domingo, 28 de novembro de 2010
Hilda Hilst
Tô Só
Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e
sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e
tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil
deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de
povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi
bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo
namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e
tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra
todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos
pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões
lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma
terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu
descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais
carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama
(como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá
de teta
de azul
de berimbau
de doutora em letras?
E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar,
rodar...
Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta
dos otro?
Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?
nave
ave
moinho
e tudo mais serei
para que seja leve
meu passo
em vosso caminho.
Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de
gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de
ilha.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário