, non puoi pensare
- che il tuo male è tutto male: colpa di ogni male.
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poemas
Pier Paolo Paolini
Sesso, consolazione della miseria! Sesso, consolazione della miseria! La puttana è una regina, il suo trono è un rudere, la sua terra un pezzo di merdoso prato, il suo scettro una borsetta di vernice rossa: abbaia nella notte, sporca e feroce come un'antica madre: difende il suo possesso e la sua vita. I magnaccia, attorno, a frotte, gonfi e sbattuti, coi loro baffi brindisi o slavi, sono capi, reggenti: combinano nel buio, i loro affari di cento lire, ammiccando in silenzio, scambiandosi parole d'ordine: il mondo, escluso, tace intorno a loro, che se ne sono esclusi, silenziose carogne di rapaci. Ma nei rifiuti del mondo, nasce un nuovo mondo: nascono leggi nuove dove non c'è più legge; nasce un nuovo onore dove onore è il disonore... Nascono potenze e nobiltà, feroci, nei mucchi di tuguri, nei luoghi sconfinati dove credi che la città finisca, e dove invece ricomincia, nemica, ricomincia per migliaia di volte, con ponti e labirinti, cantieri e sterri, dietro mareggiate di grattacieli, che coprono interi orizzonti. Nella facilità dell'amore il miserabile si sente uomo: fonda la fiducia nella vita, fino a disprezzare chi ha altra vita. I figli si gettano all'avventura sicuri d'essere in un mondo che di loro, del loro sesso, ha paura. La loro pietà è nell'essere spietati, la loro forza nella leggerezza, la loro speranza nel non avere speranza. | Sexo, consolação da miséria! Sexo, consolação da miséria! A puta é uma rainha, o seu trono é uma ruina, a sua terra um pedaço de merdoso campo, o seu ceptro uma carteira de verniz vermelha: ladra na noite, suja e feroz como uma velha mãe: defende os seus haveres e a sua vida. Os chulos, à volta, em bando, inchados, abatidos, com os seus bigodes brindisinos ou eslavos, são chefes, governantes: combinam no escuro, os seus negócios de cem liras olhando-se em silencio, trocando senhas secretas: o mundo, excluído, cala-se para aqueles que se excluem, silenciosas carcaças de predadores. Mas nos dejectos do mundo, nasce um novo mundo: nascem leis novas onde já não há lei; nasce uma nova honra onde honra é a desonra... Nascem poder e nobreza, Ferozes, nos amontoados de barracas, nos espaços abertos onde se crê que a cidade acaba, e onde ao invés, recomeça, inimiga, recomeça milhares de vezes, com pontes labirintos, estaleiros e aterros, por atrás de vagas de prédios que cobrem horizontes inteiros. Na facilidade do amor o miserável sente-se homem: assenta a confiança na vida, acabando a desprezar quem tem outra vida Os filhos lançam-se à aventura seguros de estarem num mundo que deles, do seu sexo, tem medo. A sua piedade está em ser impiedoso, a sua força na sua leveza A sua esperança em não ter esperança. |
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poemas
quinta-feira, 24 de março de 2011
Um episódio
Esta edição de Luuanda, não sendo a verdadeira primeira edição do livro mítico do Autor (talvez o mais metodicamente ilegalizado e destruído pela ditadura do Estado Novo), foi a que esteve na origem do assalto policial e imediato encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores, após a atribuição, por parte desta, de um prémio literário a Luandino... com base na edição original clandestina de 1963.
Do Dicionário Cronológico de Autores Portugueses (vol. VI, Publicações Europa-América, Mem Martins, 2001):
«[...] Preso em 1961 por alegadas ligações ao MPLA, foi em 1963 desterrado para o Tarrafal, Cabo Verde, donde voltou a Lisboa apenas em 1972 para aqui viver em liberdade condicional e [com] residência fixa, regressando a Angola em 1975. [...]»
Referenciado exemplarmente em Livros Proibidos no Estado Novo, Assembleia da República, Lisboa, 2005.
Quanto a Joaquim Paço d’Arcos, na altura presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Escritores, vem no seu texto tornado público tentar limpar-se de, juntamente com Luís Forjaz Trigueiros, não ter sido solidário com a atribuição de um prémio literário que, reconhecia-o ele próprio, servia nomeadamente para «[...] no instante em que [...] era anunciado as agências telegráficas estrangeiras comunica[rem] para o mundo, em telegramas redigidos em inglês e francês, [...] ter a Sociedade Portuguesa de Escritores acabado de atribuir o Grande Prémio de Novelística a um preso condenado a catorze anos de prisão por actividades subversivas. [...]»
Manuel Mendes – o exemplar Manuel Mendes! –, um dos destinatários das ofertas que Paço d’Arcos fez do seu “documento”, respondeu-lhe assim, com as duas mãos carregadas de pedras:
«Ex.mo Senhor
Joaquim Paço d’Arcos
Ex.mo Senhor:
O meu primeiro impulso foi devolver-lhe, indignadamente, o pasquim que teve o atrevimento de me enviar, o que desde logo considerei como insultuoso. Todavia quis reflectir, ponderar nas minhas razões, evitando obedecer a movimento acaso inconsiderado, mas tentei ler segunda vez essa protérvia e não consegui: repugnou-me. V. Ex.cia devia, como as ninfas de Camões, tapar ao menos com um ligeiro cendal as pudibundas partes. É indecoroso o que exibe.
No seu acrisolado patriotismo – Heróis do mar!... –, V. Ex.cia mistura, desavergonhadamente, a Sociedade Transzambezia Railways, de que é mui prestante delegado do Governo, com a Companhia Portuguesa de Escritores, a que presidiu com tão fina elegância mundana. Tenha juízo e não ande a fazer dos outros parvos.
Todos sabemos – e nas dores do espírito e da carne – que tal insolência só é possível a coberto da censura. Sem ela, estaria V. Ex.cia caladinho como um rato. Abotoe a braguilha, para decoro nosso. Lições de patriotismo, não está V. Ex.cia em condições de as dar, mas antes de as receber, se pode em verdade entendê-las. Era o que nos faltava. Medite, por exemplo, como se comportou com a guerra da Argélia o Sartre, e os restantes dos cento e dez intelectuais franceses que ousaram protestar como lhes competia. Mas isso é gente de coluna vertebral direita e com os atributos da virilidade no seu lugar. A guerra dá para morrer – não há horror maior! –, mas dá também a uns tantos para ganhar alegremente a vidinha – não há infâmia que se lhe compare! Tenha pelo menos uns laivos, já não digo de pudor, mas de cautela, e nunca mais se atreva a estender a mão
a quem ofendeu e das veras da alma o detesta
Lisboa, 20 de Junho de 1965
Manuel Mendes»
Notável. E ainda hoje um modelo de verticalidade
Paulo da Costa Domingos no seu blog "Frenesi Loja - livros antigos & novos, raros & esgotados"
( http://frenesilivros.blogspot.com/ )
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história(s)
jornada de trabalho
ilustrações: Joyce Hesselberth, Melinda Deck, Dave Plunkert, Christian Northeast, Gary Taxali, David Goldin, John Hersey.
segunda-feira, 21 de março de 2011
quinta-feira, 17 de março de 2011
Histórias de Amor Urbano
Vamos supor que sim. Do dia para a noite... ou foi só distração ? (ninguém viu, ninguém reparou). Nas paredes, nos candeeiros, nas montras das lojas mortas, até no chão - como folhas de outono. Com a magia do improvável e a ternura da caligrafia quase infantil. Como uma bofetada de vida naquela cidade morta, de gente calada e invisível. Se calhar, os fantasmas são mesmo os únicos habitantes dos cemitérios.
E eu fantasiei um Jim aviador e uma maria (mais completa do que "simplesmente"). Oxalá ele tenha aceite o copo, e ao vinho se tenham seguido beijos e carinhos
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Cidade
sexta-feira, 11 de março de 2011
Manuel António Pina
AS VOZES
A infância vem
pé ante pé
sobe as escadas
e bate à porta
- Quem é?
- É a mãe morta
- São coisas passadas
- Não é ninguém
Tantas vozes fora de nós!
E se somos nós quem está lá fora
e bate à porta? E se nos fomos embora?
E se ficámos sós?
Manuel António Pina, in "Poesia Reunida" (Assírio & Alvim, 2001)
terça-feira, 8 de março de 2011
Eu Gostava de (Gostar de Alguém) - Vieira & Cia (Corações de Atum)
Como o Goear está com problemas no carregamento de músicas, tem que ser através de link
http://www.goear.com/listen/c7ea9df/eu-gostava-de-gostar-de-alguem-coracoes-de-atum
http://www.goear.com/listen/c7ea9df/eu-gostava-de-gostar-de-alguem-coracoes-de-atum
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músicas
sábado, 5 de março de 2011
Ideologia Linguística ou o discurso não-neutral
DISFEMISMO
Dysphemia era para os gregos a palavra de mau agoiro, acto de pronunciar palavras de mau agoiro, palavras más, de desgraça. Considera-se disfemismo o uso de palavras ou expressões de carácter rude, repugnante, desagradável, agressivo ou horrível. O disfemismo, contrariamente ao eufemismo que suaviza e atenua o que é considerado obsceno ou de mau gosto, visa ferir determinados tabus de ordem religiosa, moral e social. É por tal motivo que as expressões (dis)femísticas são consideradas formas de desbragamento linguístico. Deve-se sublinhar o facto de, porque o disfemismo está intimamente ligado a factores de natureza sociocultural e ideológica, o que em dada época é entendido como eufemístico, pode mais tarde ser considerado disfemístico.
Portuguese Gender
Mulher casada e com filhos
mulher cheia
mulher da rua
mulher da vida
mulher de má vida
mulher de armas
mulher de casa
mulher de guerra
mulher de partido
mulher do mundo
mulher de vida fácil
mulher de virtude
mulher durázia
mulher pública
procurar mulher
ser mulher para
ver a mulher do padeiro
parecer uma mulher
dona de casa
Mulher de encher o olho
mulher de faca e calhau
mulher de faca na liga
mulher de pêlo na venta
mulher de mão esquerda
mulher de muito tratamento
mulher de soalheiro
mulher cheia
mulher da rua
mulher da vida
mulher de má vida
mulher de armas
mulher de casa
mulher de guerra
mulher de partido
mulher do mundo
mulher de vida fácil
mulher de virtude
mulher durázia
mulher pública
procurar mulher
ser mulher para
ver a mulher do padeiro
parecer uma mulher
dona de casa
Mulher de encher o olho
mulher de faca e calhau
mulher de faca na liga
mulher de pêlo na venta
mulher de mão esquerda
mulher de muito tratamento
mulher de soalheiro
quinta-feira, 3 de março de 2011
Mãe, eu quero ir-me embora
Mãe, eu quero ir-me embora - a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram -
se é que me deram flores. Já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.
Mãe, eu quero ir-me embora - os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim - tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.
Mãe, eu quero ir-me embora - nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames o meu nome, não me peças que fique -
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.
Mãe, eu vou-me embora - esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua - a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.
Maria do Rosário Pedreira
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram -
se é que me deram flores. Já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.
Mãe, eu quero ir-me embora - os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim - tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.
Mãe, eu quero ir-me embora - nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames o meu nome, não me peças que fique -
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.
Mãe, eu vou-me embora - esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua - a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.
Maria do Rosário Pedreira
terça-feira, 1 de março de 2011
Galiza
"En el mundo traidor
Nadie es verdad ni mentira:
Tudo es segund el color
Del cristal com que se mira"
Eduardo Blanco Amor (Ourense, 1897- Vigo, 1979)
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