sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Homenagem materna (Leonor Praça Pintora)

   O Surrealismo está presente em muitos aspectos do fantástico, do neo-simbolismo, do neofigurativismo, do abstraccionismo lírico, do conceptualismo, do objectualismo ... Cesariny considera, em 1973, que são surrealistas, além dele próprio, Cruzeiro Seixas, Eurico Gonçalves, Raul Perez (n.1944), Lima de Freitas, Leonor Praça (1936-1970), Gonçalo Duarte, René Bertholo, Lourdes Castro, Eduardo Luis, Martim Avilez e Malangatana Valente (n.1936)

Rui Mário Gonçalves, in "Pintura e Escultura em Portugal (1940/1980)
ICAL (Instituto de Cultura e Língua Portuguesa)

Homenagem materna (Leonor Praça Ilustradora)

 

Recordar Leonor Praça e o seu álbum Tucha e Bicó


Originalmente editado em 1969, como o primeiro volume da colecção de O Século «Pim-Pam-Pum», e, posteriormente, alvo de reedição na Plátano, numa colecção dedicada a Leonor Praça, onde se incluem obras marcantes como Rama, o Elefante Azul (1970), de Isabel da Nóbrega ou O Veado Florido (1972), de António Torrado, Tucha e Bicó (1969) constitui um marco relevante no panorama literário português no que ao público infantil diz respeito.
Desde logo, pela filiação no género do álbum narrativo, praticamente desconhecido em Portugal naquela altura, mas que, na Europa e nos Estados-Unidos, exactamente nesta época, ia revelando todas as suas potencialidades. Mas também pela dimensão lúdica que percorre o livro, centrado nas actividades levadas a cabo por duas crianças de 3 e 4 anos, com especial destaque para os brinquedos e as brincadeiras, os passeios e as férias, a escola e a família e que influenciará criadoras como Maria Keil e Manuela Bacelar.
Destinada a leitores muito pequenos, a narrativa é protagonizada pelos dois irmãos que emprestam o nome ao livro, e narrada pela menina, dando conta, num discurso de primeira pessoa, assumidamente infantil, da realidade vivida pelas duas crianças, com especial atenção para a vida familiar, as suas rotinas e actividades marcantes. Promovendo a identificação por parte dos leitores, que se reconhecem no universo recriado, assim como nas personalidades dos dois pequenos irmãos, o livro estimula a observação das imagens e a forma como elas completam um texto marcado pela brevidade, simplicidade e contenção. Caracterizado pela sequência de frases afirmativas que, a cada virar de página, se vão sucedendo, o texto não apresenta uma estrutura narrativa de tipo tradicional. Aliás, isento de conectores de qualquer tipo que esclareçam relações de sentido ou de causalidade entre as afirmações, o texto caracteriza-se, por esse facto, por uma certa aproximação ao discurso infantil, linear e aditivo, obrigando o leitor à realização de inferências de modo a estabelecer ligações semânticas e sintácticas entre as frases, criando, assim, nexos de lógica. Em alguns casos, a cumplicidade entre o texto e as imagens é tal que os deícticos, como é o caso do determinante demonstrativo «estes», apontam para a mensagem pictórica e, logo, extratextual.
Actuando em complemento do texto, as ilustrações não só pormenorizam a informação que ele disponibiliza como, em alguns casos, colaboram no preenchimento dos espaços em branco que ela integra, condicionando, pelo menos em parte, a leitura. Veja-se, por exemplo, o caso da frase «O meu irmão tem muitos brinquedos engraçados.» que, sem especificar de que tipo de brinquedos se trata, solicita uma resposta da imagem, identificando pelo menos alguns deles e orientando, desta forma, a interpretação do leitor.
Neste caso, como em outros, a leitura realizada resulta, como o mostraram Lawrence Sipe ou Maria Nikolajeva, do cruzamento de informações oriundas de duas linguagens distintas, actuando em relação sinérgica e potenciando-se mutuamente. O final do álbum exige o mesmo tipo de inferências. A afirmação «À noite estamos cansados de brincar… Boa noite!», com que o livro termina, não só conclui uma longa enumeração de actividades realizadas pelas duas crianças, como permite perceber, também com a colaboração das imagens que representam os dois irmãos em trajes de noite, que chegou a hora de dormir, parecendo, deste modo, fechar um ciclo de acção com o necessário descanso. Estimula, além disso, uma certa sugestão dialogal com o leitor, activamente implicado pela fórmula de despedida com que o livro encerra, marcando o fim da leitura e da história, mas também o fim do dia e da agitação que o caracteriza.
Com recurso a uma técnica muito simples, baseada no desenho do contorno e no preenchimento, a cor, talvez com caneta de feltro, dos espaços, a ilustradora explora as sugestões de expressividade sugeridas pelos rostos e posturas das personagens, ao mesmo tempo que joga com padrões e motivos cromaticamente muito fortes, como os fundos e as grandes manchas, criando contrastes visualmente muito apelativos, mas mantendo a sugestão de ingenuidade que também caracteriza o texto.
Precocemente desaparecida, vítima de doença, aos 34 anos de idade, Leonor Praça é ainda responsável pela ilustração, nas edições Europa-América, de duas obras de Alves Redol, A flor vai pescar num bote (1968) e A flor vai ver o mar (1968), assim como pelas imagens dos já mencionados livros de Isabel da Nóbrega e António Torrado ou ainda de A Maria Bé e o finório Zé Tomé (Plátano, 1974), de Manuel Ferreira. A pintora, nascida no Porto em 1936, estreou-se, com uma exposição individual, em 1949 e participou em numerosas exposições colectivas tendo deixado parte significativa da sua obra inédita.

Ficha bibliográficaPRAÇA, Leonor (1969). Tucha e Bicó, Lisboa: O Século, col. Pim-Pam-Pum (nº 1)

Ana Margarida Ramos
Universidade de Aveiro;
                                                              membro associado do NELA (Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto)

http://ainocenciarecompensada.blogspot.com/2009/03/recordar-leonor-praca-e-o-seu-album.html 

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Jorge de Sena

OS PARAÍSOS ARTIFICIAIS




Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.


Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.


O cântico das aves — não há cânticos,
mas só canários de 3.º andar e papagaios de 5.º
E a música do vento é frio nos pardieiros.


Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.


A minha terra não é inefável.
A vida na minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.



Jorge de Sena

lady lazarus




Voltei a fazê-lo.
Uma vez em cada dez anos
Lá consigo —

Uma espécie de milagre ambulante, a minha pele
Brilhante como a de um candeeiro nazi,
O meu pé direito

Um pisa-papéis,
O meu rosto vulgar, fino
E de judia cepa.

Apaga-me da toalha
Oh, inimigo meu.
Meto medo a alguém?

O nariz, as covas dos olhos, os dentes todos?
O hálito acre
Desaparecerá um dia.

Daqui a pouco, daqui a pouco a carne
Que a sepultura comeu ficará
À vontade comigo como se em sua casa.

Mas eu sou uma mulher optimista.
Só tenho trinta anos.
E como os gatos tenho sete vidas para viver.

Esta é a Número Três.
Que porcaria de vida
A aniquilar todos os dez anos.

Quantos milhões de filamentos.
Uma multidão a roer amendoins
Empurra-se para ver

Sôfregos a despirem-me
Que fantástico strip tease.
Meus senhores, minhas senhoras

Estas são as minhas mãos
Os meus joelhos.
Talvez eu seja apenas pele e osso,

Contudo, sou precisamente a mesma mulher.
A primeira vez foi aos dez anos.
Foi um acidente.

Da segunda vez eu quis mesmo
Ir até ao fim e nunca mais regressar.
Voltei fechada

Como uma concha.
Tiveram de me chamar e voltar a chamar
E arrancar de mim os vermes como se pérolas pegajosas.

Morrer
É uma arte, como outra coisa qualquer.
E eu executo-a excepcionalmente bem.

Executo-a de forma a parecer-se com o inferno.
Executo-a de forma a parecer real.
Acho que se podia dizer que tenho um dom.

É bastante fácil executá-la numa cela.
É bastante fácil executá-la e ficar como se nada fosse.
É cena de teatro

Regressar em pleno dia
Ao mesmo lugar, ao mesmo rosto, ao mesmo brutal
E divertido grito:

Um milagre!
Que me põe K.O.
Há que pagar.

Para ver as minhas cicatrizes, há que pagar
Para ouvir o meu coração —
É assim mesmo.

Há que pagar, e pagar bem.
Por uma palavra ou um toque
Ou uma gota de sangue

Ou por um bocado do meu cabelo ou da minha roupa.
Vá lá então, então, Herr Doktor.
Então, Herr Inimigo.

Sou o seu opus,
Sou a sua jóia de estimação,
Um bebé todo em ouro

Que se funde com um grito.
Volto-me e ardo.
Não pense que subestimo as suas grandes preocupações.

Cinza, cinza —
Mexe e atiça.
Carne, osso, nada mais ali existe —

Um pedaço de sabonete,
Uma aliança de casamento,
A coroa em ouro de um dente.

Herr Deus, Herr Lúcifer
Tende cuidado
Muito cuidado.

Renasço das cinzas
Com o meu cabelo fulvo
E devoro homens como faço ao ar. 

sylvia plath
ariel
trad. maria fernanda borges
relógio d´água
1996




Esquecimentos Imperdoáveis (Carlos de Oliveira)

Bolor

Os versos
que te digam
a pobreza que somos
o bolor
nas paredes
deste quarte deserto
os rostos a apagar-se
no frémito do espelho
e o leito desmanchado
o peito aberto
a que chamaste
amor

Carlos de Oliveira

Vozes Femininas na Poesia portuguesa 3

Catarina Eufémia

O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente.

Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método oblíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos

Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro

Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona pousou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste

E a busca da justiça continua.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Vozes Femininas na Poesia portuguesa 2

Biografia

Tive amigos que morriam, outros que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo
Odiei o que era fácil
Procurei-me na luz no mar no vento.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Vozes Femininas na Poesia portuguesa 1

O Homem Que Fugiu

O homem que fugiu fugiu da lei
que estrada o vestiu
não sei.

Acredito que era
o gémeo
de um pássaro alerta
com a cabeça a prémio.

O homem que fugiu
é meu
se alguém o pariu
devo ter sido
eu

Sua amante-mãe
mulher
que inventaste o que ele vê
e o fere

O homem que fugiu
ganhou ao jogo
a mão incrustada
com que roubou
o fogo

E vos rasga o sono
em tiras
para que não sonheis
mentiras

Liuza Neto Jorge (1939-1989)

Meia palavra a bom entendedor

Minibiografia

Não me quero com o tempo nem com a moda
Olho como um deus para tudo de alto
Mas zás! do motor corpo o mau ressalto
Me faz a todo o passo errar a coda

Porque envelheço, adoeço, esqueço
Quando a vida é gesto, e amor é foda;
Diferente me concebo e só do avesso
O formato mulher se me acomoda.

E se a nave vier do fundo do espaço
Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo:
Logo me leve, subirei sem medo
À cena do mais árduo e do mais escasso.

Um poema deixo, ao retardador:
Meia palavra a bom entendedor.

Luiza Neto Jorge (1939 - 1989)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Géneros 2 (Arnaldo Antunes - Macha Fêmeo)



macha
fêmeo
macha
fêmeo
fêmeo
macha


cérebra caralha baga saca pescoça prepúcia ossa
nádego boceto têto côxo vagino cabeço boco

corpa moço dentra foro moça
orgasma coita palavro sexa goza

liberal gerou

macha
fêmeo
macha
fêmeo
fêmeo
macha

fígada barrigo umbiga perno braça unho mucoso
axilo nerva pela veio cabela narino porro

corpa moço dentra foro moça
orgasma coita palavro sexa goza

liberal gerou

calço terna saio camiseto vestida cueco bluso
meio sandálio calcinho cinta sapata casaca luvo

corpa moço dentra foro moça
orgasma coita palavro sexa goza

liberal gerou

Géneros 1

O REGRESSO DE ULISSES

O HOMEM É UMA MULHER QUE EM VEZ DE TER UMA CONA TEM UMA PIÇA, O QUE EM NADA PREJUDICA O NORMAL ANDAMENTO DAS COISAS E ACRESCENTA UM TIQUE DELICIOSO À DIVERSIDADE DA ESPÉCIE. MAS O HOMEM É UMA MULHER QUE NUNCA SE COMPORTOU COMO MULHER, E QUIS DIFERENCIAR-SE, FAZER CHIC, NÃO CONSEGUINDO COM ISSO SENÃO PRODUZIR SENÃO MONSTRUOSIDADES COMO ESTA FAMOSA  «CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL» SOB A QUAL SUFOCAMOS MAS QUE, FELIZMENTE, VAI DESAPARECER EM BREVE.
PELO CONTRÁRIO, A MULHER, QUE É UM HOMEM, SOUBE SEMPRE GUARDAR AS DISTÂNCIAS E NUNCA PRETENDEU SUBSTITUIR-SE À VIDA SISTEMATIZANDO PUERILIDADES, COMO FILOSOFIA, AVIAÇÃO, CIÊNCIA, MÚSICA (SINFÓNICA), GUERRAS, ETC... ALGUNS PEDANTES QUE SE TOMAM POR LIBERTADORES DIZEM-NA «ESCRAVA DO HOMEM» E ELA RI ÀS ESCÂNCARAS, COM A SUA CONA QUE É UM HOMEM.
DESDE O INÍCIO DOS TEMPOS, ANTES DA ROBOTSNÓNICA GREGA, OS ÚNICOS HOMENS-HOMENS QUE APARECERAM FORAM OS HOMENS-MEDICINA, OS HOMENS XAMÃS (HOMOSSEXUAIS ARQUIMULHERES), ESSES E AS AMAZONAS (SUPER-MULHER-HOMENS), MAS UNS E OUTROS ERAM DEMAIS DEMAIS. E DESDE O INÍCIO DOS TEMPOS QUE PENÉLOPE ESPERA O REGRESSO DE ULISSES, MAS O REGRESSO DE ULISSES É O HOMEM QUE É UMA MULHER E A MULHER QUE É UMA MULHER QUE É UM HOMEM.

Mário Cesariny de Vasconcelos, in "Pena Capital"

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Susan Sontag - Imaginação Pornográfica (excerto final)

Em última análise, o lugar que atribuímos à pornografia depende dos propósitos que estabelecemos para nossa própria consciência, para nossa própria experiência. Mas o objetivo que A adota para sua consciência pode não ser aquele que ele aprecie ver B advogar, desde que julga que B não é suficientemente qualificado, experiente, ou sutil. E B pode ficar consternado ou mesmo enraivecido pelo fato de A adotar propósitos que ele próprio professa; quando A os sustenta, eles se tornam presunçosos ou banais. É provável que essa crônica desconfiança mútua das capacidades de nossos próximos (que sugere, com efeito, uma hierarquia de competência com relação à consciência humana) jamais se resolva de forma para todos satisfatória. Na medida em que a qualidade da consciência humana varia tão amplamente, coma haveria de ser diferente? Num ensaio que escreveu sobre o tema alguns anos atrás, Paul Goodman afirmou: “A questão não é saber se se trata de pornografia, mas a qualidade da pornografia”. Isso é correto e seria possível estender bastante mais o pensamento. A questão não é saber se se trata de consciência ou de conhecimento, mas a qualidade da consciência e do conhecimento. E isso exige considerar a qualidade ou agudeza do problema do homem – o modelo mais problemático de todos. Não parece incorreto dizer que, nesta sociedade, a maioria das pessoas que não é louca ativa, é, na melhor das hipóteses, lunática corrigida, ou potencial. Contudo é possível supor que alguém aja de acordo com esse conhecimento, ou conviva genuinamente com ele? Se há tantos que oscilam à beira do assassinato, da desumanização, da deformidade e do desespero sexuais, e se devêssemos agir de acordo com esse pensamento, então uma censura que jamais imaginaram os inimigos indignados da pornografia pareceria adequada. Se é esse o caso, não somente a pornografia mas todas as formas de arte e conhecimento autênticas – em outras palavras, todas as formas de verdade – são suspeitas e perigosas.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010


Do Outro Lado da Cortina



Some folks were meant to live in clover
but they are such a chosen few
and clovers being green
is something i've never seen
'cause i was born to be blue

When there's a yellow moon above me
they say there's moonbeams i shoul view
but moonbeams being gold
are something i can't behold
'cause i was born to be blue

When i met you
the world was bright and sunny
when you left the courtain fell
i'd like to laugh
but nothing strikes me funny
now my world's a faded pastel

I guess i'm luckier than some folks
i've known the thrill of loving you
but that alone is more
than i was created for
'cause i was born to be blue

When i met you
the world was bright and sunny
but when you left the courtain fell
i'd like to laugh
but there's nothing that strikes me funny
now my world's a faded pastel

I guess i'm luckier than some folks... (repeat)

Dupla explosiva: Charles Bukowski e Robert Crumb






Dedicado aos, como eu,  pós-hippies

...À Nossa!




à notre santé
Bénabar
Ils mènent une vie sans excès
Font gaffe à tout et se surveillent de près
Avoir un corps parfait c'est un sacerdoce
Mais leur capital santé mérite des sicrifices

Il boit de la bière sans alcool
Elle mange pas de viande ça donne du cholestérol
Ils boivent leur café décaféiné
Avec du sucre dé-sucrifié

Est-ce de ma faute à moi
Si j'aime le café et l'odeur du tabac
Me coucher tard la nuit me lever tôt l'après-midi
Aller au resto et boire des apéros
A notre santé!

Elle met de la crème anti-âge
Qu'elle combine avec un doux gommage
Qui restructure en profondeur les macromolécules
En hydratant le derme contre les rides et les ridules

Comme il redoute l'effet peau d'orange
Elle a eu un rameur pour leurs dix ans de mariage
Il dit qu'il aime le sport pas la compétition
C'est quoi ces coupes ces médailles
Bien en vue dans le salon?

Est-ce de ma faute à moi
Si j'aime le café et l'odeur du tabac
Me coucher tard la nuit me lever tôt l'après-midi
Aller au resto et boire des apéros
Les cheveux blancs des vieux
Les enfants dépeignés
Les rides au coin des yeux
Les doigts dans le nez
Le bordel le désordre et le bruit
Le pas bien rangé
Le "ça peut plus durer!"
A notre santé!

Des fois un criminel allume une cigarette
Elle le fusille du regard et court vers la fenêtre
Elle dit "ha de l'air c'est vivifiant!"
Et aspire à pleins poumons les bons gaz d'échappement

Il a des bombes qui vaporisent du poison
Contre tous les insectes de la création
"Il faut éradiquer tout ce qui apporte des maladies"
Il a des doutes sur ses voisins mais les tuer c'est interdit

Et ses voisins j'en fait partie!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

... hoje deu-me para isto

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr.diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo
Abaixo aos puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inúmeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo o lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem
[ modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres,etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


Manuel Bandeira (in “Libertinagem”, 1930)

Boris Vian 1



Il s'est levé à mon approche
Debout, il était bien plus p'tit
Je me suis dit c'est dans la poche
Ce mignon-là, c'est pour mon lit
Il m'arrivait jusqu'à l'épaule
Mais il était râblé comme tout
Il m'a suivie jusqu'à ma piaule
Et j'ai crié vas-y mon loup

Fais-moi mal, Johnny, Johnny, Johnny
Envole-moi au ciel... zoum!
Fais-moi mal, Johnny, Johnny, Johnny
Moi j'aim' l'amour qui fait boum!

Il n'avait plus que ses chaussettes
Des bell' jaunes avec des raies bleues
Il m'a regardé d'un œil bête
Il comprenait rien, l'malheureux
Et il m'a dit l'air désolé
Je n'ferais pas d'mal à une mouche
Il m'énervait! Je l'ai giflé
Et j'ai grincé d'un air farouche

Fais-moi mal, Johnny, Johnny, Johnny
Je n'suis pas une mouche... zoum!
Fais-moi mal, Johnny, Johnny, Johnny
Moi j'aim' l'amour qui fait boum!

Voyant qu'il ne s'excitait guère
Je l'ai insulté sauvagement
J'y ai donné tous les noms d'la terre
Et encor' d'aut's bien moins courants
Ça l'a réveillé aussi sec
Et il m'a dit arrête ton charre
Tu m'prends vraiment pour un pauve mec
J'vais t'en r'filer, d'la série noire

Tu m'fais mal, Johnny, Johnny, Johnny
Pas avec des pieds... zing!
Tu m'fais mal, Johnny, Johnny, Johnny
J'aim' pas l'amour qui fait bing!

Il a remis sa p'tite chemise
Son p'tit complet, ses p'tits souliers
Il est descendu l'escalier
En m'laissant une épaule démise
Pour des voyous de cette espèce
C'est bien la peine de faire des frais
Maintenant, j'ai des bleus plein les fesses
Et plus jamais je ne dirai

Fais-moi mal, Johnny, Johnny, Johnny
Envole-moi au ciel... zoum!
Fais-moi mal, Johnny, Johnny, Johnny
Moi j'aim' l'amour qui fait boum!

Boris Vian 2



Je bois
Systématiquement
Pour oublier les amis de ma femme
Je bois
Systématiquement
Pour oublier tous mes emmerdements

Je bois
N'importe quel jaja
Pourvu qu'il fasse ses douze degrés cinque
Je bois
La pire des vinasses
C'est dégueulasse, mais ça fait passer l'temps

La vie est-elle tell'ment marrante
La vie est-elle tell'ment vivante
Je pose ces deux questions
La vie vaut-elle d'être vécue
L'amour vaut-il qu'on soit cocu
Je pose ces deux questions
Auxquelles personne ne répond... et

Je bois
Systématiquement
Pour oublier le prochain jour du terme
Je bois
Systématiquement
Pour oublier que je n'ai plus vingt ans

Je bois
Dès que j'ai des loisirs
Pour être saoul, pour ne plus voir ma gueule
Je bois
Sans y prendre plaisir
Pour pas me dire qu'il faudrait en finir...

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Homenagem a Khlebnikov, inventor de palavras

Ride, ridentes!
Derride, derridentes!
Risonhai aos risos, rimente risandai!
Derride sorrimente!
Risos sobrerrisos — risadas de sorrideiros risores!
Hílare esrir, risos de sobrerridores riseiros!
Sorrisonhos, risonhos,
Sorride, ridiculai, risando, risantes,
Hilariando, riando,
Ride, ridentes!
Derride, derridentes!

Khlebnikov- Encarnação pelo Riso (trad. H.Campos)

Quem quiser saber mais sobre Khlebnikov v. http://unisinos.br/blog/ihu/2009/06/02/khlebnikov-inventor-de-palavras/

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

P'ra Turma do Funil

"+ 1 dose" - Gabriel o Pensador

http://files1.mailboxdrive.com/mp3s-new/s/samachadojoao@gmail.com/976720.mp3

Animem-se os Feios

"Rap do Feio" - Gabriel o Pensador
http://files1.mailboxdrive.com/mp3s-new/s/samachadojoao@gmail.com/976715.mp3

Objecto

José Carlos Ary dos Santos num "sarau" em Casa de Amália Rodrigues, com Vinicius de Moraes, Natália Correia e David Mourão-Ferreira (1969).
clicar no link para ouvir
http://files1.mailboxdrive.com/mp3s-new/s/samachadojoao@gmail.com/976632.mp3

Jacques Prévert





As Grandes Famílias

Luis I
Luis II
Luis III
Luis IV
Luis V
Luis VI
Luis VII
Luis VIII
Luis IX
Luis X (cognominado o Teimoso)
Luis XI
Luis XII
Luis XIII
Luis XIV
Luis XV
Luis XVI
Luis XVII
Luis XVIII
e depois mais ninguém...mais nada...
que raio de gente é esta
que não é capaz
de contar até vinte ?
    (in Paroles, trad. Manuela Torres)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Chavela Vargas - El Ultimo Trago










EN EL ULTIMO TRAGO


Tómate esta botella conmigo
en el último trago nos vamos
quiero ver a qué sabe tu olvido
sin poner en mis ojos tus manos
Esta noche no voy a rogarte
Esta noche te vas que de veras
que difícil trata de olvidarte
y que sienta que ya no me quieras

Nada me han enseñado los años
siempre caigo en los mismos errores
otra vez a brindar con extraños
y a llorar por los mismos dolores

Tómate esta botella conmigo
en el último trago me dejas
esperamos que no haya testigos
por si acaso te diera vergüenza
Si algún día sin querer tropezamos
no te agaches ni me hables de frente
simplemente la mano nos damos
y después que murmure la gente

Nada me han enseñado...

Os poetas pensam poesia quando são um (nunca dois ou três...), ou então quando são todos de uma vez!




Poema em linha recta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos

Pessoa, o dizível amor e Bethânia

Oasis - Cigarettes & Alcohol (1994)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Amar - Carlos Drummond de Andrade

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer?
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar? amar o que o mar traz à praia, o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto. o que é entrega ou adoração expectante, e amar o inóspito, o cru, um vaso sem flor, um chão sem ferro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor a procura medrosa, paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.