UT PICTURA POESIS
nalgumas pinturas busco a força latente dos volumes,
o espaço pensado, a solidez angelical das figuras,
a sua comovida geometria, mas noutras, sinto a sombra
comendo os contornos das faces, ou o efeito de espelho
anulando o suporte e um sentido único da matéria.
e então nada pesa no mundo, salvo uma consciência
embargada no alongamento procurado das formas
ou nalguma ambiguidade dos sorrisos.
noutras ainda, a tactilidade restitui-me o que imagino ou sei
da carne das mulheres, de algumas pétalas, e noutras, o peso
das madeiras, dos metais, dos estofos, sob as qualidades
da luz, a variação dos silêncios metafísicos, a linha
serpentinata que enreda o movimento de um dorso
como um fio de tempo, em todas, busco
uma medida humana da representação,
mesmo que ela flutue numa irrealidade palpável
em que também posso reconhecer as dimensões efémeras
do que sou, contraditórias, obscuramente pressentidas,
quantas vezes informuladas ou desfiguradas
nas sinópias da alma. ut pictura poesis.
Vasco Graça Moura, in "Poemas Com Pessoas"
UT PICTURA POESIS
“Desde a Antiguidade, críticos literários e filósofos compararam muitas vezes as artes […]. A definição mais antiga e mais célebre é a de Simonide, para quem a poesia é uma pintura falante e a pintura uma poesia muda. A estas fórmulas podem juntar-se as da arquitectura, música petrificada, e a da música, arquitectura fluida, fórmulas inventadas, segundo Walzel (1917), na época do romantismo. No interior da literatura, é principalmente a poesia a ter o privilégio de se ver comparada às artes: são perceptíveis aproximações com a música, fundamentalmente graças a certas analogias ao nível da prosódia, com a arquitectura, mas em primeiro lugar, com a pintura” (A. Kibédi Varga, Teoria da Literatura, 1981)
Assim, a comparação entre a poesia e a pintura foi realizada sob diferentes ópticas por literatos e investigadores de todos os tempos, que se servem, com muita frequência, da famosa formulação horaciana do v. 361 da Ars poética: “ut pictura poesis”. A poesia é como a pintura.
Segundo Carlos de Miguel Mora, da Universidade de Aveiro, “os pontos que permitem estabelecer a comparação são basicamente dois, insinuados de maneira implícita pelo poeta: a técnica do engano e a falta de utilidade” (“Os limites de uma comparação: ut pictura poesis”, Ágora. Estudos Clássicos em Debate 6, 2004; www.dlc.ua.pt/classicos/pictura.pdf).
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