sexta-feira, 23 de abril de 2010

... e brasónicos!

O BRASÃO DOS PACHECOS

Oxalá um Pacheco num oitavo esquerdo
numa noite revolta das Avenidas oxalá
muito depois de a presente minha carcaça ter, estoirado de vez
possa como eu agora fazer figas à morte
essa dama de beiços húmidos

alegre da raça dos Pachecos
truculenta na dissipação e a gostar violenta
caçadora de trevas inimiga
da pose, oxalá com a paixão
das coisas simples movendo o mundo - as coisas simples!

Pachecos os legítimos mandados ganhar a vida
numa roça perto de Santana na ilha de S. Tomé
como cumpria aos deserdados do império
que aliás em Lisboa já não dava para meias-solas

nós éramos e somos
gente insignificante
não vimos nos livros
estamos para aí nuns cemitérios
Aveiro, Prazeres
em jazigos formato classe média

e mais para trás um que mataram
a frio que acudia pelos liberais

e o capitão Simões Cacau (que era afinal Pacheco)
comandante de um pequeno navio candongueiro
paz à sua escrita

e mais para trás ainda
camponeses de minifúndio
ou jornaleiros a pataco
os com roupas do cotio que azedavam sobre a pele

volto ao tema? provavelmente farsantes
amadores do cómico rabulistas pícaros
de todo incréus a puxar para o jacobino mas
seguidores do seu santo
divertindo-se por isso na festa do orago
até caírem de cansaço tal qual os netos se os deixassem
mas não deixam: coisas da filosofia

oxalá tu que acabaste por não herdar nada nadamente nada
que talvez puxando um bocado pela memória
saibas que sou eu delida
uma fotografia enfim de olho mortiço
pêlos da barba em desalinho
digas «senhora» digas à morte «eu já te atendo»
digas «passo»

Fernando Assis Pacheco (1980)

Sem comentários:

Enviar um comentário