sábado, 25 de fevereiro de 2012



“Acredito verdadeiramente que é possível criar, mesmo sem jamais ter escrito uma palavra ou pintando um quadro, apenas moldando a nossa vida interior. E isso também é uma proeza.”

Etty Hillesum (1914 – 1943)

There's Nothing Quite Like a Real Book



«Se eu tivesse um carro
havia de conhecer
toda a terra.
Se eu tivesse um barco
havia de conhecer
todo o mar.
Se eu tivesse um avião
havia de conhecer
todo o céu.
Tens duas pernas
e ainda não conheces
a gente da tua rua.»
  
Luísa Dacosta

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Hilda Hist - Do Desejo



Quem és? Perguntei ao desejo.
                Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.


I
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.


II

Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.
Que desenhos e rictus na tua cara
Como os frisos veementes dos tapetes antigos.
Que sombrio te tornas se repito
O sinuoso caminho que persigo: um desejo
Sem dono, um adorar-te vívido mas livre.
E que escura me faço se abocanhas de mim
Palavras e resíduos. Me vêm fomes
Agonias de grandes espessuras, embaçadas luas
Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.
Cordura.
Crueldade.


III


Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.



IV

Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?

Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor não mais procuro.
Breu é quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Esse da carne, a mim não me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quê? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia.


        DA NOITE

III

Vem dos vales a voz. Do poço.
Dos penhascos. Vem funda e fria
Amolecida e terna, anêmonas que vi:
Corfu. No mar Egeu. Em Creta.
Vem revestida às vezes de aspereza
Vem com brilhos de dor e madrepérola
Mas ressoa cruel e abjeta
Se me proponho ouvir. Vem do Nada.
Dos vínculos desfeitos. Vem do Nada.
Dos vínculos desfeitos. Vem dos ressentimentos.
E sibilante e lisa
Se faz paixão, serpente, e nos habita.


IV

Dirás que sonho o dementado sonho de um poeta
Se digo que me vi em outras vidas
Entre claustros, pássaros, de marfim uns barcos?
Dirás que sonho uma rainha persa
Se digo que me vi dolente e inaudita
Entre amoras negras, nêsperas, sempre-vivas?
Mas não. Alguém gritava: acorda, acorda Vida.
E se te digo que estavas a meu lado
E eloqüente e amante e de palavras ávido
Dirás que menti? Mas não. Alguém gritava:
Palavras... apenas sons e areia. Acorda.
Acorda Vida.



V

Águas. Onde só os tigres mitigam a sua sede.
Também eu em ti, feroz, encantoada
Atravessei as cercaduras raras
E me fiz máscara, mulher e conjetura.
Águas que não bebi. Crespusculares. Cavas.
Códigos que decifrei e onde me vi mil vezes
Inconexa, parca. Ah, toma-me de novo
Antiqüíssima, nova. Como se fosses o tigre
A beber daquelas águas.


VI

O que é a carne? O que é esse Isso
Que recobre o osso
Este novelo liso e convulso
Esta desordem de prazer e atrito
Este caos de dor dobre o pastoso.
A carne. Não sei este Isso.

O que é o osso? Este viço luzente
Desejoso de envoltório e terra.
Luzidio rosto.
Ossos. Carne. Dois Issos sem nome.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Às Belas



Irresistible

Je sais ce que tu me reproches
Ce qui modère tes doux émois
Ce qui te déplaît tant en moi
Amour, c'est clair comme l'eau de roche
Allons, trêve de métaphysique
Puisque tu n'oses l'évoquer
Quitte à quelque part te choquer
Je parlerai de mon physique

Je suis irrésistible
Je suis comme Dieu me fit
Comme l'Eve de la Bible
La Madonne de Vinci
Mon regard indicible
Ma nuque de lady
La blonde mélodie
De mes boucles paisibles
Mon teint incorruptible
Mes lèvres de rubis
Te semblent inaccessibles
Le prélude interdit
D'un lointain paradis
Mais qu'ai-je de si terrible?
Je suis comme Dieu me fit
Irrésistible

Te voilà sombre et sans réplique
Mon cher, tu te fais tout petit
Je vois comme elle t'anéantit
Ma beauté aristocratique
Si ma silhouette longue et frêle
Est pour toi signe de froideur
S'il ne te faut que de l'ardeur
Je peux être aussi mieux que belle

Je suis irrésistible
Comme Satan me l'a dit
Sous ma taille flexible
Ce corpus delicti
Est un truit comestible.
Aux nobles appétits
Allons, prends donc pour cible
Ma cuisse de colibri
Mes reins immarcescibles
Et leur sombre incendie
Ma bouche est disponible
Et mes deux mains aussi
Je suis une maladie
Sexuellement transmissible
Comme Satan me l'a dit
Tu es irrésistible
Irrésistible

Alors c'est ça, c'est la déroute
La Bérézina, Waterloo
Il faut nourrir ta libido
D'autres piments sans aucun doute
Il te faut le charmant minois
D'une petite grosse à lunettes
D'un boudin, d'un tas, d'une charrette
Moi, je suis bien trop belle pour toi
Ce qu'il te faut
C'est un cageot
Une chèvre ou
Son légionnaire
Un simple trou
Ou bien ta mère


letra de Pierre Philippe 
canta Juliette