« Creio no humor que é o caminho mais curto de um homem a outro. Fazer humor é transformar a vida numa larga e tolerante benevolência, próxima da caridade. É a faísca que encobre as emoções, que responde sem responder, que não fere e diverte. O único remédioque desata os nervos do mundo sem o adormecer, que lhe dá liberdade sem o enlouquecer e entrega nas mãos dos homens, sem esmagá-los, o peso do seu próprio destino (Max Jacob).
O riso, a ironia, o humor, tenho-os como modos sérios do próprio conhecimento. Tão relevantes como o próprio conhecimento. Tão relevantes quanto as categorias da "Razão Pura" de Kant, sendo de notar que os homens superiores não riem na Alemanha, a acreditarmos em Nietzsche que foi quem o disse.
O amor, a amizade é, sobretudo, rir com o outro, cúmplice dessa partilha. Aliás, podemos rir de tudo mas não com qualquer um. Pélo-me por ouvir e contar histórias, adoçadas ou apimentadas, atravessadas pelo humor. Uma sonora gargalhada faz-nos desarmar, saltar do possível ao impossível, escutar o eco das garrafas que se esvaziam, ver as sete faíscas brilhantes do teu riso estrelado. Saber rir não é apenas uma salutar terapia, é a magnífica exclamação da alegria, a salvação do dia.»
Miguel Veiga, in "O Meu Único Infinito É A Curiosidade"
domingo, 22 de agosto de 2010
Mestre Aquilino
« O que convulsiona o mundo não é a loucura. O que convulsiona o mundo é o atrito entre a consciência do ser livre e a restrição imposta por quem se julga detentor da verdade e senhor do mando. O arrepio da dúvida não é uma metáfora. A dúvida causa arrepios. Quem não duvida, quem não sentiu, alguma vez, i sinete da incerteza não passa de um banal imbecil, e todo o imbecil possui o estofo de um canalha. »
(sublinhado meu)
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
sábado, 19 de junho de 2010
José Saramago (1922 - 2010)
O FALA-SÓ
Hoje, apesar do céu descoberto e do sol quente, não me sinto para festas. Há dias assim. E um homem não tem obrigação nenhuma de mostrar aqui um sorriso de boas-vindas quando sabe que ninguém está para chegar. Mais vale aceitar (ou assumir, como é inteligente dizer-se agora) as boas e as más horas do espírito, porque atrás de uma vêm outras, e nada está seguro, etc., etc. Desta fatalidade poderia até tirar matéria para a crónica, se mesmo agora me não tivesse passado na lembrança um homem mal enroupado que eu conheci, tonto de seu juízo, o qual homem levava o triste dia a andar para baixo e para cima na rua principal lá da aldeia. Chamavam-lhe evidentemente o Tonho Maluco, uma espécie de bobo fácil dos adultos e de besta sofredora das crianças. Estas coisas são assim e no fundo não é por mal, se o Tonho morresse toda a gente tinha um grande desgosto, pois claro.
Das malícias do tonto não falo: eram muitas, e nem todas para pôr por escrito. Mas honestíssimas donas de sua casa rompiam aos gritos e empurravam o Tonho para fora dos quintais onde ele se introduzia, silencioso e ágil como um gineto. Adiante. O que me impressionava então e hoje recordo era aquela cisma que o Tonho tinha de falar durante todo o santo dia, ora em altas vozes contra as portas e os prudentes habitantes que atrás se escondiam, ora em estranhos murmúrios com o rosto apoiado numa árvore, ora quase suspirando enquanto a água das bicas lhe ia correndo para a concha das mãos. Além dos seus outros nomes, apelidos e alcunhas, o Tonho era o Fala-Só.
Passaram prodigamente os anos, eu cresci, o Tonho envelheceu e morreu, e eu não morri, mas envelheci. Estas coisas também são assim, e no fundo ninguém nos quer mal, a culpa é do tempo que passa, e quando eu morrer as pessoas também vão ter muita pena. A ver.
Depois de eu ter crescido, soube que também aos poetas davam o nome de fala-só, porque se achava que a poesia era uma forma de loucura nem sempre mansa, e porque alguns abusavam do privilégio de falar alto à lua ou de se lançarem em solilóquios mesmo quando em companhia. Bem sei que tudo isto vinha de uma noção incuravelmente romântica do que seja poeta e poesia. Mas as pessoas, vendo bem, gostam dos loucos, e, quando os não têm, inventam-nos.
Num mundo assim organizado todos tinham o seu lugar: loucos, poetas e sãos de espírito, e todos estavam cientes dos seus direitos e obrigações. Ninguém se misturava. Mas decerto não era assim, porque havia sãos de espírito que passavam a loucos e a poetas, e começavam a falar sozinhos, perdidos para a sociedade da gente normal. Um delgado fio é a fronteira, e parte-se, e gasta-se, e é logo outro mundo.
Quero eu dizer na minha que estas crónicas são também os dizeres de um fala-só. Que esta continuada comunicação tem qualquer coisa de insensato, porque é uma voz cega lançada para um espaço imenso onde outras vozes monologam, e tudo é abafado por um silêncio espesso e mole que nos rodeia e faz de cada um de nós uma ilha de angústia. E isto é tão verdade, que o leitor vai interromper aqui mesmo a leitura, baixa o livro, levanta os olhos vagos e profere as palavras da sua dor ou da sua alegria, di-las em voz alta, a ver se o mundo o ouve e se, pela magia do esconjuro involuntário, começa, enfim a compreendê-lo, a si, leitor, a quem ninguém compreende e a quem ninguém ajuda.
De modo que fala-sós somos todos: os loucos, que começaram, os poetas, por gosto e imitação, e os outros, todos os outros, por causa desta comum solidão que nenhuma palavra é capaz de remediar e que tantas vezes agrava.
in "A Bagagem do Viajante" (crónicas publicadas nos jornais "A Capital" (1969) e "Jornal do Fundão" (1971/2)
Hoje, apesar do céu descoberto e do sol quente, não me sinto para festas. Há dias assim. E um homem não tem obrigação nenhuma de mostrar aqui um sorriso de boas-vindas quando sabe que ninguém está para chegar. Mais vale aceitar (ou assumir, como é inteligente dizer-se agora) as boas e as más horas do espírito, porque atrás de uma vêm outras, e nada está seguro, etc., etc. Desta fatalidade poderia até tirar matéria para a crónica, se mesmo agora me não tivesse passado na lembrança um homem mal enroupado que eu conheci, tonto de seu juízo, o qual homem levava o triste dia a andar para baixo e para cima na rua principal lá da aldeia. Chamavam-lhe evidentemente o Tonho Maluco, uma espécie de bobo fácil dos adultos e de besta sofredora das crianças. Estas coisas são assim e no fundo não é por mal, se o Tonho morresse toda a gente tinha um grande desgosto, pois claro.
Das malícias do tonto não falo: eram muitas, e nem todas para pôr por escrito. Mas honestíssimas donas de sua casa rompiam aos gritos e empurravam o Tonho para fora dos quintais onde ele se introduzia, silencioso e ágil como um gineto. Adiante. O que me impressionava então e hoje recordo era aquela cisma que o Tonho tinha de falar durante todo o santo dia, ora em altas vozes contra as portas e os prudentes habitantes que atrás se escondiam, ora em estranhos murmúrios com o rosto apoiado numa árvore, ora quase suspirando enquanto a água das bicas lhe ia correndo para a concha das mãos. Além dos seus outros nomes, apelidos e alcunhas, o Tonho era o Fala-Só.
Passaram prodigamente os anos, eu cresci, o Tonho envelheceu e morreu, e eu não morri, mas envelheci. Estas coisas também são assim, e no fundo ninguém nos quer mal, a culpa é do tempo que passa, e quando eu morrer as pessoas também vão ter muita pena. A ver.
Depois de eu ter crescido, soube que também aos poetas davam o nome de fala-só, porque se achava que a poesia era uma forma de loucura nem sempre mansa, e porque alguns abusavam do privilégio de falar alto à lua ou de se lançarem em solilóquios mesmo quando em companhia. Bem sei que tudo isto vinha de uma noção incuravelmente romântica do que seja poeta e poesia. Mas as pessoas, vendo bem, gostam dos loucos, e, quando os não têm, inventam-nos.
Num mundo assim organizado todos tinham o seu lugar: loucos, poetas e sãos de espírito, e todos estavam cientes dos seus direitos e obrigações. Ninguém se misturava. Mas decerto não era assim, porque havia sãos de espírito que passavam a loucos e a poetas, e começavam a falar sozinhos, perdidos para a sociedade da gente normal. Um delgado fio é a fronteira, e parte-se, e gasta-se, e é logo outro mundo.
Quero eu dizer na minha que estas crónicas são também os dizeres de um fala-só. Que esta continuada comunicação tem qualquer coisa de insensato, porque é uma voz cega lançada para um espaço imenso onde outras vozes monologam, e tudo é abafado por um silêncio espesso e mole que nos rodeia e faz de cada um de nós uma ilha de angústia. E isto é tão verdade, que o leitor vai interromper aqui mesmo a leitura, baixa o livro, levanta os olhos vagos e profere as palavras da sua dor ou da sua alegria, di-las em voz alta, a ver se o mundo o ouve e se, pela magia do esconjuro involuntário, começa, enfim a compreendê-lo, a si, leitor, a quem ninguém compreende e a quem ninguém ajuda.
De modo que fala-sós somos todos: os loucos, que começaram, os poetas, por gosto e imitação, e os outros, todos os outros, por causa desta comum solidão que nenhuma palavra é capaz de remediar e que tantas vezes agrava.
in "A Bagagem do Viajante" (crónicas publicadas nos jornais "A Capital" (1969) e "Jornal do Fundão" (1971/2)
domingo, 6 de junho de 2010
bora
Bora Lá Fazer a Puta da Revolução
Da Weasel
Bora lá fazer a puta da revolução
Dar a volta a esta merda de uma vez por todas
Eu não consigo compactuar com este estado de coisas
Tá na hora de pegarmos no assunto com as nossas mãos
Vamos ver...
Segunda nao dá jeito porque saio sempre tarde
Á terça e á quinta tenho terapia não dá para faltar
Á quarta tenho a lerpa com a rapaziada
Sabes que a cartada é sagrada boy, não me digas nada
Sexta feira é dia de apanhar uma bela touca
Sábado levo o puto ao happymeal com um sorriso na boca
Resta o domingo, só espero não tar muito cansado
Se o Benfica não jogar boy, tá combinado.
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